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Catarina Domingues – BALADAS DA CHINA EM PÉ

Madrugada em Yanjiao, nos arredores de Pequim, Província de Hebei. A cidade está de pé, e de máscara, e em filas de duzentos metros à espera do autocarro. São trabalhadores, ou os pais dos trabalhadores, que para deixar os filhos a dormir mais uma hora, estão desde cedo a marcar lugar na paragem do autocarro que segue para a capital chinesa.

Viagem de táxi em Pequim, e o condutor ri-se com a voz de dois homens a sair da rádio. A comédia stand-up(porque se apresenta de pé) é um fenómeno recente na China. Talvez a arte que mais se aproxime deste género no país seja o xiangsheng, antiga memória chinesa das casas de chá, com origem no teatro de rua da Dinastia Qing, e que em tempos foi um estilo livre, e politicamente incorrecto, até subversivo. A política, as elites e a corrupção eram temas levados para o palco, mas perderam irreverência nas mãos do Partido Comunista. Com a criação da Comissão para a Reforma doXiangsheng, este género acabou por se readaptar aos ânimos do partido.

Numa escola do Condado de Faku, na Província de Liaoning, milhares de alunos comem há seis meses de pé. As autoridades locais defendem que o volume de estudantes que entra e sai da cantina é superior ao espaço disponível. Sem cadeiras, os alunos comem mais rápido, e têm mais tempo para descansar, dizem. No microblogue chinês Sina Weibo, mais de metade dos comentários é a favor desta medida.

O comediante Joe Wong pode não ter muito espaço para dar asas à sátira política, mas há muito que não escapa à análise deste chinês que viveu nos Estados Unidos. “Quando ouvi dizer que se estava a utilizar couro para fazer iogurte, fiquei muito zangado. Temos tanta gente pobre. Por que razão não podemos usar couro para fazer qualquer coisa útil como arroz e preservativos?”, disse Wong numa clara referência ao escândalo dos laticínios no país. Pode ser que aos poucos, a comédia stand-up comece a ir além dos bares e livrarias alternativas da capital. Um povo pode ter dificuldade em rir-se de si próprio, mas não é imune ao humor. Can Stand-upComedySucceedin China? Vale a pena ler este artigo publicado na revista norte-americana TheAtlantic.

Amanheceu em Yanjiao, os pais regressam a casa, e os filhos seguem para Pequim. São 35 quilómetros, mais de uma hora até chegar ao trabalho. Cerca de 300 mil pessoas fazem a viagem entre Yanjiao e Pequim todos os dias. São trabalhadores migrantes, sobretudo, e deixaram a terra natal por uma vida melhor. Há casas em Pequim, se há, mas nenhuma se adapta à carteira destes homens e mulheres. Os preços dos imóveis continuam a subir, e as medidas para controlar a bolha imobiliária têm provado ser ineficazes. Para a semana, os pais vão voltar a acordar antes dos filhos. E os filhos vão continuar a sobreviver.

Em Baladas do Alho, do escritor chinês e Nobel da Literatura Mo Yan, os camponeses do Condado Paraíso são encorajados pelo governo comunista a plantar alho. Na altura de vender as colheitas, os armazéns fecham as portas. São criados impostos, por tudo e por nada. O alho acaba a apodrecer nos campos. No Condado Paraíso até o mais fiel dos fiéis se revolta. ZhangKou, um trovador cego, incita o povo a fazer lei com as próprias mãos.

Canto sobre maio no ano de 1987,
De um crime cometido no
Condado Paraíso:
A polícia vem de todas as direções,
E leva noventa e três dos seus
concidadãos
Uns morrem, outros vão para a
prisão –
Quando é que a população vai ver
o céu azul da justiça?

De uma balada cantada por ZhangKou, a oeste do edifício do Governo

Catarina Domingues

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