Diversidade sexual em Macau é limitada pelo “espírito conservador”

por Guilherme Rego
Dinis Chan

Um casal homossexual constituído por um residente de Taiwan, Ting Tse Yen, e um residente de Macau, Leong Chin Fai, venceu o processo legal que iniciou no Departamento de Registo Civil de Taiwan para registar o seu casamento. Na passada sexta-feira (13), tornou-se oficialmente o primeiro casamento homossexual entre um local e um residente de Macau. O PLATAFORMA entrevistou Leong Chin Fai, que partilhou a sua opinião sobre a evolução do movimento LGBT e as dificuldades que atravessa na China, Taiwan e Macau, considerando que a sua cidade natal ainda sofre de um “espírito conservador” e que “dificilmente alguém se faz ouvir”.  

Qual poderá ser o impacto do movimento LGBT de Taiwan em Macau? 

“Foi em Taiwan que a minha mentalidade mudou. No passado, nem sequer considerava a possibilidade do casamento homossexual. Ainda é um conceito estranho e longínquo para homossexuais em Macau. Contudo, com a evolução do movimento LGBT em Taiwan, que possui uma cultura semelhante à de Macau, acredito que a vida conjugal destes casais irá ajudar a cultivar uma maior compreensão sobre a homossexualidade, tanto em membros da comunidade como em aliados do movimento em Macau. É de esperar que estes casos ajudem os membros do movimento a entender o que pode ser feito no futuro e ofereçam aos apoiantes uma perspetiva mais clara sobre o que deve ser apoiado”.  

Qual será o próximo passo para o movimento em Taiwan? 

“Podemos dividir os objetivos futuros em duas categorias: combater a desigualdade e a inacessibilidade. A primeira refere-se ao casamento homossexual entre membros de diferentes nacionalidades, que tenho promovido, ou a questão da adoção. Em Taiwan, homens e mulheres solteiras, ou casais heterossexuais, estão autorizados a adotar crianças com as quais não possuam qualquer relação de sangue, enquanto que casais homossexuais estão limitados à adoção de familiares, criando uma situação absurda. Teríamos de nos divorciar para poder adotar uma criança com a qual não tenhamos ligação sanguínea.  

A inacessibilidade inclui a extensão dos direitos paternais. Se a legalização do casamento homossexual faz parte do direito à união, então os direitos paternais devem também incluir homossexuais, respeitando os seus direitos humanos básicos. Desta forma, a reprodução artificial e barrigas de aluguer estarão também cobertas por estes direitos paternais. Todos devemos ter a possibilidade de ser pais.” 

Como vê a evolução do movimento homossexual em Macau? 

“Segundo o meu conhecimento da comunidade em Macau, a homossexualidade ainda é um assunto tabu. O facto de a cidade não possuir uma indústria diversificada torna difícil assumir a sua sexualidade no trabalho. Embora a sociedade não se oponha totalmente, desde há vários anos a atitude tem sido “Don’t Ask, Don’t Tell” (Não Pergunte, Não Diga). A única grande organização de apoio ao movimento LGBT é a Arco-íris de Macau, porém, a participação dos homossexuais em Macau é pequena, todos preferem continuar a viver a sua vida. Raramente tentam discutir ou promover alterações ao casamento ou vida quotidiana fora dos padrões já estabelecidos.” 

 Qual lhe parece ser o maior obstáculo aos trabalhos de consciencialização social sobre a diversidade sexual em Macau? 

“Parece-me que a situação em Macau é bastante diferente de outros países ou regiões que têm promovido os direitos LGBT, visto que em grande parte dessas sociedades são as religiões abraâmicas que dificultam o movimento. Embora a religião tenha alguma influência sobre Macau, não tem o mesmo peso. O principal obstáculo é a própria burocracia do governo de Macau e espírito conservador da cidade. A maioria dos grupos sociais dependem do estado e, por isso, escolhem não se manifestar muito. Por outro lado, as organizações independentes não possuem recursos suficientes para o fazer. Presos neste ciclo, dificilmente alguém se faz ouvir.   

Em particular, são as medidas governamentais conservadoras e inconsistentes, sem participação das partes interessadas nas discussões políticas, que têm piorado a situação. Nem através do governo, nem através do Instituto de Ação Social têm sido criadas leis de diversidade sexual e de género ou para a prevenção de discriminação com base no género e sexualidade. A Assembleia Legislativa nunca assumiu responsabilidade para tratar de assuntos sobre minorias e grupos marginalizados. Para além de José Pereira Coutinho, que promoveu a união civil entre casais do mesmo sexo há vários anos atrás, nenhum outro membro da assembleia criticou o governo e propôs qualquer mudança. As Nações Unidas exigiram várias vezes que Macau dê resposta a algumas destas questões de direitos humanos, incluindo direitos LGBT, mas até agora não produziu efeitos.” 

Com a recente onda de abolição de contas públicas LGBT de WeChat no continente pelo governo chinês, como poderão Macau e Hong Kong proteger-se? 

“É impossível ficarmos imunes às recentes ações do governo chinês contra a comunidade LGBT, incluindo a censura da cultura BL (Boy’s Love) ou a proibição de demonstrações de orgulho gay por todo o país, até ao mais recente incidente de abolição de contas públicas. A evolução dos direitos LGBT na China está a tornar-se cada vez mais difícil. Sabemos que a defesa dos “direitos civis” tem sido um dos pontos fracos do governo chinês. Aquilo em que não querem que toquemos, não pode ser tocado. Hong Kong e Macau serão certamente influenciados pelo governo central, como a recente ação da Comissão para os Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa prova.  

Devemos reforçar o movimento de promoção de direitos de género em Macau, inserindo-os na cultura convencional e cooperando com mais projetos e obras culturais internacionais, para que o público geral entenda e aceite esta luta. Por exemplo, as séries televisivas tailandesas BL têm sido bem recebidas pela sociedade, tal como a versão de Hong Kong da série Ossan’s Love, mostrando à população a normalidade de um casal homossexual. Depois da exibição desta série, notei claramente uma diferença na reação online quando apareço nas notícias em Hong Kong e Macau. Acredito que a nossa mensagem começa a ser melhor compreendida. Sob a proteção de liberdade de expressão cultural, estes projetos mediáticos podem tornar a sociedade mais tolerante.” 

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