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Ano Novo, família longe

Carol Law

Vive-se o período do ano em que mais se sente a falta da família. Neste fevereiro vai ser difícil assinalar a chegada do Ano Novo chinês em conjunto. O início do inverno coincidiu com um acelerar na evolução da pandemia, com o Governo a incentivar a população a não regressar a casa para passar o ano, exceto em casos extremamente necessários. Muitos escolheram não viajar devido à pandemia e aos custos associados ao isolamento obrigatório. O PLATAFORMA recolheu o depoimento de quatro pessoas que estão nessa situação

Faye, de Hong Kong a viver em Macau

Ao longo deste ano, governos locais têm imposto diferentes níveis de restrições de fronteiras como resposta à evolução pandémica. Muitos não regressam a casa há muito tempo, incluindo naturais de Hong Kong a residir em Macau. Faye é uma destas pessoas. A última vez que regressou a casa foi durante as comemorações à chegada do Ano do Rato (2020). Este ano, prevendo restrições e medidas de isolamento semelhantes, não planeou o regresso a casa. Embora alguns dos familiares estejam em Shenzhen, e possa em teoria ir visitá-los, devido aos repetidos surtos do vírus, todos concordaram que era melhor evitar deslocações. “Costumava ficar cansada de ir a Hong Kong de 15 em 15 dias, mas agora não posso lá ir”, assinala.

“Sinto que ver a família é agora um privilégio. Ter consciência de que ‘é para o bem de todos’ deixa-nos impotentes”, diz Faye, natural de Hong Kong e residente em Macau.

Já passou um ano desde que a epidemia teve início na China. Estava-se no Ano Novo de 2020.

Ajia, de Macau a estudar música em Taiwan

Ajia, estudante de música em Taiwan, não regressou a Macau para assinalar o Ano Novo devido ao longo e caro período de isolamento obrigatório – 21 dias de quarentena obrigatória. Nos anos anteriores veio a Macau comemorar a festa anual das famílias na China. “É sempre bom. Conversamos sobre a vida, assistimos a espetáculos temáticos de ano novo pela cidade e por vezes até participamos”, lembra.

Normalmente, consegue algum trabalho e o que ganha ajuda a cobrir os custos dos estudos. Devido ao confinamento, diz, teve de abandonar os planos para vir a Macau participar na chegada do Ano do Boi. “Pela primeira vez fiquei sem conseguir ganhar algum dinheiro durante as férias de inverno e no período do Ano Novo. Não fui para Macau, onde se consegue sempre algum trabalho neste período e em Taiwan foi também difícil conseguir algum dinheiro. Para poupar algum dinheiro, e também devido às restrições epidémicas, acabei por praticamente não sair do dormitório da universidade”, conta.

O ano novo chinês é uma época para se conviver com familiares e amigos que não vemos há muito tempo, apreciar a companhia e passar bons momentos juntos.

“Relembramos os costumes, recebemos os envelopes vermelhos (lai si), vemos as decorações, juntamo-nos nas refeições e damos as boas vindas a um novo ano, sempre cheios de energia positiva”, recorda.

Ajia aponta ainda o gosto pela participação em alguns espetáculos durante este período. “Além do dinheiro que conseguia juntar quando ia a Macau, o melhor de tudo era a preparação dos espetáculos. Consegui fazer alguns amigos nos espetáculos de música em que participei”.

Admite que este ano tem passado quase todos os dias dentro do dormitório “a fazer nada”. Vê filmes, toca piano, desenha e escreve para esquecer o aborrecimento. Por vezes vai passear e andar de bicicleta em espaços ao ar livre, indica. “É fácil ficar só a ver o tempo passar depois de um exame, embora esta seja a altura ideal para planearmos os objetivos para depois da universidade. São tempos que nos deixam confusos e perdidos”, conclui.

Dorothy, de Macau a residir em Hong Kong

A experiência de Dorothy, estudante de mestrado em Hong Kong, é diferente. Invocou algumas razões para não regressar este Ano Novo a casa, designadamente o longo período de quarentena obrigatória e, por isso, afirma encarar as celebrações anuais em época de pandemia como uma nova experiência. “Costumava passar o Ano Novo chinês em casa com a minha família, mas este ano vou fugir a essas tradições e passá-lo sozinha. Talvez me sinta só ou talvez até acabe por gostar”, diz.

Dorothy lembra que continuam a registar-se em Hong Kong casos de infeções, levando o Governo local a impor em algumas situações medidas de confinamento sem aviso prévio. No seu caso, ainda não foi atingida por essas medidas, já que a universidade onde vive não registou qualquer caso de infeção.

“A família já sabe que passeio regularmente e, em geral não se preocupam muito. Mas, de vez em quando, lá levo um ralhete da minha mãe. Por isso, muitas vezes nem conto que vou sair”. A aluna aponta ainda algumas limitações impostas na universidade que motivaram mudanças de comportamentos. “Na cantina não podemos comer juntas mais de duas pessoas, embora isso ainda permita manter uma vida social relativamente normal. Também não se pode convidar alguém para a residência (dormitório). Temos de aprender a passar o tempo sozinhos”.

Apesar de todos estes constrangimentos, Dorothy diz estar de certo modo agradecida pela oportunidade que a pandemia lhe ofereceu para começar a ser mais independente.

“Se continuasse a regressar a casa regularmente, como anteriormente, talvez não tivesse a iniciativa de fazer tantos amigos novos como agora”, conclui.

Lídia, de Pequim a residir em Macau

Lídia, tradutora de Chinês-Português, natural de Pequim e professora numa universidade local, vai ficar por Macau durante as festividades do Ano Novo. Embora tenha ido a casa passar a semana nacional e o Natal com a família, com a evolução da pandemia acabou por decidir que iria celebrar o Ano Novo em Macau. Como outros colegas tomaram a mesma decisão, decidiram juntar-se para fazer jiaozi e comer hot-pot. Contou também que reservou um serviço online para entrega do jantar de Ano Novo na casa da família, para assim poderem comer confortavelmente sem sair de casa. Na ocasião vai estar com a família através de uma videochamada.

“Já estou habituada a estar longe de casa. Este não é o meu primeiro ano que estou longe. Na universidade e quando estudei fora também passei esta época longe da família. Até brinquei com os meus colegas acerca disso. E, como estamos em Macau e ninguém vai regressar a casa, vamos juntar-nos para fazer jiaozi e celebrar assim. Não vou dizer que não tenho saudades de casa, mas já me habituei. Vivo sozinha há muito tempo”, acentua.

Admite, contudo, que este último ano, devido à pandemia como a objetivos profissionais, chegou a considerar voltar para casa e começar a trabalhar em Pequim. Apesar de sentir que a sua formação tem procura na cidade, o complicado processo de candidatura a direito de residência faz com que se sinta uma pessoa de fora.

Lídia assinala que vários colegas que acabaram por sair de Macau por se sentirem como estrangeiros, ou por estarem longe da família ou ainda por considerarem a cidade demasiado pequena.

“Tenho muitos amigos no estrangeiro que também não podem regressar à China, incluindo muitos dos professores aqui na universidade, portugueses, ingleses, que têm de ficar em Macau. Não podem sair, não podem ir à China, nem regressar aos países. Esses são os que mais sofrem. Este tempo acaba muitas vezes por ser usado para refletirmos sobre o nosso futuro. Penso que muitos vão aperceber-se da necessidade de uma mudança e muitos acabarão por mudar de local de emprego”, termina.

Desejos para o Ano do Boi – o fim da pandemia

O Ano do Rato está quase a chegar ao fim e entramos agora no Ano do Boi. Todos partilharam o desejo de que a pandemia chegue rapidamente ao fim e que se possa voltar a viajar livremente. Mas, como assinala, Faye “esse futuro nunca voltará a ser o antigo ´normal´ ”.

EM MACAU

De acordo com as restrições impostas pelo Governo local desde 1 de fevereiro, além do teste negativo de Covid-19 que é necessário cumprir medidas de isolamento obrigatório à entrada em Macau. Por exemplo, residentes de Macau vindos de zonas de baixo risco da China estão isentos do período de isolamento obrigatório, mas quem tenha estado em áreas como Pequim, Liaoning, Heilongjiang, Hebei, Jilin ou Xangai, nos 14 dias antes da entrada no território é obrigatório um isolamento de 14 dias, mais 14 dias adicionais de monitorização do estado de saúde. Estas mesmas regras aplicam-se a cidadãos que tenham visitado Taiwan nos 14 dias antes da entrada. Residentes de Macau vindos de Hong Kong têm de submeter-se a uma quarentena e supervisão médica de 21 dias, com mais sete dias adicionais de monitorização autónoma. As autoridades do continente têm incentivado a população a não viajar durante o Ano Novo a não ser em casos de extrema necessidade. Para estes últimos é igualmente necessário mostrar um teste de ácido nucleico negativo.

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