Transferência bancária ou cartão de consumo

por Filipa Rodrigues
Carol Law

Desde que o “Plano de comparticipação pecuniária no desenvolvimento económico” foi posto em prática pela primeira vez, em 2008, o valor da prestação cresceu das cinco mil até às 10 mil patacas anuais para os cidadãos residentes. O valor foi variando, mas o método de pagamento oscilou apenas entre a transferência bancária ou cheque. Pela primeira vez, este ano, o Governo não especificou o método de pagamento que vai ser utilizado: cheque, transferência bancária ou através de uma nova modalidade, o cartão de consumo. Para o vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau Ian Heng Ut a emissão de cheques oferece aos residentes a possibilidade de escolherem como usam o dinheiro, enquanto comentador Larry So sugere uma combinação de dois métodos, para que a população tenha maior flexibilidade, mas beneficiando,ao mesmo tempo, pequenas e médias empresas. 

Para Larry So, o plano já faz parte do orçamento anual de famílias com poucos rendimentos e, por isso, muitos destes agregados poderão não conseguir lidar com várias despesas diárias através de cartões de consumo, cuja utilização tem sido limitada a um máximo de 300 patacas diárias. 

Tendo trabalhado na área de ação social, afirma que várias famílias com poucos rendimentos precisam de valores disponíveis mais elevados.

“Por exemplo, pagar a renda, ou substituir algum eletrodoméstico, que poderá custar mais de 300 patacas”, diz. 

Muitos acreditam também que, com cartões de consumo carregados com 10 mil patacas, os hipermercados irão ser os mais beneficiados, sendo outros estabelecimentos ignorados. 

Todavia, o “plano de cartões de consumo”, com o tal limite diário, consegue ajudar pequenas e médias empresas, como restaurantes. “Pode não ser grande, mas é uma ajuda”, assinala.

“Avaliando a situação em geral, acredito que seja possível combinar ambos os métodos. Por exemplo, 60 por cento emitido em cheques ou transferências bancárias, e 40 por cento em cartões de consumo. Se uma família precisar de fazer uma grande despesa, poderá usar a parte emitida em dinheiro e usar os restantes 40 por cento com o recurso ao cartão de consumo para outras despesas”, aponta.

Já Ian Heng Ut, vice-presidente da Associação da Sinergia de Macau, afirma que, através do que vai observando, a maioria da população prefere que o método de pagamento não seja alterado, e que se continue a usar cheques ou as transferências bancárias para o plano. O próprio diz fazer parte das pessoas que pensam desta forma.

“Mesmo com a execução de um plano de cartões de consumo em duas fases, apesar da contribuição para o desenvolvimento do consumo interno, continua a não ser realista acreditar que, no longo prazo, seja suficiente para manter a atual situação económica. A economia local dependia de cerca de 30 milhões de turistas, mais 600 mil residentes. Não existem cartões de consumo suficientes para suportar toda a economia quando o número de visitantes é agora reduzido”, entende.

A nível pessoal, além de pequenos consumos, existem ainda outras despesas, como as rendas. “Se o pagamento for feito em dinheiro (cheque ou transferência bancária), os residentes podem escolher a forma como o usam”, aponta.

Salienta também que a economia está agora a começar a recuperar e, por isso, o uso de cheques e transferência bancária não significam que os residentes não vão consumir. 

“Vão continuar a ir às mesmas casas de chá, aos mesmos supermercados e a ter as mesmas necessidades diárias”, salienta. 

Sendo assim, a procura doméstica continuará a existir, apenas não irá estar diretamente ligada ao programa. 

Já sobre o impacto dos cartões de consumo em pequenas e médias empresas, Ian Heng Ut diz acreditar que os principais clientes são residentes locais, e por isso o prejuízo deve ser reduzido. 

“Por exemplo, supermercados e restaurantes parecem não ter sido muito afetados, alguns conseguiram até crescer. Os negócios mais afetados pela atual situação económica são aqueles que tinham os turistas como principais clientes ou, de certa forma, estavam relacionados com a indústria do turismo. Estes não beneficiam com o uso de cartões de consumo. O principal problema é a falta de clientes. Sem turistas, mesmo com a implementação de cartões de consumo, o benefício é reduzido”, diz.

Ian Heng Ut concorda não foi a escolha ideal o Governo não especificar este ano o método de pagamento do plano de comparticipação pecuniária. 

“O assunto da atribuição de 10 mil patacas por transferência bancária, cheque ou cartões de consumo já foi discutido muitas vezes pela sociedade. O governo deve, por isso, tirar algumas conclusões para as Linhas de Ação Governativa”, adianta.

O dirigente associativo diz supor que o Governo poderá estar interessado em emitir cartões de consumo. 

“Podem estar a pensar: Vamos esperar um pouco, e ver como a população reage”, afirma. 

Por sua vez Larry So acredita que o Governo esteve a observar os padrões de consumo da população ao longo da execução do “plano de cartões de consumo”, e que as opiniões da população divergem.

O plano de comparticipação é estabelecido anualmente por regulação administrativa. No passado várias pessoas expressaram o desejo de que o Governo criasse para este procedimento um mecanismo a longo prazo, vontade essa que Ian Heng Ut diz concordar, defendendo a respetiva institucionalização. 

“É emitido há mais de 10 anos. Tal como disse o Chefe do Executivo, já faz parte do orçamento de muitas famílias de baixos rendimentos. Para uma família de quatro, são 40 mil patacas, um valor muito importante. Se de repente se virem sem ele o impacto nas respetivas vidas será gigante”, lembra. 

Caso o governo não veja este plano como uma medida temporária, mas como um mecanismo permanente, então deve começar por decidir em que casos os benefícios serão universais. 

“Tal como no mercado de ações, se uma empresa fizer lucro, o interesse também sobe. Caso tenham feito pouco dinheiro, o valor de interesse desce. Quem não tem rendimento não paga dividendos. O Governo precisa de deixar tudo bem claro”, exemplifica.

Todavia, Larry So salienta que o Governo não é uma empresa em que toda a gente recebe parte dos respetivos lucros. Deve, por isso, ser desenvolvida uma forma de fortalecer todo o sistema de benefícios sociais. 

Acredita que Macau já chegou a uma fase em que, apesar de o plano de compartição ser definido como regulamento administrativo anual, funciona já como um mecanismo fixo. 

“Embora não haja ainda um sistema criado, todos os anos surge a mesma questão. Se o plano for abandonado, a sociedade irá mostrar descontentamento. Com a atual situação económica, e sem o plano de compartição, o Governo iria, com certeza, receber muitas críticas da população”, vaticina.

Para a criação de um sistema fixo, afirma que deve ser tomada em consideração a existência de um excedente antes da compartição monetária. 

“Atualmente existe alguma flexibilidade. Sem qualquer legislação, em alturas em que não exista dinheiro, pode ser decidido se não há compartição, se esta é reduzida, ou se é adotada outra solução. Com uma legislação estabelecida e um sistema criado, a compartição monetária irá sempre existir, a não ser que a mesma especifique a exceção em caso de falta de excedente. Porém, a população irá reagir negativamente a tal medida, pois claramente, quando a sociedade menos tem, é quando mais precisa de ajuda monetária”, assinala.

Por esta mesma razão é que prefere o método atual, “existe flexibilidade, caso contrário o Governo estaria preso a uma força legal”.

Ian Heng Ut, porém, acredita que um sistema legal ajudaria a reduzir a pressão exercida sobre o Governo. A população irá saber exatamente qual a situação económica atual e o valor de excedente, e a existência ou não de um plano de compartição. 

“O plano de compartição tem-se tornado lentamente numa responsabilidade governamental. Nem a execução a longo prazo, nem a abolição são possíveis. Mas caso seja criado um sistema fixo, os membros do Governo poderão descansar um pouco todos os anos”, conclui. 

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