Mais trabalhadores chineses em África é “um mito”

por Filipa Rodrigues
Jorge Faria de Oliveira

O cofundador do Projeto China-África defende que a ideia de que há uma contratação massiva de trabalhadores chineses em projetos da China em África é “um mito que não morre”, apontando que a grande maioria dos profissionais “são contratados localmente”.

Eric Olander afirmou que “há relatórios que surgem todos anos”, focados em empresas chinesas a operar em África, que estimam que “entre 85 por cento e 95 por cento dos trabalhadores” são contratados localmente, enquanto os profissionais oriundos da China são “técnicos especializados”, disse o investigador à Lusa, à margem do seminário virtual “Relações África-China: Ganhos a curto-prazo ou objetivos a longo-prazo?”, organizado pelo Programa Africano da Chatham House.

“Agora é demasiado caro levar trabalhadores chineses para África. Isto era algo que acontecia no início dos anos 2000”, disse o investigador. “Os relatos são sempre ‘eu vi, eu ouvi’, mas nunca há dados concretos”, enfatizou o norte-americano.

Da mesma forma, Olander rejeitou a ideia de que a China esteja a tentar “exportar pessoas” para fora do país, o mais populoso do mundo, com mais de 1,3 mil milhões de habitantes.

“A verdade é que enquanto a África está a ter um problema com o aumento da população, o maior desafio que a China enfrenta é também demográfico, com uma redução da população. Não há jovens suficientes para suportar a população mais velha”, sublinhou.

O investigador acrescentou que a China apoiou África na construção de “infraestruturas que eram tão necessitadas” e que “os Estados Unidos e a Europa não foram capazes de o fazer ao longo de décadas em termos de financiamento e apoio”.

“Hoje em dia olhamos para a relação entre China e África em termos monetários porque foi assim que África foi posicionada na economia global ao longo de quatro ou cinco séculos”, disse.

Olander sublinhou que a atual relação entre África e China não pode ser vista da mesma forma que o ocidente olhava para o continente africano no século XX. “Não encaixa nesse paradigma”, enfatiza.

A advogada ugandesa Jacqueline Musitwa defendeu que os países africanos devem procurar negociar não apenas com a China, mas também realizar acordos bilaterais com outros atores internacionais.

“Os governos africanos, nesta altura, têm mesmo de negociar com o Clube de Paris, com a China e com credores privados, mas acredito, que por serem países africanos a sofrer com isto, terão de fazer o que for possível para ultrapassar essa barreira. Se isso significa falar com a China, tudo bem, mas tem de haver conversas paralelas com os Estados Unidos e com outros membros do G20”, defendeu a advogada, fundadora e gestora do grupo de advogados Hoja Law, que assiste clientes – como o Governo ruandês – em matérias relacionadas com o Comércio, serviços financeiros e a gestão empresarial.

Da mesma forma, a advogada considerou que o investimento chinês em África é natural e que a China “é como qualquer outro país – se há espaço, tenta entrar nesse espaço”.

“O ónus fica nesses países africanos para imporem as respetivas leis e, se não tiverem a moldura legal, devem fazer como o Ruanda.

“Esperem, gostávamos de ter esse investimento, mas não temos as leis necessárias”, apontou Jacqueline Musitwa, ao assinalar a posição de Kigali, lembrando que o Governo ruandês desenvolveu molduras legais para proteger os interesses do país.

A questão da dívida foi também um dos temas abordados no encontro virtual, sendo então destacado que essa se encontra concentrada em poucos países. 

“África não tem um problema de dívida com a China. Cerca de 10 países têm um problema de dívida com a China, o que deixa 44 países que não têm”, indicou Eric Olander, apontando Angola, Etiópia, Quénia, Djibuti e Zâmbia como os que têm “problemas de dívida graves”.

A dívida de Angola à China está estimada em, pelo menos, 2,2 mil milhões de dólares (1,862 mil milhões de euros), em grande parte com o petróleo produzido no país como colateral. Segundo Olander, “África já não é tão importante para a China economicamente”, pois diversificou os fornecedores de matérias-primas que comprava em África, como petróleo, minerais e madeira graças à Nova Rota da Seda. 

“Até 2008, 30 por cento do petróleo da China vinha de três países africanos: República do Congo, Sudão e Angola. Em 2018, menos de 20 por cento vem apenas de um único país, Angola. Atualmente, China depende mais da Rússia, Golfo Pérsico, Estados Unidos e Brasil”, vincou. O atual principal interesse da China em África, disse, é o apoio político em organizações internacionais, como a ONU, Organização Mundial da Saúde ou Organização Mundial do Comércio contra os Estados Unidos da América (EUA).

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