Mudam-se os líderes, ficam as vontades?

por Filipa Rodrigues
Marco Carvalho

As chaves da Casa Branca podem estar na iminência de mudar de mãos, mas um eventual triunfo do Partido Democrata nas eleições norte-americanas da próxima terça-feira dificilmente favorecerá uma inversão de marcha na direção que tomaram as relações entre os Estados Unidos da América e a República Popular da China durante o consulado de Donald Trump, defendem especialistas em ciência política e em relações internacionais abordados pelo PLATAFORMA. Já em relação ao impacto que o escrutínio pode ter em Macau, as opiniões dividem-se

No início da semana, a oito dias dos Estados Unidos acorrerem às urnas, sete grandes sondagens conduzidas em todo o território norte-americano atribuíam ao candidato do Partido Democrata, Joe Biden, uma vantagem de entre 9 e 11 pontos percentuais sobre o rival republicano. Trump e Biden não se entendem em questões de fundo – como a gestão da pandemia de Covid-19, as políticas de imigração ou o acesso a cuidados de saúde – mas há um domínio em que o que une os dois candidatos é mais forte do que aquilo que os separa: pelo menos durante a campanha eleitoral, nenhum se mostrou disposto a assumir o papel de “polícia bom” no confronto estratégico com Pequim.

As duas maiores economias mundiais enredaram-se ao longo dos últimos anos numa espiral de acusações e engalfinharam-se num duelo com múltiplas frentes – comercial, tecnológica, geopolítica – agravado pelo impacto económico e social da pandemia de Covid-19 e nem Trump, nem Biden se abstiveram de colocar a China no centro do debate. O candidato incumbente prometeu reduzir ao mínimo os magros vínculos que ainda unem as duas economias e o aspirante democrata endureceu o discurso contra o regime chinês, a quem qualificou de maior antagonista económico dos Estados Unidos da América.

Para Bonnie Glaser, diretora do projeto China Power, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais – um think tank com sede em Washington, tido como próximo da Casa Branca – a campanha para as eleições presidenciais do próximo 3 de novembro confirma o fim da complacência da elite política norte-americana para com o que é visto por muitos como “a ameaça chinesa”. 

“A mudança de paradigma ocorreu logo no início da administração Trump e articulou-se claramente com a Estratégia para a Segurança Nacional”, enuncia a analista, em declarações ao PLATAFORMA. “O terrorismo foi relegado para uma posição subalterna como a maior ameaça aos Estados Unidos, tendo sido substituído pela competição entre os grandes poderes. Não acredito que o resultado das eleições possa alterar essa perspetiva”, defende Glaser.

Com Trump reeleito ou com Biden na liderança da maior economia do planeta, as relações entre Washington e Pequim, considera Priscilla Roberts, atingiram um ponto de não retorno e no futuro serão pautadas mais pela desconfiança, do que propriamente pela condescendência estratégica. A académica – uma historiadora especializada no estudo das relações sino-americanas que integra o quadro docente da Universidade Cidade de Macau – está convicta de que o braço-de-ferro entre as duas maiores potências do planeta se pode vir a tornar ainda mais amargo.

“Já houve uma mudança definitiva de paradigma no que diz respeito à política dos Estados Unidos e, de uma forma mais vasta, do mundo Ocidental em relação à China. As divisões já não são entre aqueles que defendem uma relação mais amistosa com Pequim e os que apresentam reservas, mas entre aqueles que têm reservas, mas ainda assim sentem que é necessário trabalhar com a China e aqueles que são profundamente anti chineses”, admite a autora de “Hong Kong in the Cold War”, em declarações ao PLATAFORMA. “A verdadeira questão que permanece nesta altura por responder é: o quão piores se podem tornar as relações entre os dois países?”, questiona a especialista. 

Pequim sem opção

Errático e imprevisível, Donald Trump parece ter sucumbido, na recta final do mandato aos interesses das fações mais conservadoras do Partido Republicano e assumiu um posicionamento abertamente anti chinês, mas a eleição de Joe Biden, no entender de Priscilla Roberts, está longe de ser uma boa notícia para Pequim.

“Se Biden e os Democratas vencerem, as políticas norte-americanas vão continuar a ser fortemente anti chinesas, mas provavelmente menos erráticas. Não me parece, porém, que as relações entre os dois países voltem a ser como eram”, sustenta académica.  

“Os Democratas são, de muitas e variadas formas, tão anti chineses como os Republicanos, apesar de o serem algumas vezes por razões diferentes, com as questões associadas aos direitos humanos a assumirem um peso maior quando comparadas com a questão das rivalidades estratégicas”, complementa.

As relações bilaterais entre Washington e Pequim arrefeceram de forma visível durante a administração Trump, ao ponto de ambas as nações terem encerrado representações diplomáticas do rival estratégico, mas a génese de um tal antagonismo, lembra Jianwei Wang, remonta ao segundo mandato de Barack Obama. O professor emérito da Universidade de Macau, especialista em relações sino-americanas, está convicto de que o braço-de-ferro entre a China e os Estados Unidos se tornou para a Casa Branca uma questão de interesse nacional que ganhou contornos de pacto de regime.

“É bom recordar que a ideia de uma política mais competitiva para com a China tem as raízes na administração Obama, com a chamada estratégia de ´regresso à Ásia´. É aqui que está a raiz de tudo isto”, defende o académico. “A minha perspetiva é que as relações entre os Estados Unidos e a China vão continuar a ser competitivas. Há um consenso em relação a isso do lado norte-americano (…) Se Biden for eleito, a grande diferença é que a relação entre os dois países poderá tornar-se mais previsível”, considera Wang.

Macau entre dois mundos

Se dependesse unicamente de Linda Switzer, Donald Trump já não regressaria à Casa Branca a 4 de Novembro. Radicada em Macau há 13 anos, a norte-americana traça um balanço calamitoso do mandato do atual presidente e aposta forte no regresso dos democratas ao poder. 

“Acredito que se Donald Trump for reeleito, será um desastre para os Estados Unidos e para o mundo. A minha esperança é que o vice-presidente Biden seja eleito e possa incluir no governo líderes que sejam verdadeiramente transformadores”, assume.

Gestora de topo ao serviço de uma das concessionárias de jogo do território, Switzer – que falou ao PLATAFORMA a título individual – fez o que já fizeram mais de 62 milhões de eleitores norte-americanos e depositou o voto muito antes do plesbicito de 3 de Novembro.

“Continuo a dizer que devemos adotar um envolvimento mais ativo na comunidade onde nos inserimos para abrirmos as portas à mudança”, reitera.

Se a escolha dependesse, porém, de Sheldon Adelson, Donald Trump teria luz verde para governar durante mais quatro anos. O todo-poderoso patrão da Las Vegas Sands voltou a assumir o estatuto de principal financiador da campanha republicana, ao investir 75 milhões de dólares na reeleição do atual presidente norte-americano. Dado a turbulência nas relações entre Washington e Pequim, a opção é tudo, menos prudente e fragiliza mais ainda a posição de Macau, considera Priscilla Roberts. 

“Como se sabe, Sheldon Adelson é um dos maiores apoiantes da campanha de Trump, o que transforma os respetivos casinos num eventual alvo da China, caso os Republicanos vençam. Com as relações a prefigurarem-se difíceis, vença quem vencer, as propriedades das concessionárias de jogo que têm acionistas norte-americanos podem tornar-se peões no xadrez da hostilidade sino-americana, a exemplo do que sucedeu com o TikTok, o WeChat ou a Huawei”, avisa a académica. 

Entretanto, esta semana a agência de informação financeira Bloomberg noticiou que a Las Vegas Sands estará a preparar a venda dos casinos nos EUA, potenciando a aposta na Ásia, num negócio que pode atingir mais de seis mil milhões de dólares. A venda dessas unidades localizadas nos EUA significaria que os casinos da Sands ficariam concentrados em Macau e Singapura. Os casinos em Macau, o maior destino de jogo do mundo, geraram 63 por cento da receita da empresa em 2019.

A vulnerabilidade de Macau no âmbito da nova quadratura sino-americana é, ainda e em grande medida, uma incógnita, mas Glenn McCartney não acredita que as autoridades chinesas estejam dispostas a sacrificar Macau. Especialista em turismo e na gestão de resorts integrados, o académico britânico considera que, em última análise, as concessionárias de jogo – tenham ou não uma costela norte-americana – respondem apenas pelo trabalho que desenvolveram ao longo dos últimos 20 anos.

“As seis concessionárias de jogo são julgadas pelo desempenho. E todas as operadoras são bons cidadãos corporativos, pagam os respetivos impostos, são responsáveis por uma boa parte dos empregos gerados em Macau, formaram e atualizaram as competências dos trabalhadores e estes aspetos são todos muito importantes”, defende McCartney. “Não vejo de que forma a eleição de um ou de outro partido possa ser um problema”, conclui o professor da Universidade de Macau. 

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