Como se previa, o TikTok não fechou nos EUA. Esteve apenas algumas horas fora do ar. Há muitas teorias sobre a reviravolta. Mas a principal razão para evitar o apagão não foi o impacto comercial (a aplicação é usada por mais de 170 milhões de norte-americanos), conforme defendem vários especialistas. Foi mesmo o sistema de recomendação do aplicativo que determinou o volte-face.
Chamar a atenção, reter a atenção, ganhar a confiança total da audiência. Este é o trunfo do algoritmo da tecnológica chinesa. Não existe outra rede social com a mesma capacidade. Vejamos: os utilizadores do TikTok de todo o Mundo passam, em média, uma hora e oito minutos por dia na rede, só em dispositivos Android. No YouTube 56 minutos, no Facebook 39, no WhatsApp 34, no Instagram 32 e no X oito. Atente-se na diferença entre a rede comprada por Elon Musk e a chinesa.
O que começou por ser um espaço de partilha de conhecimentos e de encontros entre amigos é hoje um espaço de poder
Não será, portanto, impossível alterar o pensamento democrático se diariamente, durante uma hora e oito minutos, formos convencidos de que as alterações climáticas são um mito, que os habitantes da Gronelândia desejam ser norte-americanos, que a saída dos EUA da OMS não vai prejudicar a vigilância global de doenças, etc.
Vivemos tempos em que os algoritmos moldam o que vemos, lemos e acreditamos. Vivemos tempos onde a desinformação se espalha com rapidez, criando dúvidas e incertezas. Mas também certezas. O que começou por ser um espaço de partilha de conhecimentos e de encontros entre amigos é hoje um espaço de poder. De resto, a Google está a perder espaço. Pela primeira vez em dez anos, teve menos de 90 por cento do tráfego de pesquisa, o que quer dizer que os conteúdos publicados nas redes e em motores de IA ganham cada vez mais relevância.
Agora não vale a pena é que líderes políticos chorem lágrimas de crocodilo e coloquem na agenda o problema dos algoritmos. Acordaram tarde e nunca implementaram medidas para, pelo menos e sem estarem condicionados pelas tecnológicas, fomentarem políticas de literacia digital sérias e consistentes. Fizeram tentativas de leis. Como está provado, não serviram para nada.
Artigo originalmente publicado em Jornal de Notícias