– “Tornei-me um artista quando me tornei numa lagosta.” Criou uma personagem que pode ser qualquer coisa, capaz de se adaptar a diferentes ambientes. É isso que pretende enquanto artista?
Philip Colbert – Sim, a lagosta é a minha personalidade artística. O que adoro na arte é a capacidade de criar uma linguagem de fantasia ou de criação. Por outro lado, a lagosta foi um símbolo que criei e que usava em fatos, chapéus e outros objetos. Foi nessa altura que as pessoas começaram a chamar-me de homem-lagosta. Portanto, foi literalmente um subproduto, porque estava sempre a usar a minha criação. Estava muito interessado em adotar esta persona que representava a minha linguagem criativa. No fundo, como é que uma pessoa se pode transformar noutra coisa através da arte? A arte é uma forma de auto-expressão que pode ser transformadora, alterando mesmo a noção da nossa identidade.
A qualidade surreal da espécie [lagosta] foi muito inspiradora. E o facto de terem sido uma representação significativa da mortalidade desde a antiguidade enriquece o seu simbolismo
– Em entrevistas anteriores, referiu que, enquanto crescia na Escócia rural, o mar era para si o equivalente a uma visita à Walt Disney, em termos de o quão longe ia a sua imaginação. Sempre houve um fascínio pelas “criaturas alienígenas” que via nas lagostas, que só aumentou quando encontrou as suas representações ao longo da história, com muitos artistas como Dalí a incorporá-las nas suas obras de arte. A descoberta desta representação simbólica das lagostas ao longo do tempo motivou-o a criar esta personagem?
P.C. – Sim, inspirei-me muito pela sua história: uma criatura alienígena, quase de outro planeta. Penso que essa qualidade surrealista da espécie foi muito inspiradora. E o facto de ser uma representação significativa da mortalidade desde a Antiguidade enriquece o seu simbolismo. É por isso que considero a lagosta profunda. A minha é vermelha, a cor que a lagosta adquire quando cozinhada, mas a minha está viva, como se tivesse uma nova vida após a morte. É como se a própria natureza da arte fosse a nossa relação com a mortalidade, a existência e as questões filosóficas, que são o que verdadeiramente nos torna humanos. A lagosta é a minha própria rebelião criativa.
– É conhecido como o “afilhado” de Andy Warhol. Que influência teve ele na sua vida e na sua arte?
P.C. – Warhol influenciou-me muito. Penso que foi o seu aspeto performativo, muito semelhante ao de Salvador Dalí. Se virmos as entrevistas de Andy Warhol, a sua personalidade é quase uma arte performativa. É como um ato de comédia, no sentido em que a sua personalidade era uma parte vital de quem Warhol era. Salvador Dalí era semelhante. Gosto de tratar a vida como um palco artístico, tendo esta ideia mais alargada de arte. Além disso, Warhol foi crucial devido à sua filosofia de celebrar as coisas do quotidiano, como latas de sopa, celebridades e outros elementos da cultura pop, elevando-os ao pedestal da arte refinada. Esta filosofia tem uma ressonância profunda em mim. Também me sinto ligado a Marcel Duchamp e ao seu trabalho Fountain (Fonte), pois grande parte da teoria de Warhol foi influenciada por Duchamp e pelo poder da arte conceptual: o valor de uma ideia e a possibilidade de utilizar conceitos prontos e pré-existentes e reciclá-los no nosso próprio trabalho. A lagosta é quase um produto de auto-descoberta, uma vez que vivemos num mundo de produção em massa e hiperconsumo. De certa forma, a minha persona, o meu eu artístico, é também um produto – é uma escultura, mas também é um brinquedo e aparece em t-shirts. É muito direta como marca e como produto. E esta democratização da arte, tornando-a acessível a toda a gente, é algo em que acredito genuinamente. Mas também acho intrigante a tensão entre significado e comercialização, e exploro isso no meu trabalho.
– A sua arte viaja no tempo, recriando frequentemente cenas ou obras de arte icónicas. No entanto, utiliza meios tecnológicos, como a IA, para estas recriações, o que constitui um contraste interessante com as obras originais. Quando é que começou a encarar a tecnologia como um meio de produção? Utiliza-a deliberadamente para confrontar o público com uma nova realidade?
P.C. – Sim, penso que todas as gerações procuram criar novos significados ou possibilidades para a arte. É uma conversa contínua na história humana que tem evoluído ao longo do tempo, crescendo com novas contribuições. Por esta razão, acredito que a arte do século XXI tem muito a ver com o poder da tecnologia em elevar e expandir as possibilidades, questionar a arte e desafiá-la. Para mim, o aspeto mais excitante da arte é ir onde nunca ninguém esteve.

Até 16 de março, a zona costal do Centro de Ciência de Macau apresenta uma nova instalação insuflável de 15 metros de altura, o Submarino Lagosta.
Acredito que Macau é uma cidade altamente artística. É um sítio onde se pode brincar com as regras
– Alguns dos projetos apresentados em Macau são novos, refletindo objetivamente o património cultural da cidade. Como observador externo, o que é que se destaca em Macau? O que é que aprendeu sobre a cidade?
P.C. – Adoro a sensação de fantasia em Macau. A arquitetura, por exemplo, reúne e combina os melhores e mais emblemáticos elementos de todo o mundo num só ambiente. Cria uma sensação de criatividade e fantasia como força motriz de grande parte do seu design. É por isso que acredito que Macau é uma cidade altamente artística. É um lugar onde se pode brincar com as regras, onde os edifícios antigos podem estar ao lado dos novos, os estilos tradicionais ao lado dos contemporâneos. Há muita liberdade. Penso que Macau é atualmente a capital mundial da arte pop. Sinto que o meu trabalho se enquadra muito bem aqui e a minha personalidade de lagosta está profundamente ligada à cidade. Tenho a sorte de tanto o Instituto Cultural como a Sands China terem tido a ambição de executar uma aquisição de arte desta escala. Creio que esta é a maior tomada de posse artística na história da cidade por um único artista. Ser capaz de criar algo desta magnitude é um privilégio espantoso e muito emocionante para mim.