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O Brasil vai aderir à Iniciativa Cinturão e Rota?

Rafael Henrique Zerbetto, Editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group論壇雜誌

Uma reportagem do South China Morning Post, de Hong Kong, publicada no dia 20 de julho, causou agitação na China ao afirmar que o Brasil estaria se preparando para aderir à Iniciativa Cinturão e Rota, também conhecida como Nova Rota da Seda.

A reportagem chegou a tal conclusão com base em um comentário do presidente Lula no dia 19, em um evento sobre investimentos em reformas de rodovias brasileiras. Na ocasião, Lula afirmou que o Brasil está disposto a aderir à iniciativa, desde que isso traga benefícios concretos para o país.

A China tem sido muito generosa ao oferecer vantagens aos países participantes da iniciativa, não apenas facilitando o acesso as financiamento para grandes obras de infraestrutura extremamente necessárias para o Brasil, como também oferecendo enormes oportunidades de cooperação e intercâmbios em diversas áreas, como agricultura, educação, saúde, ciência e tecnologia, turismo, cultura, desenvolvimento sustentável e combate à fome e à pobreza.

Insatisfação dos EUA

Esta foi a primeira vez que o governo brasileiro deu um sinal claro de interesse em aderir à iniciativa. Há pouco tempo, o ambiente parecia desfavorável, tanto pelo entendimento equivocado de que a adesão do Brasil não acrescentaria algo significativo à cooperação bilateral quanto pelo medo de ultrapassar uma suposta linha vermelha dos EUA, que ainda enxergam a América Latina como seu quintal e querem reduzir a influência da China na região.

Desde o começo do atual mandato do presidente Lula, autoridades dos EUA têm aconselhado o Brasil a não aderir à iniciativa proposta pelo presidente chinês Xi Jinping em 2013, mas não se mostraram capazes de oferecer um alternativa viável: a iniciativa Bring Back Better World, proposta pelo presidente Joe Biden em 2021, jamais saiu do papel.

Na falta de algo para oferecer ao Brasil em troca da não adesão, os EUA passaram a elevar o tom das críticas ao Cinturão e Rota, atingindo o ápice em maio deste ano, quando enviaram ao Brasil não uma autoridade civil, nem mesmo um diplomata, mas uma autoridade militar, a general Laura Richardson, para fazer uma declaração pública contra o aprofundamento das relações Brasil-China.

A decisão dos EUA de transmitir uma mensagem através de uma general nos leva a recordar o que houve no Brasil há seis décadas, quando os EUA apoiaram um golpe militar em resposta à tentativa legítima do país de buscar relações comerciais com a China. Foi somente após a visita do então presidente dos EUA, Richard Nixon, a Pequim, que o Brasil recebeu “permissão” para estabelecer relações comerciais e diplomáticas com o país asiático.

Mas as palavras da general Richardson não intimidaram Lula. O presidente brasileiro entende as preocupações estadunidenses, mas também exige respeito aos interesses legítimos do Brasil, que não busca alinhamento geopolítico nem com os EUA, nem com a China, preferindo o não alinhamento.

Uma vez que escolher um lado na “nova Guerra Fria” não traria vantagem alguma ao Brasil, a única estratégia possível é a de administrar riscos, decidindo cada movimento com base no interesse nacional e buscando obter vantagens de ambos os lados.

Sob tal perspectiva, a declaração do presidente Lula, confirmada no dia 22 de junho durante entrevista com jornalistas estrangeiros, sobre o Brasil estar disposto a aderir à iniciativa Cinturão e Rota, deve ser compreendida a partir das seguintes premissas:

1. A adesão do Brasil trará vantagens e garantias suficientes para compensar eventuais riscos geopolíticos
2. Após formalizar a adesão, um gesto de grande importância para os chineses, seria razoável esperarmos um movimento em favor dos EUA para equilibrar os interesses desses dois players geopolíticos com relação ao Brasil. Não está claro, até o momento, que tipo de acordo os EUA teriam interesse em realizar com o Brasil.
Uma fala de Lula durante a entrevista no dia 22 merece particular atenção: ele destacou sua oposição a uma nova Guerra Fria e defendeu que deve ser respeitado o direito de cada país fazer suas próprias escolhas comerciais e diplomáticas.

Lula inverteu a lógica dos analistas que temem retaliação dos EUA a uma eventual adesão do Brasil à iniciativa: para o presidente brasileiro, o fortalecimento das relações com a China seria uma forma de equilibrar o poder na região, tornando o Brasil menos vulnerável aos interesses de uma única potência estrangeira e, consequentemente, melhor posicionado para colocar em prática uma estratégia internacional não alinhada e independente.

Elevar a parceria estratégica China-Brasil

Durante a entrevista, Lula declarou à agência chinesa de notícias Xinhua, que busca com a China “uma parceria estratégica que envolva não apenas exportação de commodities, mas que envolva, no fundo, a gente fazer uma discussão envolvendo ciência, tecnologia, produção de chips e software”, mencionando também a geração de empregos para os povos dos dois países.
Tais palavras sugerem que a negociação com a China visa desenvolver setores estratégicos da indústria de alta tecnologia e pode englobar transferência de tecnologias essenciais que o Brasil tenta desenvolver há décadas, muitas vezes sob intenso boicote tecnológico do Ocidente.

Lula também afirmou que deseja aprender com a experiência chinesa de desenvolvimento e confirmou sua participação, em novembro, no fórum da Apec\, em Lima, no Peru. “Me disseram que a China quer discutir comigo a Rota da Seda. E eu quero discutir com a China a Rota da Seda. Eu quero saber aonde é que a gente entra, que posição nós vamos jogar, porque nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular.”

A mensagem de Lula é muito clara: o Brasil sonha grande, não se contenta em ser um mero exportador commodities e quer exportar também produtos de maior valor agregado, inclusive aqueles com alta complexidade.

Tudo isso sugere uma evolução significativa nas conversas de bastidores relacionadas à adesão do Brasil à iniciativa Cinturão e Rota, com a China disposta a fazer concessões muito interessantes ao Brasil.

Ao mesmo tempo, os riscos geopolíticos se revelam menores e mais fáceis de administrar: as eleições e a posterior troca de governo tornam os EUA mais focados em questões internas, enquanto o presidente chinês Xi Jinping declarou que a China priorizará a importação de produtos dos países em desenvolvimento.
A hora é agora. A hora é agora.

Artigo originalmente publicado na Revista Fórum

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