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Crises na função pública moçambicana resultam de políticas para agradar instituições internacionais – Filósofo

O filósofo moçambicano Severino Ngoenha defendeu hoje que as crises que a função pública atravessa, com greves e ameaças de paralisação, resultam de políticas adotadas para agradar a instituições internacionais, alertando que Governo e povo estão de “costas viradas”.

“O Governo tem de tomar decisões: contentar o povo de Moçambique ou contentar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (…) As relações de força fazem com que o Governo esteja sempre mais atento a conformar-se com as ordens destas instituições internacionais (…)”, declarou, em entrevista à Lusa, em Maputo, Severino Ngoenha, considerado um dos filósofos mais importantes da atualidade em Moçambique.

Em causa está a crise que se instalou no aparelho do Estado moçambicano como resultado de greves e ameaças de paralisação de funcionários públicos, que exigem melhores condições de trabalho e protestam, sobretudo, contra atrasos e cortes salariais que começaram com a implementação da nova Tabela Salarial Única (TSU), adotada no âmbito das recomendações do FMI sobre a necessidade de reduzir o peso da folha salarial do Estado.

Contestando estas medidas, os médicos moçambicanos marcaram uma nova paralisação para 02 de setembro. Em agosto, serão os juízes e os magistrados do Ministério Público. Para Ngoenha, atualmente, quem determina as políticas de Moçambique são as instituições internacionais, cujos interesses não estão alinhados às necessidades do povo moçambicano.

“As políticas das organizações internacionais têm a ver com números e com os interesses dos seus mandantes. Não tem a ver com as necessidades reais do povo (…) O FMI e Banco Mundial são instituições que foram criadas pelos vencedores das guerras [mundiais] e que têm de defender os seus próprios equilíbrios económicos, os seus próprios interesses”, declarou o autor dos “Os Tempos Africanos do Mundo”.

Ngoenha sustentou que o país precisa começar a pensar em libertar-se desta dependência, apesar das sanções que podem advir desta decisão, considerando que Moçambique não vai sobreviver se o Governo continuar a “dar costas ao povo”.

“Mesmo que tenhamos de remar contra as instituições internacionais, temos de olhar para o povo (…) Apesar de sabermos que as consequências são sanções, mas que seja isso, fomos sancionados durante os quase 50 anos da nossa história, desde a Independência, as invasões de Ian Smith, a guerra de 16 anos, até às dívidas ocultas. E nós conseguimos sobreviver. Mas não vamos sobreviver se o nosso Governo voltar as costas ao seu próprio povo. Aí é o fim do nosso país”, declarou.

Ngoenha disse ainda que o fim da dependência das instituições económicas não seria uma fatalidade: “Você não tem nenhum país do mundo que se desenvolveu graças às medidas do FMI ou Banco Mundial (…) O Brasil de Lula saiu do FMI e Banco Mundial e até foi o momento em que o Brasil cresceu mais, tirou mais gente da pobreza”.

Para o também autor de “Resistir a Abadon”, o ideal seria que o sistema mundial conseguisse conciliar as medidas económicas com o bem-estar da maioria, mas, caso esta associação seja impossível, a prioridade deve ser o povo.

“Se isso não é possível, nós temos de fazer uma escolha. Penso que o mais razoável é escolhermos o nosso povo e não os burocratas e os funcionários do Banco Mundial, que, em definitivo, representam interesses de grupos capitalistas”, concluiu.

A aplicação da nova tabela salarial na função pública foi alvo de forte contestação por parte de várias classes profissionais, como médicos e professores, com registo de atrasos salariais e cortes, incluindo nas forças de segurança.

Ngoenha sustentou que o país precisa começar a pensar em libertar-se desta dependência, apesar das sanções que podem advir desta decisão, considerando que Moçambique não vai sobreviver se o Governo continuar a “dar costas ao povo”.

Aprovada em 2022 para eliminar assimetrias e manter a massa salarial do Estado sob controlo, o seu arranque fez disparar os salários em cerca de 36 por cento, de uma despesa de 11,6 mil milhões de meticais/mês (169 milhões de euros/mês) para 15,8 mil milhões de meticais/mês (231 milhões de euros/mês).

A TSU custou cerca de 28,5 mil milhões de meticais, “mais do que o esperado”, segundo um documento do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a avaliação ao programa de assistência a Moçambique consultado pela Lusa em janeiro deste ano.

Plataforma com Lusa

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