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Vença quem vencer a Europa decide

Guilherme Rego*

Longe vão os dias em que as eleições norte-americanas lançavam candidatos com discurso articulado e um certo ‘gravitas’. O último debate é demonstrativo do calibre de quem hoje reside na Casa Branca, e de quem poderá vir a ocupar o lugar. Uma boa notícia para os democratas é a renúncia de Joe Biden. O atual Presidente quer passar a tocha democrata a Kamala Harris, sua vice-presidente; solução possível – mas não ideal. A pressão para Biden abdicar da recandidatura era grande, mas agora que finalmente chegou, pode já ser tarde para mudar o desfecho. Kamala tem pouco tempo para ganhar o partido, mostrar a sua fibra, e angariar votos.

A nível doméstico, um país totalmente dividido escolherá quem se senta na Sala Oval. O que é certo é que não será Biden e, portanto, haverá uma nova personalidade na condução da política externa. Independentemente do vencedor, é preciso perceber que as administrações norte-americanas procuram sempre manter a sua influência e hegemonia no mundo. Hoje em dia é consensual, entre republicanos e democratas, que esse objetivo depende particularmente de travar a ascensão da China. Apesar de serem muito diferentes, Biden deu continuidade à guerra comercial que Trump iniciou. Talvez até com maior sucesso, porque conseguiu que a União Europeia alinhasse com os interesses norte-americanos. E, neste capítulo, Trump falhou porque, como líder dos EUA, optou por uma tática de ‘bullying’ com os parceiros europeus. O seu estandarte de “America First”, demasiado visível, abriu fissuras na Europa, que Moscovo e Pequim exploraram. Biden inverteu esse trajeto, reconsolidando o bloco ocidental. Para a China, o “excesso de capacidade” escoa cada vez menos na Europa. E Trump talvez perceba hoje que a política externa de Biden, apesar de sair mais cara aos cofres do Estado, coloca um problema bicudo a Pequim; tanto a nível comercial, como político.

Na China, e depois da recente sessão plenária, a meados deste mês, tudo indica que será dada maior ênfase aos problemas internos, que são muitos – e graves. Há novamente reformas para equilibrar as contas dos governos municipais, o que inevitavelmente retira capacidade ao Governo Central de combater o muro comercial imposto a ocidente. O desacoplamento é muito difícil de combater, especialmente quando, aos olhos do ocidente, a China está a apoiar a Rússia na guerra com a Ucrânia. Mas isso força também a China a apostar cada vez mais na qualificação do mercado interno, e em blocos alternativos. Apesar da Europa conseguir dizer que não à China, outros não têm essa capacidade – nem interesse. Em muitos países, a China está melhor posicionada.

Kamala não deve afastar-se do guião de Biden contra a China; Trump também não. Contudo, embora ache que a Ucrânia é secundária em relação a Taiwan; pode ser que decida não sacrificar a relação com Zelensky, e a NATO, para manter o apoio europeu. Já para Pequim, é cada vez mais claro que muda o governante, mas não o objetivo – só mudam os meios para atingir o fim.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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