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“Não queremos que o centro histórico se transforme num parque temático”

A Associação dos Embaixadores do Património de Macau celebra este ano o seu 20.º aniversário, contando hoje em dia com 2.600 membros. O atual presidente Matias Lao, espera que a comunidade entenda o património como mais do que apenas um recurso turístico. Afinal, diz, o património local, especialmente o centro histórico, “não serve apenas os turistas, mas também o público de Macau”

Carol Law

– Como descreveria o desenvolvimento da conservação de património em Macau nos últimos 20 anos?

Matias Lao – Após a inscrição do “Centro Histórico de Macau” na Lista do Património Mundial, a comunidade tornou-se de facto mais preocupada com a questão da conservação cultural, como elemento identitário ou símbolo da sua própria cultura. No passado, os residentes podiam pensar serem simplesmente atrações turísticas ou locais com um pouco de caráter, mas agora veem-nas como algo único de Macau. Após o sucesso da candidatura foram feitos vários esforços e em 2014 a Lei de Salvaguarda do Património Cultural entrou em vigor, fazem por isso 10 anos. Além de ser uma estrutura legal, este legislação é também um meio para permitir que mais elementos do património sejam colocados na lista de proteção. É um mecanismo relativamente sistemático para equilibrar e rever os recursos culturais de Macau e acho que foi um progresso.

– Que desafios Macau enfrenta agora em termos de conservação?

M.L. – Acho que a maior ameaça é a perceção das pessoas locais sobre o património cultural, a diferenciação de ser simplesmente uma atração turística ou algo de valor. Embora continuemos a tentar aumentar a consciência para a proteção de património com muito esforço, é muito difícil mudar a mentalidade das pessoas sobre estes imóveis, sobre o que é mais valioso, se um edifício antigo, se um edifício novo. Acho que é preciso continuar estes esforços. Macau é um lugar pequeno e a intensidade do seu desenvolvimento é relativamente alta. Na minha opinião, conservação e desenvolvimento não entram necessariamente em conflito, mas às vezes pode ser necessário conservar mais coisas justamente devido ao desenvolvimento. O património cultural deixa de existir após ser demolido, e como transformá-lo em recursos com valores sociais, económicos e culturais, para beneficiar todas as camadas da sociedade, é a direção mais importante. Não estamos a dizer que queremos conservar por conservar, mas esperamos que possamos trazer um impacto mais positivo para a sociedade.

A participação cívica é sempre importante numa sociedade madura, especialmente em políticas culturais

Além disso, Macau não tem apenas património arquitetónico de estilo ocidental, mas também de estilo chinês, e as suas práticas de conservação ou gestão não são iguais. Macau é uma plataforma para ambos, ou até mais do que estes dois estilos, e seria mais apropriado desenvolvermos o nosso próprio caminho.

O Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial não se resume a 22 sítios, mas também à conexão espacial de toda a cidade e aos costumes dos residentes que lá vivem. Seja a paisagem, elementos humanos ou as instalações turísticas, todos estão relacionados com a questão do património cultural, por isso, além da necessidade de diretrizes operacionais, há também a necessidade de atenção pública.

Nos últimos anos, a revitalização e conservação do património cultural de Macau tem merecido atenção por parte da comunidade

– Nos últimos anos, a revitalização de Macau tem atraído muita atenção, especialmente a revitalização dos antigos bairros pelos concessionários de jogos. Quais são as suas observações a este respeito?

M.L. – Estou realmente feliz em ver empresas a participar na revitalização. O património cultural é um recurso público, e além da sua natureza pública, precisa da atenção e do contributo da sociedade, incluindo o contributo de empresas ou capitais. No entanto, precisamente devido ao investimento de capital, isso pode causar mudanças irreversíveis no seu valor cultural. Depende de como as autoridades gerem tudo, por exemplo, é necessário ter diretrizes ou disposições claras para gerir como um determinado lugar pode ser usado, restaurado e melhorado, de forma a permitir a participação da comunidade e das empresas, e, ao mesmo tempo, conservar o valor cultural do lugar.

– Por que é que se juntou à Associação dos Embaixadores do Património de Macau?

M.L. – Estudei arquitetura na Austrália e o meu mestrado foi em Urbanismo e Conservação do Património. Quando voltei para Macau, quis compreender a situação da cidade, e a forma mais direta foi juntar-me a algumas sociedades culturais relevantes, como a Associação dos Embaixadores do Património de Macau. Juntei-me à Associação em 2018 como parte do seu 11.º programa de formação. Após concluir o programa, participei em vários projetos na Associação. Como sou um profissional da área, tenho certos conhecimentos básicos e participo na resolução de questões que são sempre mais técnicas. Talvez por estar a fazer isto há muito tempo, e com o apoio dos meus predecessores, juntei-me ao comité e tornei-me Presidente da Assembleia Geral.

Matias Lao, President da MHAA

– Pode descrever um pouco da história do desenvolvimento da associação?

M.L. – A criação da Associação testemunhou uma mudança na atitude de Macau relativamente à conservação do património cultural após a transferência de soberania. No momento da criação da Associação, Macau estava no processo de preparação para a sua inscrição como Património Mundial. Como uma cidade de Património Mundial, precisa de envolver a comunidade. Era lógico que o IC lançasse o Programa de Embaixadores do Património (que na altura era aberto a jovens entre os 15 e os 20 anos). Posteriormente, o nosso Presidente fundador, Derrick Tam, juntamente com todos os membros fundadores, estabeleceram a Associação dos Embaixadores do Património de Macau, que tem continuado a ser promovida com grande dedicação.

Estamos a tornar-nos cada vez mais diversificados. A educação juvenil é o nosso núcleo principal, mas nos últimos anos, adicionámos muitos mais diferentes conselhos. Hoje em dia, além dos Sítios do Património Mundial, estamos envolvidos em muitos diferentes aspetos da cultura de Macau, como o património cultural intangível e a conservação cultural. Muitas vezes, respondemos ao desenvolvimento da sociedade e além de operar os programas de formação existentes, temos de alcançar diferentes setores da sociedade, por exemplo, através de fóruns académicos profissionais, intercâmbios com organizações nacionais e estrangeiras, competições estudantis e assim por diante, esperamos fazer chegar este tema a mais pessoas a partir de diferentes perspetiva.

Este é um caminho normal de desenvolvimento e hoje em dia, Macau é uma sociedade de talentos diversificados. Mesmo no setor cultural ou comercial, podemos precisar de saber algo sobre património cultural, e a produção multimédia ou aplicação da tecnologia informática podem contribuir para a conservação do património cultural, o que torna necessário absorver vozes diferentes. Como ‘pioneiros’ do património cultural, precisamos considerar como absorver diferentes vozes de forma sustentável, para podermos olhar para alguns dos recursos culturais na nossa sociedade de uma perspetiva diferente.

– Pode apresentar o seminário ‘Património Cultural e Ação Social’, que será realizado como celebração do 20.º aniversário da Associação, no dia 3 de agosto?

M.L. – Convidámos alguns especialistas e profissionais do património cultural, da China Continental e até da Malásia, para virem a Macau partilhar alguns dos seus casos locais. Esperamos que, além de aprender com experiências de fora, possamos também usar o património cultural como uma plataforma para intercâmbios e oportunidades de ligação com profissionais de todo o mundo.

Membros da MHAA e da Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural
de Macau deslocaram-se este ano a Portugal para uma iniciativa de intercâmbio

– Quais são as direções futuras da Associação?

M.L. – Em primeiro lugar, aderiremos à nossa missão de ‘valorizar os vestígios e herdar a cultura’. Continuaremos tanto com a promoção juvenil quanto com os intercâmbios no exterior. Também esperamos desenvolver alguns temas diferentes, como o das árvores antigas, que tem atraído muita atenção nos últimos anos. Além disso, também pretendemos desenvolver rotas e atividades sobre questões de conservação paisagística para promovê-las a partir de diferentes perspetivas. Também esperamos cooperar com empresas e ajudá-las a descobrir os seus valores culturais, para conservar o património cultural de Macau em todas as frentes.

– Qual é a sua visão para a futura conservação do património cultural de Macau?

M.L. – Espero que os residentes prestem atenção a isso. A participação cívica é sempre importante numa sociedade madura, especialmente em políticas culturais, seja na conservação do património ou no desenvolvimento urbano. Também esperamos que o público possa deixar de lado o conceito inerente de património como recurso turístico. É a nossa própria singularidade. O património, especialmente o Centro Histórico de Macau, não serve apenas os turistas, mas também o público de Macau. Não queremos que o Centro Histórico se torne um parque temático, mas sim um lugar vivo que será transmitido pelos habitantes locais, e esta é a visão que esperamos ver no futuro.

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