Ser diferente sem fechar portas

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego*

Escolas e universidades olham para o ensino em mandarim e em chinês simplificado como uma opção válida para homogeneizar o modelo de ensino e permitir aos seus estudantes outras oportunidades no Continente. Lojas enveredam pelo chinês simplificado e por empregados proficientes em mandarim para atrair os visitantes de Macau – na sua larga maioria do Continente.

A comunidade local resiste; quer preservar os seus traços identitários, que os seus filhos tenham a mesma educação que receberam, que tudo se mantenha… enquanto a cidade muda; em termos económicos, sociais e políticos. Os argumentos, dos dois lados, são mais que válidos. O mandarim, o chinês simplificado, são essenciais para continuarmos com uma economia de turismo pujante, e necessários para acompanhar a atual tendência de integração regional. As escolas têm direito a essas mudanças curriculares – nada na Lei diz o contrário – e os negócios não fazem nada mais do que responder às tendências do mercado. Mas a penetração da cultura do Continente coloca o cantonês e o chinês tradicional em cheque; e a população luta para inverter o tabuleiro.

Para o cantonês e o chinês tradicional não caírem em desuso, tem de se criar condições. Do ponto de vista turístico, estes traços dão cor à cidade, mas esse valor, por si só, não chega. Basta olhar para o que aconteceu ao Português

A luta, contudo, retarda o inevitável. Para o cantonês e o chinês tradicional não caírem em desuso, tem de se criar condições. Do ponto de vista turístico, estes traços dão cor à cidade, mas esse valor, por si só, não chega. Basta olhar para o que aconteceu ao Português. Os visitantes continentais e internacionais sabem que Macau tem História e cultura portuguesa – e muitas vezes é esse o ponto de venda -; porém, a língua é cada vez menos utilizada, e a cultura cada vez menos vista nas ruas de Macau. Tem de haver obviamente esforço e coragem do Governo local, mas também uma reflexão sobre a criação de valor económico por via dos seus traços identitários, que não pode cingir-se ao turismo. Não existe melhor garantia do que a importância dos traços identitários para o funcionamento da economia e para as pontes que se criam no exterior. Mas esta preocupação com a manutenção dos valores linguísticos e culturais – que, infelizmente, não existe na mesma medida com o Português – tem de saber conciliar-se com o ganha-pão da cidade, completamente dependente do Continente e das suas decisões políticas. Nada impede que, enquanto se criam condições para valorizar o cantonês e o chinês tradicional, se agarrem as oportunidades que vêm com o mandarim e chinês simplificado. Não é preciso fechar uma porta para manter a outra aberta. Aliás, é essa a característica que por tanto tempo tornou Macau numa cidade especial, capaz de conciliar culturas tão distintas. Não podemos continuar a viver numa bolha, e não falo apenas do mandarim e do chinês simplificado, que é naturalmente uma causa levada mais a peito pela população local. Há a necessidade de voltarmos a valorizar o Português, que permite a todos outras oportunidades; e também o Inglês, pois é essa a língua que permite à cidade confirmar o seu estatuto internacional. Hoje, quem não fala cantonês ou mandarim tem muitas dificuldades a navegar na terra. A economia local e a qualidade de vida da população só têm a ganhar com todas estas pontes. Conjugar os valores do património imaterial, com as novas realidades, é a atitude mais inteligente; e está apenas à distância da vontade.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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