O futuro da criptomoeda: Desafios das Regras de Viagem

por Gonçalo Lopes
Robby Kwok, Presidente executivo da Associação de Interfluxo de Activos Digitais de Macau

A 4 de julho deste ano, a Autoridade Bancária Europeia anunciou novas diretrizes para Provedores de Serviços de Criptoativos (CASP), exigindo que cumpram as diretrizes das Regras de Viagem, aprimorando o Combate à Lavagem de Dinheiro (AML), e o Combate ao Financiamento do Terrorismo (medidas CFT). Diretrizes, essas, que entrarão em vigor a 30 de dezembro de 2024. Esta importante mudança regulatória visa fornecer um ambiente mais seguro e transparente para transações. Este artigo explorará o impacto dessas regulamentações no mercado da criptomoeda; os desafios e as oportunidades que surgem.

Compreendendo a regra de viagem

A Regra de Viagem foi inicialmente desenvolvida pelo Grupo de Ação Financeira (GAFI), que exige que as instituições financeiras compartilhem certas informações dos clientes durante as transações. Esta regra tem sido uma pedra angular da regulamentação financeira tradicional, com o objetivo de prevenir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, garantindo a transparência das transações financeiras. A aplicação da Regra de Viagem às bolsas de criptomoedas significa que essas plataformas precisarão coletar e compartilhar dados de clientes para transações que excedam um determinado limite.

Requisitos regulatórios no reino criptográfico

As criptomoedas transformaram fundamentalmente o cenário financeiro, oferecendo transações descentralizadas e anónimas. Embora esses recursos tragam muitos benefícios, eles também apresentam riscos significativos. O anonimato das transações criptográficas torna-as atraentes para atividades ilícitas, como a lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, e a fraude. De acordo com um relatório da Chainalysis, em 2020, as transações ilegais representaram aproximadamente 0,34% de todas as transações de criptomoedas, totalizando cerca de US$ 10 mil milhões. Acredito que a escala real destas atividades possa ser maior do que os números relatados.

Tendo em conta estes riscos, as autoridades reguladoras globais têm trabalhado para implementar medidas que equilibrem os benefícios das criptomoedas com a necessidade de segurança e transparência. A União Europeia decidiu impor a Regra de Viagens no mundo criptográfico, com o objetivo de introduzir os padrões regulatórios das finanças tradicionais na era da moeda digital.

O impacto nas bolsas de criptomoedas

I. Desafios Operacionais: O cumprimento da Regra de Viagem exigirá mudanças significativas no modelo operacional nos operadores de criptomoedas. Eles precisarão de aprimorar e atualizar os seus sistemas para recolher, verificar e compartilhar informações de clientes, incluindo detalhes como nomes e endereços das partes da transação. A implementação destes sistemas envolverá recursos financeiros e técnicos substanciais.

II. Aumento dos custos: Os custos de conformidade aumentarão; incluindo não só a implementação de novos sistemas, mas também despesas contínuas de monitorização de transações, relatórios e auditoria. As bolsas menores podem ter dificuldade em arcar com esses custos, levando potencialmente à sua aquisição por parte de bolsas maiores.

III. Implicações de privacidade: Um dos principais atrativos das criptomoedas é a privacidade que proporcionam. O compartilhamento obrigatório de informações pode minar essa privacidade, gerando preocupações por parte dos utilizadores que valorizam o anonimato. Isto pode resultar na mudança de alguns utilizadores de bolsas regulamentadas para plataformas descentralizadas, ou não regulamentadas.

IV. Segurança e Confiança Reforçadas: Do lado positivo, estas regulamentações podem fortalecer a segurança e a fiabilidade do mercado de criptomoedas. Ao prevenir atividades ilícitas e garantir maior transparência, a Regra de Viagens pode ajudar a legitimar as criptomoedas aos olhos das autoridades reguladoras e das instituições financeiras tradicionais, conduzindo potencialmente a uma aceitação e adoção mais amplas.

Exemplo: Em 2021, a Binance, a maior bolsa de criptomoedas do mundo, foi avisada pela Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido por não cumprir as regulamentações locais contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Isso levou a Binance a fortalecer as suas medidas de conformidade, incluindo a restrição de certas transações e saques para utilizadores que não concluíram a verificação Know Your Customer (KYC).

Impacto no mercado de criptomoedas

I. Consolidação do Mercado: O aumento dos custos de conformidade pode levar à consolidação do mercado, onde bolsas maiores, com mais recursos, absorvem bolsas menores que não podem arcar com os custos de conformidade. Esta consolidação pode resultar num cenário de mercado mais estável, mas com diversidade reduzida.

II. Mudança para plataformas descentralizadas: Os ustilizadores com uma forte consciência de privacidade podem migrar para operadoras descentralizadas (DEX), que não exigem o mesmo nível de conformidade regulatória. Essa mudança pode acelerar o desenvolvimento e a adoção de DEX, descentralizando ainda mais o ecossistema criptográfico.

III. Aumento da participação dos investidores institucionais: O reforço da regulamentação pode atrair mais investidores institucionais para o mercado de criptomoedas. As instituições estão geralmente mais dispostas a investir num ambiente com regras claras e medidas de proteção. A legitimidade trazida por estas regulamentações poderá levar ao aumento do investimento institucional, proporcionando mais liquidez e estabilidade ao mercado.

IV. Inovação em soluções de conformidade: A necessidade de cumprir novas regulamentações pode estimular a inovação de soluções de conformidade. As instituições podem desenvolver tecnologias avançadas para simplificar o processo de recolha e partilha de informações dos clientes, criando novas oportunidades para a indústria RegTech (tecnologia regulatória).

Exemplo: Em 2021, a Coinbase adquiriu várias pequenas empresas de criptomoedas e startups de tecnologia para melhorar as suas capacidades tecnológicas e competitividade no mercado. Por exemplo, a Coinbase adquiriu a Skew (plataforma de análise de dados de mercado de criptomoedas) e a Zabo (plataforma API de criptomoedas), o que permitiu à Coinbase fornecer serviços mais abrangentes e expandir sua posição no mercado. Ao mesmo tempo, a cotação pública da Coinbase atraiu uma quantidade significativa de investidores institucionais, incluindo grandes empresas de investimento, como Fidelity e BlackRock.

Conclusão

Acredito que a introdução da Regra de Viagem no mercado de criptomoedas é uma evolução necessária. Ao submeter as bolsas de criptomoedas ao mesmo quadro regulamentar que as instituições financeiras tradicionais, a UE está a dar um passo crucial para garantir que os benefícios das criptomoedas não sejam ofuscados pelos seus riscos.

Os novos regulamentos da EU, que exigem que as operadoras de criptomoedas cumpram a Regra de Viagem, representam uma mudança significativa no cenário regulatório do mercado de criptomoedas. Embora estes regulamentos tragam desafios, também apresentam oportunidades para aumentar a segurança, a confiança e a participação dos investidores institucionais. O sucesso destas medidas dependerá da cooperação entre as autoridades reguladoras e as partes interessadas da indústria para desenvolverem soluções que equilibrem a necessidade de segurança com os princípios fundamentais do ecossistema criptográfico.

À medida que a data de implementação se aproxima, será crucial monitorizar de perto o impacto destas mudanças no mercado e ajustar as estratégias de investimento em conformidade. Ainda não está claro se estas regulamentações acabarão por fortalecer a vibração do mercado de criptomoedas, ou empurrá-lo ainda mais para a descentralização; mas uma coisa é certa: o ambiente para as transações de criptomoedas sofrerá uma transformação significativa.

Presidente executivo da Associação de Interfluxo de Activos Digitais de Macau

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