“A estrutura económica está a mudar”

O volume de negócios do comércio a retalho de cresceu ligeiramente de 2019 para 2024. Mesmo assim, é difícil de afirmar que tenha havida uma melhoria geral da conjuntura. Samuel Tong, presidente do Instituto de Gestão de Macau, diz que além dos novos hábitos de consumo e maior acesso à oferta do Continente, as reformas do jogo podem estar a centralizar as vendas nos bairros turísticos

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego

O volume de negócios dos estabelecimentos de comércio a retalho cifrou-se em 20.7 mil milhões de patacas, no primeiro trimestre do ano – um aumento de 2,3 por cento face ao quarto trimestre de 2023 -, segundo a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). Olhando para 2019, o valor era ligeiramente mais baixo, com uma faturação de cerca de 20.38 mil milhões de patacas entre janeiro e março. O índice do volume de vendas passou de 137,60 em 2019, para 141,91 em 2024, o que significa um aumento no número de transações. O Índice de Preços no Consumidor em março de 2019 era 114,85 e desceu para 105,42 em 2024. Já o Índice de Preços Turísticos passou de 137,92 no primeiro trimestre de 2019 para 144,68 no período homólogo do ano corrente.

Negócios que à primeira vista pareciam estar a sofrer com a ascendência das viagens em sentido norte, ocupam hoje maior peso na estrutura do volume de negócios (ver gráfico n.º1). É o caso dos supermercados, que no primeiro trimestre de 2024 faturaram 1.35 mil milhões de patacas, contra 1.27 mil milhões no período homólogo de 2019. Proprietários de lojas de relógios e joalharia também viram o volume de negócios aumentar, bem como empresas dedicadas a artigos de couro.

Outros, contudo, estão com alguma dificuldade em recuperar, como é o caso das companhias de mercadorias de armazéns e quinquilharias, vestuário para adultos, artigos de comunicação e combustíveis para veículos a motor, que faturaram menos 1.8 mil milhões no seu conjunto.

Samuel Tong, presidente do Instituto de Gestão de Macau

“Penso que o maior desafio é o facto da pandemia ter afetado o comportamento dos consumidores”, afirma Samuel Tong, que vê “muitos” novos desafios para as pequenas e médias empresas, sobretudo as mais “tradicionais”. O presidente do Instituto de Gestão de Macau diz que há “maior consumo online”, quer para aquisição de serviços, quer para compras, com as transações e pagamentos a utilizarem “novas plataformas”. Em suma, “o mercado mudou”, e os números começam a pintar esse retrato, depois de um primeiro ano pós-pandemia algo atípico. No primeiro trimestre de 2023, o volume de negócios cifrou-se em 24 mil milhões de patacas, mais 13 por cento do que no ano corrente. O índice do volume de vendas atingiu os 172,64 – mais 17,8 por cento do que em 2024.

Tong explica que a análise geral não permite determinar se, de facto, há uma melhoria face a 2019, porque “as cartas foram rebaralhadas”. O economista reitera a “mudança no padrão de consumo” dos residentes e turistas, mas sublinha também as mudanças na oferta da cidade, com um mercado de jogo de nova face. A perda de “alguns casinos satélite e salas VIP, localizadas em determinados distritos da cidade”, podem ter “concentrado” mais ainda a economia nos distritos turísticos, sendo difícil de assinalar uma recuperação geral dos retalhistas. “Temos de ver em que distritos estes comerciantes estão localizados. É importante fazer uma análise global a este respeito.”

Insatisfação cresce

Pese a melhoria de 2,3 por cento no volume de vendas face ao passado trimestre, os retalhistas não estavam convencidos para o segundo semestre do ano. Apenas oito por cento previa um aumento dos negócios, contra 33,5 por cento em 2023 e 17,4 por cento em 2019. No sentido contrário, 37,3 por cento previa uma diminuição do volume de negócios até final de junho, contra 18,1 por cento em 2023 e 28,6 por cento em 2019.

Por outro lado, também mostram maior insatisfação com a atual exploração dos estabelecimentos. Cerca de 37,3 por cento classifica a situação de insatisfatória, ao passo quem em 2023 eram 23,9 por cento e 33,7 por cento em 2019. Sabendo que há cada vez maior insatisfação no mercado, e vários distritos a perder o tecido empresarial, Samuel Tong diz que as pequenas e médias empresas têm de procurar soluções de forma autónoma. “Há que compreender as mudanças na estrutura económica e no comportamento dos consumidores” e “fazer ajustamentos”, nomeadamente na “atração de tráfego online” e criação de “experiências diferentes”. Essa capacidade de adaptação permitirá às empresas em dificuldades encaixarem-se “a esta evolução no mercado”, defende.

Restauração também sofre

Em abril – dados mais recentes – o volume de negócios da restauração desceu 11,8 por cento em termos anuais, de acordo com o inquérito de conjuntura à restauração da DSEC, que abordou 229 proprietários. A queda em termos anuais, embora também sentida pelos 161 retalhistas entrevistados (diminuição de 32,3 por cento), acentua as dificuldades acrescidas destes setores. Para explicar a queda, a DSEC defende que os feriados da Páscoa em 2024 ocorreram em março, enquanto que no ano passado tinha sido em abril.

Não obstante, a realidade é que em março de 2024 também houve uma diminuição considerável do volume de negócios face ao ano anterior. A restauração registou quedas na ordem dos 2,7 por cento, enquanto que os retalhistas sofreram uma descida de 22,4 por cento.

Entre as várias tipologias de restaurantes identificadas, os que mais sofreram foram os restaurantes ocidentais, com uma queda nas vendas de quase 23 por cento, seguidos dos restaurantes japoneses e coreanos (19,6 por cento) e restaurantes chineses (15,5 por cento). Os estabelecimentos de comidas e lojas de sopas de fitas e canjas foram os únicos a registar um aumento homólogo, ainda que praticamente nulo (0,3 por cento).

Consumo local de volta?

O índice de confiança dos consumidores está num “máximo histórico”, segundo um inquérito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST). Os resultados do inquérito, referente ao segundo trimestre do ano, mostram que a avaliação atingiu um recorde desde começou o registo – em 2008 -, tendo ultrapassado a média e situando-se em 104 pontos de uma escala de 0 a 200 – aumentando 9,74 por cento face ao trimestre anterior.

A análise revela que os consumidores locais estão mais confiantes em relação a ter uma vida com boas condições e otimistas quanto ao futuro do seu emprego. Os inquiridos disseram ter mais confiança na estabilidade dos preços no futuro, sendo que o subíndice de ‘Nível de Preços’ subiu 8,07 por cento, enquanto o subíndice ‘Compra de Casas’ subiu 7,17 por cento.
Quanto ao subíndice ‘Economia Local’, a subida relativamente ligeira de 4,95 por cento evidencia a confiança dos consumidores de que a economia “continua a crescer”, segundo a análise.

“No segundo trimestre de 2024, a conjuntura económica mundial apresentou um quadro mais complexo e desafiante, com a dinâmica de crescimento da economia mundial a parecer mais fraca. A inflação manteve-se firme, apesar da tendência de recuo em relação aos níveis elevados”, explicou o relatório. Acrescentou também que a economia do interior da China mostra uma tendência ascendente, mas enfrenta simultaneamente desafios como uma procura efetiva insuficiente e expectativas sociais relativamente fracas.

“Temos de compreender que os clientes diretos das lojas em zonas residenciais são os residentes. Se o poder de compra da população e a sua confiança nas despesas estiver a aumentar lentamente, se os seus empregos forem mais estáveis e tiverem visto alguns aumentos salariais, então haverá um efeito ascendente nas despesas económicas da comunidade”, explica Samuel Tong.

O inquérito sobre o Índice de Confiança dos Consumidores é um indicador composto que quantifica a perceção dos consumidores, sendo frequentemente utilizado como o indicador principal para prever as tendências económicas e de consumo. Para o segundo trimestre foram recolhidos questionários de resposta de 820 residentes durante 1 a 10 de junho.

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