Vídeos “fofos” dão visão errada da natalidade

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego*

O Instituto de Acção Social do Governo (IAS) publicou um vídeo para incentivar a população local a constituir família. Um casal sem filhos encontra um casal amigo com dois filhos que, depois de observar a “fofura” das duas crianças, começa também a pensar em ter um filho. O vídeo termina com a mensagem: “Ter filhos traz maior felicidade”.

A comunidade não demorou a inundar a caixa de comentários, criticando a promoção governamental. Os mais indignados lamentam que o esforço no incentivo à natalidade seja gasto nestas iniciativas, e não em políticas concretas, como a extensão das licenças de maternidade e paternidade, maior flexibilidade nos horários de trabalho, subsídios, entre outros. Também dizem que não querem ter um filho para não o condenar a uma vida escolar extremamente exigente e ocupada – sem tempo para ser uma criança. Outros publicaram fotografias dos seus cães e gatos, dizendo que “os seus filhos” são “mais fofos” que as crianças no vídeo. Há um comentário curioso: “O facto de toda a gente comentar desta forma o vídeo é sinal de que em Macau ainda há liberdade de expressão”.

Apesar das reconhecidas boas intenções do IAS, a publicação do vídeo demonstra o desfasamento deste serviço público com a realidade. Ter filhos é cada vez mais uma decisão racional, e bem, porque tem de se contemplar uma série de fatores: económicos, financeiros, profissionais, de tempo, contexto social e escolar. Muitos casais querem ter filhos, só que não veem reunidas as condições. Por outro lado, o vídeo não se faz acompanhar de quaisquer informações relevantes sobre os benefícios concedidos a casais com filhos. Logo aí, reduz drasticamente o seu impacto na sociedade, e alimenta a indignação. Também se deve considerar o público-alvo, que sofre de uma recuperação económica extremamente desigual.

É preciso também ter cuidado com as mensagens que tentam promover. Só tem filhos quem quer; dizer que “ter filhos traz maior felicidade”, indicia que não ter filhos limita-a. É um conceito errado, e até perigoso – dão uma visão errada da procriação. Procurar a felicidade pessoal nos filhos pode levar a inúmeros problemas, tanto para os pais, como para as crianças. Tem de ser uma decisão consciente, ponderada e que, sobretudo, cabe somente aos casais tomar.

O grande erro, porém, é não perceber as preocupações da população antes de planear o vídeo. Os comentários expõem as dificuldades da população, que não são novidade para ninguém, porque são as mesmas há muito tempo. São repercutidas na própria Assembleia. As ramificações dessa discussão legislativa é que devem ser promovidas, para que se saiba quais são os apoios concedidos às famílias. Tem havido melhorias em prol da natalidade, mas claramente não são suficientes para contrariar a atual curva negativa, com graves consequências para o rejuvenescimento da população e desenvolvimento socioeconómico. O IAS, e todos os outros departamentos relevantes, deviam perceber a infelicidade deste vídeo, como oportunidade de aprendizagem. A população quer ter filhos; não precisa que digam que são “fofos” e que tê-los “traz maior felicidade”. Precisa sim que sejam oferecidos mais apoios à natalidade. O foco deve estar no estudo de exemplos de sucesso no mundo, e na sua adaptação à realidade local. Convençam as pessoas com medidas concretas, e deixem-nas decidir por si o que as faz feliz.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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