Carros elétricos chineses sobretaxados por terem subsídios

A China poderá, na Organização Mundial do Comércio (OMC), contestar o aumento das taxas previsto para importação de veículos elétricos na União Europeia (EU), aponta Alexandr Svetlicinii, professor de Estudos Jurídicos Globais da Universidade de Macau. Contudo, explica, este ambiente político complexo, e o cerco aduaneiro, não têm como alvo apenas as estatais chinesas

por Gonçalo Lopes
Nelson Moura

Como membro da OMC, e no âmbito do mecanismo de resolução de litígios internacionais, a China tem direito a contestar o provável aumento das tarifas para a importação de veículos elétricos; e Alexandr Svetlicinii, investigador jurídico consultado pelo PLATAFORMA, admite que isso possa acontecer. Atualmente, na UE, as tarifas para carros elétricos importados da China rondam os dez por cento; mas poderão ser aumentadas até 38 por cento, já a partir de julho. A Comissão Europeia (CE) alega práticas desleais de Pequim, em benefício de fabricantes chineses.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da China descreve essa hipótese como “um ato flagrante de protecionismo” que, a verificar-se, prejudicaria a cooperação entre a Europa e a China no domínio dos veículos movidos a energia renovável. Svetlicinii explica que “estas medidas resultam de uma investigação conduzida no âmbito de um regulamento, aprovado em 2016, que visa proteger o mercado comunitário contra importações subsidiadas por estados terceiros. Durante a investigação, a CE concentrou-se em recolher informações sobre os subsídios recebidos pelos fabricantes de automóveis chineses”, especifica Svetlicinii. Apesar da reação chinesa, o investigador entende que não se pode concluir que a carga tarifária esteja a ser apontada especificamente a empresas estatais; uma vez que a Comissão inclui na sua investigação também empresas privadas. “Embora as estatais possam ter uma relação preferencial com o estado, em termos de acesso a subsídios e outras formas de apoio, a sua propriedade, por si só, não é um fator decisivo nas investigações comerciais”, comenta.

Estas medidas resultam de uma investigação conduzida no âmbito de um regulamento, aprovado em 2016,
que visa proteger o mercado comunitário contra importações subsidiadas por estados terceiros
Alexandr Svetlicinii, investigador jurídico da Universidade de Macau

Svetlicinii considera ainda que as variações que se verificam nas novas taxas previstas justificam-se, em parte, pela dinâmica diferente de cooperação por parte dos fabricantes chineses listados na investigação. Se, por um lado, algumas delas forneceram todos os dados solicitados, outras não o fizeram. E é nesse contexto que se entende que empresas como a BYD, por exemplo, venham a ser penalizadas com uma tarifa de 17,4 por cento; a NIO poderá ser afetada por uma taxa próxima dos 21 por cento.

Aperto crescente

Svetlicinii publicou recentemente um estudo centrado nos investimentos de empresas estatais chineses na UE, em especial no setor energético. Entre as conclusões a que chega, destaca-se um maior escrutínio por parte dos reguladores europeus aos investimentos diretos estrangeiros (IDE). O investigador assinala ainda que as intervenções governamentais por motivos de segurança, no setor energético, eram tradicionalmente limitadas à exploração, produção, transmissão e fornecimento de energia. “No entanto, a triagem contemporânea alargou-se para incluir ‘investimentos armados’, através dos quais investidores estrangeiros adquirem tecnologias avançadas, ou informações sensíveis”.

Esta mudança “visa uma análise mais abrangente dos riscos de segurança relacionados com as empresas-alvo, no domínio da tecnologia, ou no contributo de investidores estrangeiros, particularmente da China”, explica Svetlicinii. Significa isto que investimentos na UE, especialmente em setores críticos como o das energias renováveis, passarão a ser alvo de um escrutínio mais intenso. O novo Regulamento de Triagem de IDE, proposto no início de 2024, por exemplo, obriga todos os estados-membros a examinarem investimentos em tecnologias energéticas específicas; incluindo fusão nuclear, hidrogénio, e redes inteligentes. “Esta cobertura, extensiva, inevitavelmente apresentará desafios adicionais para os investimentos chineses, mas também para outros investimentos estrangeiros”, conclui o investigador.

Autonomia estratégica

Segundo Svetlicinii, nos últimos anos, os quadros regulatórios da UE evoluíram significativamente, guiados por dois conceitos principais: autonomia estratégica aberta e segurança económica. “Esses quadros visam garantir que a UE possa atuar de forma independente em áreas estrategicamente importantes, protegendo a sua segurança económica. Por exemplo, o Ato de Matérias-Primas Críticas da UE, adotado em abril de 2024, procura garantir o fornecimento de matérias-primas essenciais, diversificando fontes e incentivando a reciclagem”, aponta.

Ainda assim, oberva Svetlicinii, os quadros regulamentares da UE apresentam uma abordagem não discriminatória relativamente às empresas públicas. Isto deve-se ao facto de vários estados-membros terem empresas públicas que dominam vários setores económicos nos seus países, investindo em outros estados-membros. Razão pela qual o tratamento discriminatório com foco nas empresas públicas seria uma forma de discriminar os próprios estados-membros. “Além disso, as regras do comércio internacional também não permitem tal discriminação. Por isso, pelo menos formalmente, os quadros regulamentares da UE aplicam-se igualmente a todos os tipos de empresas”, conclui Svetlicinii.

Ainda assim, alguns regulamentos aconselham os estados-membros que realizam análises de segurança aos investidores estrangeiros verifiquem se, direta ou indiretamente, o investidor estrangeiro é controlado por governos, incluindo organismos estatais ou forças armadas. “O Regulamento de Fusão da EU, por exemplo, avalia os vínculos económicos de grupos corporativos, o que afeta a avaliação competitiva das aquisições por parte das estatais chinesas”, exemplifica o investigador. “Além disso, o Regulamento de Subsídios Estrangeiros aplica-se a qualquer empresa que receba assistência financeira por parte dos governos de países terceiros, o que torna as estatais chinesas alvo frequente de investigações.”

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