“Macau tem que perceber que a plataforma é importante”

Gika Simão termina o mandato como delegado do Fórum Macau; e regressa a São Tomé. Em jeito de síntese, diz que a ideia de congregar todos os Países de Língua Portuguesa em Macau é “genial”, mas que é preciso concretizá-la; “sair do discurso para a realidade”. O maior problema, diz, é que os empresários de Macau não percebem a oportunidade, não investem. E sai com um apelo às novas gerações: “Macau tem de aproveitar essa oportunidade”.

por Gonçalo Lopes
Paulo Rego

– Ser delegado no Fórum Macau é uma experiência única; longe do país de origem, num fórum multilateral, em contacto direto com a China, a partir de Macau. Independentemente da análise política e económica que faça, cinco anos depois sente-se uma pessoa diferente?

Gika Simão – Isso é inquestionável; saio de Macau uma outra pessoa; as oportunidades que tive não as teria se não estivesse cá. Daí a importância de Macau enquanto plataforma; jamais conheceria a China da forma como conheci. É verdade que se estivesse na China, teria essa oportunidade, mas fazê-lo a partir de Macau permite-nos uma visão mais abrangente. Temos os dois lados, conhecendo a China no seu todo, na perspetiva de “Um País, Dois Sistemas”. Macau assemelha-se a outros sistemas ao redor do mundo; mas também tens a China e as suas peculiaridades, com o seu sistema muito especial. Isso faz de mim alguém em condições de falar da China, mas também de Macau enquanto plataforma.

– Muita gente em Macau duvida – ou não percebe – essa oportunidade. E há muitas críticas ao Fórum Macau, sobretudo por falta de resultados concretos. Como se pode inverter essa imagem?

G.S. – De facto, o problema centra-se nos resultados. Mas primeiro é preciso felicitar o Fórum Macau. Tenho de dizer que foi uma das ideias mais geniais que a China teve; congregar todos os Países de Língua Portuguesa no mesmo espaço; a trabalharem juntos, com foco no mundo empresarial. Mais uma vez, gostaria de felicitar o Governo chinês por essa proeza. As ideias são perfeitas, muito bem concebidas. Se calhar o problema está à velocidade com que se quer implementar essas ideias. As pessoas sentem que ainda há muito por fazer; o processo de implementação deveria ser mais célere. Para começar, Macau tem que perceber que a plataforma é importante, que lhe dá um capital comparativo espetacular a nível regional. Macau tem de aproveitar essa oportunidade.

– Há quem a considere a plataforma sino-lusófona o maior ativo de Macau na Grande Baía. Concorda?

G.S. – Absolutamente! Do ponto de vista empresarial, há enormes potencialidades em termos de produtos. No caso de São Tomé, falo do Cacau, da Castanha… Em Moçambique, Guiné-Bissau, Angola, e outros países, há muito potencial naquilo que produzem. E Macau pode utilizar isso; ou seja, fazendo-os passar por cá para chegarem à China. Essa é a lógica. Macau é espaço franco, isento de uma boa parte de taxas. Contudo, é preciso sair do discurso para a realidade, cumprindo as ideias por trás da criação do Fórum.

É preciso que o empresariado de Macau tire maior proveito disso; e não está a acontecer. É preciso que
vejam a plataforma não apenas como mediadores, mas como investidores nos nossos países

– Onde se pode atuar, prioritariamente, para transformar esse discurso numa realidade?

G.S. – Acho que tem a ver com o diálogo entre Macau e a própria China. Contudo, antes disso, os empresários de Macau têm de encarar isso como uma oportunidade. Não se podem limitar a serem mediadores; têm de investir nos Países de Língua Portuguesa. A comunidade empresarial de Macau tem capacidade, know-how, conhecimento, e meios para isso. Mas não o faz; ou fá-lo de forma muito tímida.

– O que retrai os empresários de Macau?

G.S. – Primeiro, não conhecerem esses países, nem o seu mundo empresarial. Mas em qualquer processo de investimento há etapas; e aí entra o papel dos delegados do Fórum, que estão aqui para facilitar esse conhecimento. Uma das nossas maiores atividades é justamente publicitar as oportunidades de negócio nos nossos países; em Macau e no interior da China. E o empresariado em Macau tem uma oportunidade que o do interior da China não tem. Os delegados vivem aqui, convivem aqui, têm as suas famílias aqui instaladas; todos os serviços podem ser produzidos em português… Mas é preciso maior aproximação entre empresários e delegados; se não se compreender isso, não se consegue uma interligação mais firme e coesa.

– O que mudaria na organização interna do próprio Fórum?

G.S. – O Fórum faz 20 anos; e já teve vários avanços; tendo até alargado o seu leque de intervenção. Pretendia primeiro ser apenas económico, mas estendeu-se para cooperação cultural, medicina tradicional chinesa, e outras áreas. Significa que as coisas estão a funcionar. Agora, para dinamizar o processo, é preciso sair do discurso para coisas concretas. Muitas vezes se utiliza o Fórum, a cooperação entre Macau, China e os Países de Língua Portuguesa, mas esses países não são consultados nesse processo. Assinam-se protocolos de cooperação, mas nem sequer somos informados.

– Diz-se que, nos negócios, um protocolo, não passa de letra morta…

G.S. – Temos vários exemplos disso. Muitos memorandos de entendimento foram assinados e nenhum deles
funciona. Fica tudo muito bem na fotografia, mas para que isso funcione é preciso sair do papel.

Temos vários exemplos disso. Muitos memorandos de entendimento foram assinados e nenhum deles
funciona. Fica tudo muito bem na fotografa, mas para que isso funcione é preciso sair do papel.

– As autoridades chinesas, as de Macau, e os delegados, não têm essa consciência?

G.S. – Primeiro, é preciso deixar bem claro que as autoridades de Macau estão certas; têm feito o seu papel, da melhor forma; criam as condições para que a plataforma funcione. Agora, é preciso que o empresariado de Macau tire maior proveito disso; e não está a acontecer. Ou, eventualmente, encontrando no interior da China parcerias com músculo financeiro. Temos meia dúzia de empresariados, que são sempre as mesmas pessoas… e não passa disso. Falamos, conversamos, e as coisas não avançam. Deixo o apelo, sobretudo às novas gerações, que têm a responsabilidade de dar continuidade a este processo. Os nossos países têm muitos empresários jovens, empreendedores, que querem trabalhar e expandir os seus produtos. Há um mercado enorme na China, mas há também oportunidades lá fora, com produtos diferenciados que têm importância. A China não produz cacau, na dimensão e na qualidade que São Tomé produz; e há muitos outros produtos para entrar e fazer a diferença através de Macau.

– O que falhou no Fundo de Cooperação?

G.S. – Se calhar não encontraram ainda o caminho certo. O Fundo de Cooperação foi lançado poucos anos depois da criação do Fórum, mas tirando países como o Brasil, Portugal, ou Angola, nenhum dos países mais pequenos conseguiu apresentar projetos elegíveis; por várias razões. Primeiro, começamos logo pelas condições e regras. Não as conhecemos todas, sabemos apenas parte das regras. A parte mais importante, a que leva às decisões, não conhecemos.

– Os projetos chegam lá e chumbam?

G.S. – Como não conheces todas as regras, não sabes ao certo qual é o melhor projeto a apresentar. Ainda assim, e de facto aconteceu, houve países que apresentaram projetos. Mas não foram eleitos, não foram financiados, não aconteceu absolutamente nada. É verdade, e tem que ser dito, que recentemente, antes da Conferência Ministerial, houve uma nova orientação para o Fundo. Disseram-nos que estão agora voltados para projetos em países pequenos; ou cuja matriz empresarial é mais frágil. Por conta disso, estão a deslocar-se a esses países, para que o Fundo perceba melhor a realidade e adapte as regras. Aqui há uma nova oportunidade, porque o quadro atual é de facto frustrante para os países que não vêm os seus projetos aprovados.

– Não haverá também falta de experiência e de massa crítica nesses países?

G.S. – Se a possibilidade de ver o seu projeto aprovado for real, arranjam-se parcerias, porque as pessoas se interessam. Mas quando não há isso, não se faz absolutamente nada. Estou esperançoso nessa nova diretriz; faço muita fé que de facto isso aconteça. No quadro dessa nova diretriz, fala-se também da possibilidade de redimensionar os valores admitidos, que muitas vezes são muito altos. Mas essa discussão só veio à mesa por conta da pressão dos delegados, que durante anos foram batendo na necessidade de também se olhar para os países mais pequenos que fazem parte do Fórum.

– Ouve-se muitas vezes dizer que os países lusófonos, sobretudo os mais pequenos, só vêm pedir dinheiro; e que era preciso alguma reciprocidade. Ou seja, trazer investimento para Macau e a Grande Baía. É possível expectar investimento lusófono?

G.S. – Em todo o mundo, quando se fala de cooperação, seja ela de carácter empresarial, ou outro; se há vontade entre as partes, tudo funciona. E a cooperação está a funcionar bem; isso é o mais importante. Estando ela a funcionar, os entraves são superados. Não acredito que a questão que levanta seja um problema; não tenho elementos que me façam concluir que, de facto, ele existe. Mas a cooperação permite que as partes dialoguem, observem os pontos de estrangulamento, redefinam novas estratégias. Como dizem os chineses, o que é preciso é gerar ganhos mútuos.

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