Adeus à neutralidade

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego*

Há determinadas posições que simplesmente não resultam. A neutralidade da China na guerra da Ucrânia é uma delas. Não escolher é uma forma de escolha. Ambos os lados estendem uma nova cortina de ferro: o mundo ocidental cria bloqueios económicos a Pequim; que reage em alianças com blocos alternativos, como o do BRICS. Temo que a China, por mais legítima que seja a sua posição, não tenha medido bem a reação ocidental; e temo que o Ocidente não perceba bem a verdadeira dimensão das alianças com que Pequim contrapõe.

Zelinsky alegou há uma semana que Pequim terá tentado boicotar a presença de alguns países na Cimeira da Paz. No entanto, pouco depois veio colocar água na fervura. “Xi Jinping garantiu-me que não vai fornecer qualquer armamento à Rússia”, disse o Presidente ucraniano. Pequim está numa posição muito difícil, mas é dos poucos que ainda goza de canais de comunicação com Zelensky e Putin. O Presidente ucraniano não pode abdicar desse trunfo, pois mais de metade do mundo virou costas a Putin – e a China mantém influência no Kremlin.

A diplomacia ucraniana, porém, foi interrompida por Biden que, não querendo contrariar Zelensky, complementou a sua resposta. O Presidente dos EUA afirmou que, embora a China não forneça armas, exporta materiais de dupla utilização, que a Rússia aplica na sua ofensiva militar. O G7 também adotou uma posição oficial quanto ao envolvimento da China. Num comunicado conjunto, prometeram continuar a tomar “medidas contra os atores na China e em países terceiros que apoiam materialmente a máquina de guerra da Rússia, incluindo instituições financeiras (…) e outras entidades na China que facilitam a aquisição de materiais para a indústria de defesa russa”. Como tal, vão avançar com a imposição de “medidas restritivas para evitar abusos e restringir o acesso” aos seus sistemas financeiros.

De seguida, foi a vez da NATO: “Publicamente, o Presidente Xi tem tentado criar a impressão de que está em segundo plano neste conflito, para evitar sanções e manter o fluxo comercial. A realidade é que a China está a alimentar o maior conflito armado na Europa desde a Segunda Guerra Mundial”, disse Stoltenberg, secretário-geral da NATO, acrescentando que se Pequim quiser manter boas relações com o Ocidente, é melhor mudar de rumo. “Não pode ter as duas coisas”, explicitou.

Esta última frase é clara: a tentativa de neutralidade não é aceite a Ocidente. O Brasil e a China não participaram na Cimeira de Paz, argumentando que uma reunião sem a Rússia, diretamente envolvida na guerra, não surte qualquer efeito. A recusa em marcar presença dá munições ao Ocidente, mas também é preciso medir as consequências desta constante tentativa de demonização da China. Independentemente do ataque russo, o BRICS ganha força e membros, com a bandeira da construção de uma ordem mundial alternativa. Há um alinhamento total no objetivo de quebrarem a hegemonia do dólar norte-americano e contrariar os interesses ocidentais no globo. Essa força nasce também por culpa da condução política ocidental, incapaz de assumir compromissos com Pequim. A China não pode cortar relações com a Rússia, e não o vai fazer. Acredita que mudar de rumo não abre as portas da Europa, nem dos EUA; e prova disso é que os ataques a Pequim não surgiram com esta guerra – vêm de longe. Esse mindset é perigoso, porque força a China a encabeçar e exigir, por exemplo ao BRICS, uma resposta à altura. Neste momento, este bloco já representa mais de 36% do PIB mundial, contra 30% do G7; e tudo aponta para que o seu peso continue a aumentar.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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