Camaronês aguarda há 13 anos por estatuto de refugiado em Macau

Kennang Augustin Ferdinand espera há 13 anos por uma resposta das autoridades de Macau ao pedido de asilo que entregou em 2011, após escapar à perseguição política do regime dos Camarões, contou à Lusa.

por Nelson Moura

Kennang Augustin Ferdinand passa os dias na biblioteca. Sozinho, ao fundo da sala dos computadores, lê as notícias que chegam de casa. No dia em que fala à Lusa, traz vestida uma camisola de futebol dos Camarões, verde, um leão dourado ao peito. “Já nem isso anda bem no país”, diz sobre a prestação da seleção, que ainda na semana passada empatou com Angola.

O envolvimento, a partir dos anos 1990, no movimento estudantil Parlamento na Universidade Yaoundé, ligado à oposição camaronesa, levou este ativista dos direitos humanos, hoje na casa dos 50, a fugir para Macau, cidade da qual nunca tinha ouvido falar, conta agora à Lusa.

Chegou em 2011 pelas mãos de um amigo bispo, que conhecia o padre jesuíta Luis Ruiz Suárez, fundador da Cáritas Macau. A organização humanitária ligada à Igreja Católica contactou então o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em Hong Kong, que, por sua vez, apresentou o caso à Comissão para os Refugiados de Macau.

A este comité cabe “a instrução dos processos de reconhecimento ou de perda do estatuto de refugiados” e a elaboração de uma proposta de decisão. A última palavra é do chefe do Executivo, líder máximo do governo local.

Mas foram necessários 12 anos até Kennang ser recebido pela comissão. Aconteceu em 2023: “Perguntaram-me a razão de não poder voltar para os Camarões, e eu expliquei que posso ser morto por razões políticas, que fui acusado, entre outros crimes, de rebelião e insurreição”.

Da reunião, diz, nasceu esperança. “Sinto que depois de [quase] 14 anos, eles começaram a processar o pedido”, continua. E refere que lhe foi perguntado se teria interesse em ir para outro país.

Mas foram necessários 12 anos até Kennang ser recebido pela comissão. Aconteceu em 2023: “Perguntaram-me a razão de não poder voltar para os Camarões, e eu expliquei que posso ser morto por razões políticas, que fui acusado, entre outros crimes, de rebelião e insurreição”.

Kennang falou na Alemanha, onde se encontram os irmãos, embora tenha manifestado vontade de permanecer no território e “oferecer o que sabe à comunidade”: “Já estou aqui há tanto tempo, conheço as tradições, hábitos, estudei português”, diz o camaronês, que fala também um pouco de cantonês.

A Lusa fez vários pedidos de entrevista à presidente da Comissão para os Refugiados, delegada do procurador do Ministério Público Leong Weng Si, mas sem sucesso. Uma solicitação semelhante à ACNUR, em Hong Kong, ficou sem resposta.

O advogado José Abecasis acompanhou, em 2010, um caso com contornos semelhantes. Tratava-se de um cidadão indiano que pediu proteção a Macau, mas que acabou “derrotado pelo cansaço” e optou por abandonar o território.

A Lusa fez vários pedidos de entrevista à presidente da Comissão para os Refugiados, delegada do procurador do Ministério Público Leong Weng Si, mas sem sucesso. Uma solicitação semelhante à ACNUR, em Hong Kong, ficou sem resposta

“Esteve preso num limbo, por não lhe ser concedido nem negado o estatuto de refugiado. Este hiato precário, que por natureza e por lei deveria ser temporário, acabou por transformar-se num modo de vida, dependendo de um apoio de subsistência do Governo para suprir as necessidades mais elementares”, diz o advogado português.

Enquanto esperam por uma resposta, os requerentes de asilo em Macau estão impedidos de trabalhar ou de sair do território, sendo obrigados a visitas mensais aos serviços de Migração.

O Instituto de Ação Social disse à Lusa que, neste momento, dois candidatos ao estatuto de refugiado em Macau – um deles é Kennang – recebem um subsídio mensal do Governo de 4.350 patacas (503 euros). A estes são garantidos ainda alojamento e cuidados de saúde.

A apoiar Kennang Augustin Ferdinand desde que aterrou na região, o secretário-geral da Cáritas Macau, Paul Pun Chi Meng, espera “que a avaliação do caso seja feita em breve”.

Questionado sobre se a espera de 13 anos para o reconhecimento do estatuto de refugiado é legal, Abecasis responde que “no sentido procedimental não deverá ser”.

Explica que o prazo máximo de instrução previsto por lei “é de um ano”, a contar da primeira entrevista ao requerente, que deve ocorrer “no espaço de cinco dias depois da apresentação do pedido”. Após o período de instrução, “deve ser apresentada, no espaço de 10 dias, uma proposta de decisão ao chefe do Executivo”.

Neste sentido, considera o advogado, “a espera de mais de uma década por uma decisão consubstanciaria uma manifesta desconsideração pelos prazos estabelecidos pela lei local da Assembleia Legislativa que tem por finalidade assegurar o cumprimento” em Macau “das normas da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 1951, e do protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, adotado em 31 de Janeiro de 1967”.

A apoiar Kennang Augustin Ferdinand desde que aterrou na região, o secretário-geral da Cáritas Macau, Paul Pun Chi Meng, espera “que a avaliação do caso seja feita em breve”. A reunião com a comissão, em 2023, afirma Pun, “é um sinal positivo”. “Isto comparado com o passado é uma melhoria”, sublinha.

“Há mais de 100 milhões de refugiados [no mundo] à procura de ajuda. Se apoiarmos apenas um por cada milhão, são 100 refugiados. Macau pode partilhar essa tarefa e mostrar que também somos cidadãos globais”, conclui Pun

Por ocasião do Dia Mundial do Refugiado, que se assinala na quinta-feira, e lembrando que Macau foi em tempos amparo de “muitos refugiados” chegados do interior da China, Vietname ou Timor-Leste, Paul Pun deixa um apelo “à sociedade de Macau para prestar mais atenção a estas pessoas”.

“Há mais de 100 milhões de refugiados [no mundo] à procura de ajuda. Se apoiarmos apenas um por cada milhão, são 100 refugiados. Macau pode partilhar essa tarefa e mostrar que também somos cidadãos globais”, conclui.

Desde que foi aprovada a lei de reconhecimento e perda do estatuto de refugiado, em 2004, nunca foi concedido o estatuto em Macau, de acordo com a ACNUR. Uma informação confirmada à Lusa pelos Serviços de Identificação do território, ao assegurarem nunca ter emitido um título de identidade de refugiado.

Plataforma com Lusa

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