Casa de Camões habita imaginário popular na Ilha de Moçambique

O edifício que a tradição oral da Ilha de Moçambique identifica há séculos como a casa onde viveu Camões necessita de obras, embora a porta com motivos orientais esteja recuperada, quando localmente se assinalam os 500 anos do nascimento.

por Nelson Moura

Com portões de madeira trabalhada em Goa, que foram reabilitados há vários anos, a Casa de Camões, está atualmente com uma parte do interior em ruínas. Esta antiga feitoria de escravos terá sido habitada por Luís Vaz de Camões (1524-1580) numa das suas passagens pelas terras onde os descobridores portugueses combatiam e faziam comércio, entre a costa oriental de África e a Índia.

Nascido há 500 anos, em 10 de junho de 1524, em Lisboa, o poeta-soldado viveu e escreveu cerca de dois anos na Ilha de Moçambique, na antiga rua do Fogo, onde também terá sentido que o amor “é fogo que arde sem se ver”.

Talvez a amada Bárbara não fosse um nome próprio, mas a alusão a “uma escrava que residia fora da Cidade de Pedra e Cal e que, portanto, era considerada bárbara, não era cidadã”, disse à agência Lusa o investigador Maurício Pedro Régulo.

No século XVI, Camões “trouxe uma revolução à literatura” de expressão portuguesa, acrescentou o historiador e académico moçambicano.

Reconhecendo que a tradição popular tem contribuído para “imortalizar a figura de Camões”, tanto na Ilha de Moçambique, como no país, que em 1975 se tornou independente de Portugal, ressalvou que, em Moçambique, a valor universal da obra do poeta português “é mais conhecido pelas pessoas letradas”.

“A outra parte da população pode não perceber essa outra dimensão”, admitiu. Nas ruas da ilha, onde nativos da maioria muçulmana convivem pacificamente com cristãos, Abdul Bachir, de 14 anos, quis mostrar à Lusa onde fica a Casa de Camões.

Com portões de madeira trabalhada em Goa, que foram reabilitados há vários anos, a Casa de Camões, está atualmente com uma parte do interior em ruínas

Sabe perfeitamente quem foi o português que enfrentou “perigos e guerras esforçados”, entre a “ocidental praia lusitana” e Macau, na China, passando pelo Norte de África, Moçambique e Índia. O jovem seguidor dos preceitos de Maomé insistiu na importância de os visitantes conhecerem a estátua de Camões, a escassos 100 metros da habitação lendária da rua do Fogo.

Mais tarde, na praia junto à estátua de Vasco da Gama, o talentoso Abdul, que na ilha – Património Mundial da Humanidade desde 1991 – tem fama de poeta, começou a declamar versos da sua autoria sobre as artes de marear e a audácia dos navegadores.

As estátuas de bronze de Camões e Gama, tal como a Casa de Camões e diversos edifícios da época colonial, integram o roteiro turístico da ilha, delineado pelo Município em colaboração com o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

O município local apresenta Camões como “marco da multifacetada história da Ilha de Moçambique”, a qual cantou como “pequena ilha” do Índico em “Os Lusíadas”, tendo influenciado “de forma positiva e motivadora as gentes” locais.

A estátua do poeta foi inaugurada, em 1970, pelo governador-geral da então colónia de Moçambique, Baltazar Rebelo de Souza, pai do atual Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.

“O Presidente Samora Machel, por ocasião da sua visita a Portugal, em outubro de 1983, afirmou que Camões não era património exclusivo dos portugueses”, mas também dos moçambicanos “por via da língua portuguesa”, que agora é “símbolo da liberdade, da independência e da partilha”, salienta o município num roteiro virtual da ilha Património da Humanidade.

Maurício Régulo, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lúrio, guiou uma visita aos monumentos e património arquitetónico da ilha, que até segunda-feira acolhe um programa luso-moçambicano comemorativo dos 500 anos do nascimento de Camões.

Subordinada ao tema “Camões, Palavras de Fogo”, trata-se de uma parceria entre a Universidade Lúrio, de Nampula, e a Cooperativa Arte-Via, com sede na Lousã, distrito de Coimbra, tendo sido concebida como extensão do Festival Literário Internacional do Interior (FLII).

“Camões continua nas escolas, é uma referência no ensino”, confirmou Maurício Régulo, que considera “muito importante preservar o seu legado”, mas sublinhando a necessidade de realizar eventos luso-moçambicanos, já que “nem toda a gente pode conhecer” a herança do poeta.

Plataforma com Lusa

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