“Conseguimos equilibrar as duas velocidades”

O curso de Comunicação e Média da Universidade de São José (USJ) foi recentemente considerado como um curso de excelência pela ‘Asia Education Review’. Ao PLATAFORMA, o coordenador do departamento, José Manuel Simões, explica que a abrangência dos módulos permite aos alunos “um perfil global”, que vai muito além do jornalismo. Diz que a adoção de um ensino mais prático garantiu que não houvesse “duas velocidades” na aprendizagem, num curso que recebe alunos com diferentes níveis de inglês

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego

– É a primeira vez que a ‘Asia Education Review’ premeia a USJ?

José Manuel Simões – É a primeira vez em Macau; que eu saiba, nunca outra instituição foi premiada. Em comunicação, pelo menos, tenho a certeza.

– Essa avaliação em Macau é recente?

J.M.S. – Sim. Foi a primeira vez que me entrevistaram, já depois de selecionado o curso. Mas acredito que venha no seguimento da agência portuguesa de creditação internacional – A3ES – avaliar todos os cursos da São José, e de outras instituições em Macau, tendo considerado Comunicação e Média o curso “estrela”. Talvez haja uma ligação – informal – entre os dois prémios. Para nós, é importante o reconhecimento da A3ES que, de facto, muito nos honrou. Destacaram uma série de aspetos, nomeadamente os parceiros onde os alunos fazem estágio, o nosso posicionamento, e a opinião dos ex-alunos, que sublinharam a qualidade dos professores visitantes e do corpo docente, bem como do programa. Talvez a ‘Asia Education Review’ tenha esses dados; entrevistaram-me já afirmando que o nosso curso era de topo na Ásia.

– Nesta altura, quantos parceiros de estágio têm?

J.M.S. – Temos vindo a crescer e contamos com cerca de 20 parceiros. Ultimamente consolidámos a colaboração com as concessionárias e, este ano, trabalhámos pela primeira vez com a Galaxy nas áreas de eventos, relações públicas e programação multimédia. Nos últimos anos estabelecemos uma parceria com o MGM na programação 3D; e há alunos que ficaram lá a trabalhar, o que é motivo de grande satisfação. Na TDM há uma série de alunos e ex-alunos nas secções portuguesa, inglesa e chinesa; o que demonstra que o curso é interessante. Quando escolhemos os estágios, procuramos o perfil adequado à empresa; conciliamos o ‘know-how’ do aluno, o seu interesse, e o da companhia. Daí o sucesso desse relacionamento.

“Quando escolhemos os estágios, procuramos o perfil adequado à empresa; conciliamos o ‘know
how’ do aluno, o seu interesse, e o da companhia”

– O que destaca neste curso?

J.M.S. – Temos professores convidados que são especializados em cada área e que dão, no máximo, dois módulos. É uma das razões do prémio. Por outro lado, a abrangência do curso… Quando o desenhei, em 2008, tive a preocupação de criar um espectro de módulos que responda ao interesse dos alunos com perfil global. Quis algo que não tive na minha experiência académica em Portugal. Frequentei bons cursos, mas eram limitados às áreas do jornalismo. Portanto, enveredámos por áreas tão distintas como multimédia, 3D, infografia, vídeo, som, programação, relações públicas, marketing e promoção. Também temos ‘design’, ‘design thinking’, e cadeiras que criaram surpresa como o ‘drama and action’, extremamente importantes para os alunos comunicarem noutras linguagens. Essas cadeiras começaram logo em 2009 e, a partir daí, temos vindo a atualizar o curso, acompanhando as tendências do mercado e aumentando a abrangência.

– Nesse contexto, como lidam com a Inteligência Artificial?

J.M.S. – Escrevo bastante sobre essa área; efetivamente, é uma preocupação. Tentamos guiar os alunos no seu uso, exploração, e identificação das vantagens. Há mais-valias na IA, mas tem de haver respeito e um caminho alicerçado nas questões éticas fundamentais da comunicação, do jornalismo… mesmo da moral e da filosofia. Pode ser extremamente útil, desde que bem utilizada, com pressupostos éticos e perguntas inteligentes – não letárgicas. Trouxemos o diretor do departamento da Faculdade de Artes e Humanidades da famosa universidade germânica, Macromedia University, onde incentivam os alunos a usarem essas ferramentas. Nós não incentivamos, mas guiamos. É importante também perceber que há aspetos que a IA não dá resposta; por exemplo, nos sentimentos ou no humor.

– O facto de contarem com professores e alunos de várias nacionalidades é uma vantagem, ou um problema?

J.M.S. – Em 2009, quando me deparei com uma turma a duas velocidades, foi precisamente essa a questão que me coloquei. Tínhamos muitos alunos macaenses que dominavam a língua chinesa, a inglesa, e a portuguesa; e metade da turma de alunos chineses com inglês insípido e frágil. Como equilibrar os métodos de ensino, sem descurar uns, nem outros? Aí surgiu-me uma frase do Confúcio extremamente relevante neste contexto: “Ouvimos e esquecemos; vemos e lembramos; fazemos e aprendemos. E isso despertou em mim um clique: a solução é fazer, praticar, aprender pela ação. E conseguimos equilibrar as duas velocidades da turma; os naturais da China e os internacionais, juntamente com os macaenses, criaram equilíbrios no fazer. Além disso, criámos uma nova forma de ensinar, pedindo aos professores para evitarem exames – o método de memorização que vem da escola secundária. Temos um professor de programação, por exemplo, que começa sempre com um questionário sobre a sessão anterior. Isso obriga os alunos a irem a todas as sessões e a acompanharem as matérias. Os exames, na minha ótica, não trazem mais-valias. Os alunos estão cansados de memorizar, e mal seria na universidade continuarem a memorizar e fazer exames. Não! Vamos fazer, aplicar a teoria à prática, com casos de estudo, apresentações, projetos criativos e originais que podem ser mostrados em público.

Daí as nossas exposições serem acima da média; para o padrão de Macau, mas também internacional. Eles são bons a fazer e nós cultivamos isso. Corre-se talvez o risco de os cursos serem mais politécnicos que universitários; por isso tenho a preocupação com esse equilíbrio. Dou um exemplo: na cadeira de ética dos média, dou a componente média; e o padre austríaco Franz Gassner, de Viena, dá a ética filosófica. Nas minhas sessões, de debate puro, escrevo textos sobre ética e debatemos esses valores. Depois peço-lhes um vídeo: “valor ético em um minuto”. Pegam num valor ético como o respeito, responsabilidade, integridade, verticalidade, honestidade… que são da informação, e da vida de todos nós, e explicam o que representa para eles.

“Há muito debate, para ensiná-los a pensar, criticar, analisar… [Os alunos] não trazem esse hábito das escolas secundárias de Macau”

– Como equilibra as componentes teórica e prática nos critérios de avaliação?

J.M.S. – Na avaliação temos três áreas fundamentais. Uma é a participação nas aulas, onde há muito debate, para ensiná-los a pensar, criticar, analisar… Não trazem esse hábito das escolas secundárias de Macau; sobretudo nas escolas de língua chinesa, de onde chegam com poucas possibilidades de criticar, analisar em profundidade; até, de se revelarem. Através de uma série de cadeiras são estimulados a isso; e começam a dizer: de facto, nunca tinha pensado nisto. Depois chega a conclusão: Uau! Era mesmo isso que pensava, e não sabia. O aluno tem também de ter 70% de presença nas aulas, e entregar os projetos. Normalmente dois; um em grupo, outro individual, que são apresentados e explicados à turma. Assim ensinamos também a comunicar, a passar a mensagem e a promover o que criaram.

– Num curso que não se limita ao jornalismo, onde existe um caldo multicultural, abordam a diferença entre os média locais, de Portugal, e da China?

J.M.S. – Pese embora esse espectro abrangente, os alunos acabam por perceber as suas preferências, de acordo com o seu perfil e interesses. Mas há essa pequena lacuna da falta de especialização. Temos uma cadeira de jornalismo e fotografia; e só no quarto ano jornalismo prático, com rádio, imprensa e televisão. Temos estúdios vanguardistas, do melhor que há no mundo, quer de som, quer de imagem. Eles fazem os trabalhos práticos e, no quarto ano, na componente de projeto, aplicam duas áreas fundamentais: vídeo e fotografia. Acabam por não ser totalmente especializados, porque o tempo dos módulos é curto. Tenho vindo a estudar os média em Macau; e escrevi um livro sobre os média de língua portuguesa. Tenho uma aluna de mestrado que estudou os de língua inglesa; e outra os de língua chinesa. Na investigação, temos áreas que interessam aos alunos a Macau desenvolver.

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