Implosão protecionista

por Gonçalo Lopes
Paulo Rego*

O fim dos advogados portugueses em Macau é digno de alarme social, porque anuncia o fim de uma era; de uma ideia de cidade aberta e internacional; de um regime legal de origem portuguesa… instrumentos essenciais da autonomia, da diferença, e de ponte para o ocidente. O problema não é, de todo, a proliferação de advogados chineses, muitos deles bilingues, vários deles até com curso tirado em Portugal. Mas há claramente um problema com a extinção dos advogados portugueses; que toda a gente sabe que está em curso; mas Governo e Associação de Advogados fizeram até agora de conta que não estava a acontecer.

A suspensão do protocolo entre a Ordem dos Advogados em Portugal e a Associação dos Advogados em Macau vem de longe. Não foi no mandato de Ho Iat Seng, nem com Vong Hin Fai na presidência da classe em Macau. Muito antes disso, estava Chui Sai On no poder, e Jorge Neto Valente na Associação, quando esse corte foi consumado. Até aí, qualquer advogado com cédula profissional reconhecida em Portugal chegava a Macau, tirava um curso de adaptação ao Direito local, e três meses depois estava habilitado a advogar.

Duas ordens de razão conjugaram-se para fazer implodir essa facilidade: o interesse corporativo, que protege os advogados instalados da concorrência que vinha de fora; e o nacionalismo político, que vê nos advogados portugueses uma classe chata, que reclama e levanta barreiras a uma certa escola legislativa e política – ao contrário dos seus colegas chineses.

Na fase seguinte, quem cá estava e tinha BIR, fazia exames na Associação de Advogados. Nomeadamente novas gerações, cada vez mais de origem chinesa, como é normal e as circunstâncias do mercado aconselham. Mas começou também a ser óbvio que a Associação arrasta as datas dos exames de acesso, complica a vida dos candidatos, e cada vez mais afunila o acesso à profissão, nomeadamente para os advogados que chegam de Portugal. E ninguém ligou muito a isso. Em rigor, a população não tem a consciência de como a compressão do espectro de ação dos advogados é um risco para a defesa dos direitos, liberdades e garantias… e a coisa foi passando.

Entretanto, a “birofobia” entrou também neste enredo, dando-lhe o golpe fatal. Como deixou de ser possível pedir BIR para contratados em Portugal; e só são admitidos a exame na Associação dos Advogados portadores de BIR… pura e simplesmente extingue-se o acesso a Macau de advogados portugueses.

Acontece tudo isto por acaso, por entre os pingos da chuva? O Governo não percebeu? Os seus consultores do Continente também não? A Associação de Advogados não viu o que estava a acontecer? Não é possível! Agora estão todos neste beco sem saída: ou era isto que queriam, mas não podem dizer, porque não faz qualquer sentido nem defende aquilo que Macau continua a dizer que quer ser; ou não perceberam o que estavam a fazer – nem as suas consequências – o que diz ainda pior de todos os agentes que alegremente caminharam para este abismo.
Vong Hin Fai, longe de ser um crítico do regime, vem agora assumir o óbvio: faltam advogados de qualidade em Macau. Antes tarde do que nunca! Mas ele sabe muito bem o porquê – e como isso se resolve. E nós, todos, percebemos como se vende uma ideia de Macau; fazendo-a na prática ruir – e fazendo de conta que nem sequer percebem.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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