Parceria entre rivais

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego*

“As relações EUA-China começaram a estabilizar”, disse Wang Yi, ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, a Anthony Blinken, secretário de Estado norte-americano, na sua segunda visita à China. Logo a seguir, acrescentou: “Os fatores negativos nas relações continuam a aumentar”. Estas declarações, paradoxais em qualquer outro contexto, assentam como uma luva naquilo que são as relações entre as duas potências. Há dez meses atrás, Blinken tornou-se o primeiro secretário de Estado norte-americano a ir a Pequim nos últimos cinco anos. Depois dessa viagem, várias outras foram feitas por representantes dos dois governos; e houve, inclusive, um encontro entre Biden e Xi, em São Francisco. Apesar de terem retomado a comunicação ao mais alto nível, até militar, as questões que separam as duas potências continuam a ser fraturantes. Para ambos, há “linhas vermelhas” que estão constantemente a ser ultrapassadas.

A China é a maior ameaça à hegemonia norte-americana, e desse facto nasce um consenso bipartidário raro no Congresso dos EUA. De salientar que nem o conflito na Ucrânia goza desse mesmo estatuto entre democratas e republicanos. A última vítima foi o TikTok – detida pela empresa chinesa ByteDance -, que tem um ano para vender a aplicação, ou fechar atividade em solo americano. Isto porque, aos olhos do corpo legislativo, o TikTok é uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Sendo assim, um universo de 170 milhões de utilizadores vai ser forçado a “migrar”, muito provavelmente para as plataformas detidas pela Meta (Facebook) – empresa norte-americana de Mark Zuckerberg -, o que é, obviamente, uma situação win-win para os EUA. Curiosamente, a aplicação que é uma ameaça à segurança nacional continua a ser utilizada pelo atual Presidente dos EUA para efeitos de campanha eleitoral. Do outro lado, e depois da decisão de banir o TikTok, Elon Musk foi à China, reuniu-se com oficiais chineses, e saiu de lá com um acordo com a Baidu, permitindo que a Tesla aumente a sua influência no mercado chinês.

Blinken foi à China a convite das autoridades chinesas, mas segundo a imprensa ocidental, foi a Pequim fazer ultimatos: não interfiram nas eleições presidenciais e parem de apoiar a Rússia na guerra com a Ucrânia. E fê-los. Em ambas as questões, a China refuta as acusações. Também na mesma altura a secretária do Tesouro, Janet Yellen, viajou a Pequim para condenar o excesso de capacidade produtiva da China, alegando competição desleal alimentada por subsídios governamentais. Aproveitou também para reunir com executivos norte-americanos, e não só, para transmitir a Pequim que essa preocupação não é apenas dos EUA.

Aquilo que no início parecia um discurso coerente dos dois lados, de reconhecimento das diferenças, começa a revelar as suas fissuras. Não me convence um mundo onde os dois não se entendem, estão sempre do lado oposto da barricada, mas respeitam essa diferença. Em algumas questões, esta narrativa está até a ser contraprodutiva, porque desde que não escale para um conflito armado, então tudo se torna aceitável. A cegueira da rivalidade económica e comercial ainda não permite ver os benefícios de uma parceria win-win. Vai sempre haver competição, cada um dará sempre prioridade às suas populações – não é realista pedir o contrário. Nas reuniões durante a segunda visita de Blinken, foi acordado um reforço do intercâmbio cultural e de pessoas. Talvez só assim se possa ver novos horizontes nas relações – deixar que o tempo traga uma nova geração, mais próxima e compreensiva.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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