China e Índia já venceram na Ucrânia

por Gonçalo Lopes
Paulo Rego*

Vaclav Bartuška é uma daquelas vozes da consciência que nos explica, de forma simples e cândida, que mais facilmente matamos o Planeta do que prescindimos do carro ou do telemóvel. Nesse contexto, confronta-nos com outra evidência: a China não é o demónio que venera Putin; é antesuma nação inteligente, focada na sua segurança energética, que garantiu gás e petróleo russos, a baixo custo, e por muito tempo. Aliás, como fez a Índia; e como tantos outros fizeram, noutras circunstâncias, noutras guerras, com outras narrativas. Se o óbvio matasse, escusávamos de matar o Planeta para tomar chá de sumiço.

Nas páginas 14-15 desta edição explicamos a luz do ouro negro, acesa por Bartuška; esta semana convidado pela Fundação Rui Cunha, com apoio da Câmara do Comércio da União Europeia em Macau, e do Consulado-Geral da República Checa em Hong Kong. Embaixador checo para a segurança energética – e consultor da União Europeia – não ganha a vida a iluminar consciências para os níveis dementes de consumo, ou a urgência da sustentabilidade. O seu trabalho é antes o de garantir que o seu país, e a UE, tenham acesso às energias fósseis – venham elas de onde vierem. Aliás, como todos fazem, por muito que o neguem.

Mensagem, clara e honesta, partilhada por um funcionário de elite do pragmatismo europeu, que não veio discutir moral, regimes políticos, ou ideologias. Veio negociar, nos bastidores de Hong Kong e de Singapura, onde se fazem os negócios que verdadeiramente comandam aquilo a que chamamos nível de vida. Como vai onde for preciso, falar seja com quem for, nessa luta por fontes de energia. Compre onde comprar, nas condições que houver, e os métodos que tiver à mão. Há guerras por causa disso? Há. Mas também há mais conversa e cooperação do que se imagina. Falam todos uns com os outros; todos sabem como se faz; e todos sabem que todos farão tudo o que for preciso.

Neste contexto, diz Bartuska, a Rússia é quem está a perder a guerra na Ucrânia. Porque está dependente apenas de dois compradores, para os quais exporta 80 por cento da sua produção energética; porque baixou drasticamente o preço de venda; porque a Europa e os Estados Unidos investem tudo na relação com outros fornecedores, alguns deles com quem nem sequer antes falavam. Ou seja; países como a Líbia ou a Somália são agora amigos do peito, contra os quais não há crítica moral nem debate ideológico. E toda e qualquer ilusão de energia alternativa – nas quais ninguém acredita – recebe milhões e milhões para aliviar consciências e fazermos de conta que não se investe, como nunca, no petróleo, no gás, e no carvão.
As energias alternativas fazem todas sentido; mas nada resolvem amanhã, nem depois… certamente não na próxima década. Porque todas elas, juntas, resolvem uma ínfima parte do problema. E ainda ninguém sabe como sair disto. O que todos sabemos é que todos estarão dispostos a ir para a guerra se estiver em causa o risco de se apagar a luz.

Olhando sob este prisma para a guerra na Ucrânia, a Índia ganha ainda mais do que a China. Porque garante os mesmos ganhos em termos de segurança energética; contudo escapando à demonização política e aos bloqueios económicos com que o ocidente confronta a China. Como se Nova Deli tivesse uma aura diferente ou uma moral energética cor-de-rosa. Mas é apenas mais uma evidência de que a energia do pensamento contemporâneo está viciada na negação da evidência.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!