Ampliar a Escola guardando a alma de Chorão

O Governo já fez consultas, e o PLATAFORMA sabe que se iniciam negociações para a ampliação da Escola Portuguesa, cuja capacidade está esgotada. Mas mudar tudo, deixando tudo na mesma, é o exercício da impossibilidade. Victor Mestre, que trabalhou com Chorão Ramalho, mas também em organizações como a Docomomo Macau, focada na preservação de edifícios com História, assumem abertamente a necessidade de ampliação. Só uma estrutura nova, complementar, ambiciosa e “atrevida”, parece capaz de fazer a Pedro Nolasco crescer, preservando a “alma” de tudo o que lá hoje habita

por Gonçalo Lopes
Paulo Rego

Victor Mestre, arquiteto de renome na renovação de edifícios históricos, apaixonou-se pela obra e – pelo homem – quando trabalhou com Chorão Ramalho. Veio a Macau a 8 de novembro, convidado pela Docomomo Macau, numa exposição emotiva sobre a necessidade de preservar a Pedro Nolasco, “jóia da arquitetura colonial” e um “ícone de Macau”. A partir de Lisboa, em conversa telefónica com o PLATAFORMA, projeta agora o compromisso com o futuro e sugere a construção de um edifício novo, na zona do pátio de jogos, numa intervenção que compara com a que se fez no Guggenheim, em Nova Iorque, à obra de Frank Lloyd Wright. A “emoção tem de ser trabalhada com inteligência”, porque a melhor forma de preservar a Escola Portuguesa é ter o “atrevimento de a ampliar”, evitando que a pressão da realidade parta a espinha à “alma” que Chorão Ramalho lá plantou.

Chorão Ramalho era um “humanista”, percebia de obra e de materiais, mas “a sua obra não é tectónica”, explica Victor Mestre; antes se afirma pela “essência do espaço”, que “não se restringe à sua funcionalidade estrita”; e pela sensibilidade que tinha ao pensar nos seus destinatários. A Pedro Nolasco é pensada à escala das pessoas que serve, os alunos, neste caso adolescentes, e isso “faz toda a diferença”. E é também por isso é que a obra resiste “muito para além do tempo” em que foi construída. “A prova mais evidente do seu êxito é que continua a ser necessária e querida; é por isso que é preciso pensar na sua ampliação. O que é evidente é que ela não se esgotou; tem é de se resolver o problema” que se coloca ao seu crescimento.

Memória e vida

Para além da genialidade do desenho, daquele átrio “que pode ser tudo”, que “não está fechado em janelinhas, com visibilidade total para o jardim exterior”, para além das varandas abertas nas salas de aulas, “que são também uma genialidade da arquitetura colonial”, no sentido em que “têm uma função de climatização natural”, a relação entre os espaços e os seus utilizadores criou “em várias gerações de Macau os seus maiores defensores”. Aquele “ambiente sereno, pensado para a vida dos alunos”, e a relação entre os espaços interiores e o exterior, foram “pensadas para a vida na escola”. E essa História, feita de pessoas, “fica na memória dos alunos, faz parte da sua vida, feita em liberdade, sem nunca estarem presos a este ou àquele espaço compartimentado”, remata Victor Mestre.

Tanta emoção, tanta emoção… por vezes acaba mal. Por isso é preciso abordar a intervenção com inteligência e, quem o fizer, tem de ter o atrevimento de resolver o problema
Victor Mestre, arquiteto

Mas também é verdade, reconhece o arquiteto, que “tanta emoção, tanta emoção… por vezes acaba mal.” Por isso é preciso abordar a intervenção com “inteligência” e, quem o fizer, tem de ter o “atrevimento” de resolver o problema. “Quando me pergunta como, aí já me atira para o alçapão, mas está bem, atrevo-me a dizer algumas coisas sobre isso”.

Victor Mestre conta então que, para além do conhecimento em detalhe de todo o desenho, aproveitou a sua última visita a Macau para lá ir na companhia de José Maneiras, por muitos dos seus pares considerado o grande arquiteto modernista de Macau. “Percorri o espaço por dentro e por fora, senti aquilo tudo com o José Maneiras, com quem adorei falar e foi um enorme prazer conhecer”. Disse-lhe, no local, que a “única forma que vejo de resolver isto é construir um edifício alto na área onde hoje está o campo de jogos. Uma segunda opção, mas só no caso de essa não ser possível, poderia ser a de construir um edifício alto na zona onde hoje está o pavilhão desportivo, que não faz parte do desenho inicial de Chorão Ramalho. Mas essa hipótese, repito, não é a melhor, só a menciono numa segunda análise”.

Pátio polémico

A maior polémica em relação a esta abordagem prende-se com o campo de jogos ao ar livre, considerado por pais e alunos como um espaço essencial. Victor Mestre percebe a necessidade de se manter um espaço exterior, razão pela qual sugere que ele seja coberto apenas em parte, pela base do edifício. “Pode construir-se o novo edifício com uma pilotes, que o elevem e preservem o campo de jogos”. O PLATAFORMA ouviu a propósito um ex-aluno, apaixonado por desporto: “Se calhar podia ser uma solução, até porque isso resolvia outro problema. Na verdade, há muitos dias do ano em que não se consegue praticar ali desporto. Porque chove, ou está muito frio, ou porque está um calor insuportável”. Já para uma outra aluna, que hoje ainda frequenta a escola, e lá pratica desporto, parece “muito complicada” uma solução desse género. “É verdade que hoje, muitas vezes, não podemos usar o campo exterior. Ou porque está muito mau tempo, ou porque está um calor insuportável. Mas penso que para as crianças a luz é muito importante; por isso, acho que é sempre preciso ter um espaço interior, como temos no pavilhão, e um pátio exterior, como temos hoje”.

A única forma que vejo de resolver isto é construir um edifício alto na área onde hoje está o campo de jogos
Victor Mestre, arquiteto

O novo edifício da Docomomo

No relatório que a Docomomo enviou ao Governo, confrontada com a tese de ampliação, é também sugerido um edifício novo, e alto, mas que preserva o campo de jogos, embora ocupe uma parte menor do pátio exterior, que depois espelha em forma de terraço envidraçado. Esse edifício estendendo-se depois por toda a linha que faz face com o Hotel Lisboa. No fundo é uma abordagem conceptual não muito distante da proposta de Victor Mestre, embora com um desenho diferente; já tendo em conta as volumetrias legalmente permitidas; e um especial cuidado em evitar sombras na face virada para as traseiras da escola, de frente para o conjunto de edifícios ali desenhados precisamente por José Maneiras. Nesse contexto, Victor Mestre ressalva que não conhece as restrições legais nem fez nenhum estudo pormenorizado sobre a sugestão que deixa para debate. “É preciso um estudo volumétrico, mas penso que o edifício de que falo podia ser construído com uma base mais larga e depois ir afunilando”, de forma a resolver a questão das sombras que projetaria para as traseiras da escola.

Naquilo que ambas as abordagens concordam é que salvar a obra de Chorão Ramalho passa por construir outro edifício, sem tocar na estrutura existente. Até porque a construção do Novo Lisboa retirou dali qualquer problema de escala. “O que há ali é escala a mais”, comenta Victor Mestre. Logo, “desde que seja menor que o Hotel Lisboa, um edifício alto ali já não coloca esse problema”. E recorda, a propósito, o extenso debate em volta da ampliação do Guggenheim. “A obra de Lloyd Wright é tão icónica que era considerada intocável. Mas quem foi confrontado com a solução daquele problema teve de ter o atrevimento de um gesto diferente. Construiu-se um edifício que parecia não ter nada a ver com o que lá estava, mas foi precisamente isso que permitiu preservar o que tinha de ser preservado.”

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