Reforma de Santa Engrácia

por Gonçalo Lopes
Paulo Rego*

Lembro-me bem da primeira vez que ouvi falar da reforma administrativa. Edmund Ho estava no seu primeiro mandato como Chefe do Executivo e falava dos funcionários públicos como se não tivesse nada a ver com eles, como se fossem um corpo estranho que não era da sua responsabilidade. Que reforma é que fez? Nenhuma. Criou uma série de grupos de trabalho, ad hoc, sobretudo nas áreas do jogo e das obras públicas e geriu a liberalização do jogo passando ao lado das estruturas tradicionais do Estado. Passou o segundo mandato, depois passaram dois de Chui Sai On… e Ho Iat Seng vai a caminho do final do seu primeiro mandato, quando se volta a falar dessa eterna prioridade.

Os governantes, seja qual for o regime, parecem sempre ter pânico da reforma da Administração Pública. No fundo, porque isso levanta poeira no seu próprio quintal, causa uma série de conflitos e faz balançar as bases do exercício do seu próprio poder. Depois, porque é preciso ter mesmo um enorme sentido de Estado para fazê-la em nome da eficiência e do progresso, e não apenas para garantir arranjos nos bastidores do Palácio e benesses para os seus círculos mais próximos de poder. Mas ela é mesmo necessária e, em Macau, passou a ter a força de uma exigência do Poder Central. Estava na lista de prioridades quando Ho Iat Seng assumiu o cargo, tendo caído por terra, como tudo aliás caiu durante a paralisia do Covid zero.

O problema que se põe agora é outro. De que reforma estamos a falar? Meros arranjos de organograma? Melhoria dos serviços de atendimento ao público? Mudanças estruturais na função do Estado? Ambição na autonomia – ou menus da Mãe Pátria? Promoção do bilinguismo – ou sua extinção? Internacionalização da economia – ou reforço do nacionalismo? Não se sabe. Aliás, nada se discute verdadeiramente sobre isso. Nunca, até hoje, foi uma prioridade da reflexão governamental; não há debate interno entre funcionários, sejam eles de elite, ou intermédios, não é, definitivamente um tema do debate público. E essa não é a forma de se fazer uma reforma. É preciso, antes de a fazer, reformar a forma de pensar nela.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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