Como criar uma “cidade do espetáculo” que se destaque

O Governo está empenhado em tornar Macau numa “cidade de espetáculo”. Há mais cidades na China, inclusive na Grande Baía, que seguem o mesmo caminho, pelo que a criação de marcas únicas se torna crucial. Membros de conselhos cultivos da cultura e economia acreditam que é preciso capitalizar da identidade sino-lusófona e integrar os artistas locais nos espetáculos mais comerciais e populares para catapultar os talentos de Macau

por Gonçalo Lopes
Carol Law

O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, anunciou que o Governo iria promover o desenvolvimento conjunto das indústrias culturais e turísticas locais para construir uma “cidade de espetáculo”, e que está agora a procurar o apoio das autoridades centrais para o desenvolvimento das artes performativas em Macau.

Afirmou ainda que as infraestruturas da cidade “estão ao nível dos padrões internacionais e o público que se deslocou a Macau para assistir a espetáculos teve comentários muito positivos. A ‘cidade de espetáculo’ está a ser avaliada pelos serviços estatais competentes e estamos confiantes de que será aprovada”.

Leong Wai Man, diretora do Instituto Cultural, manifestou ainda a esperança de que os festivais e eventos locais, como o Festival de Artes, o Festival Internacional de Música e o Desfile Internacional de Macau, se tornem ainda maiores e mais influentes. Ao mesmo tempo, quer que se continuem a introduzir mais espetáculos internacionais.

Nos últimos anos, várias cidades vizinhas propuseram tornar-se “cidades de espetáculo” ou “cidades de música”. De 1 de janeiro a 31 de outubro de 2023, Pequim vendeu 83 mil espetáculos comerciais, representando 16,4 por cento do mercado continental, enquanto Xangai ficou em segundo lugar, com 54 mil espetáculos vendidos, representando 10,7 por cento do interior da China, de acordo com o Outlook Oriental Weekly. Além disso, o meio de comunicação do Interior da China refere que “ambas as cidades propuseram explicitamente a construção de uma ‘cidade de espetáculo’”.

Também Guangzhou e Shenzhen, cidades inseridas na Grande Baía, não estão dispostas a ficar para trás. De acordo com o Oriental Outlook Weekly, de janeiro a julho de 2023, 32 bandas realizaram concertos em Guangzhou, com 20 grupos a atuar entre junho e julho, tornando-se “a cidade com a maior concentração de concertos nesse período de tempo”. Quanto a Shenzhen, em novembro previa-se “mais de 240 espetáculos, incluindo concertos, festivais de música, espetáculos ao vivo, dramas e musicais”. O relatório também referiu que, com base em vários dados públicos, Wuhan, Nanjing, Chengdu, Xi’an, Chongqing, Hangzhou, Suzhou e Changsha estavam “entre as cidades mais ativas no mercado de artes performativas em 2023”.

“O mercado de espetáculos permitiu que mais cidades vissem o efeito impulsionador da economia de artes performativas, que, por um lado, impulsiona o consumo turístico, de transportes, acomodação e gastronómico; por outro lado, a atividade do mercado de artes performativas também pode refletir o nível de energia da cidade, a influência cultural e o nível de governança abrangente”, concluiu o relatório do Oriental Outlook Weekly.

Acho que a ‘cidade de espetáculo’ deve contar a história de Macau. O setor comercial por si só não a conta. A componente cultural tem de estar presente para contar uma boa história
Tam Chi-chun, membro do Conselho Consultivo para o Desenvolvimento Cultural

Ser diferente

Sendo que, para onde quer que se olhe, há “cidades de espetáculo”, como é que Macau se pode destacar? Ao PLATAFORMA, Tam Chi-chun, membro do Conselho Consultivo para o Desenvolvimento Cultural da RAEM, diz que pela publicidade do Governo é claro que Macau se caracteriza pela sua “cultura sino-portuguesa”. Uma identidade “realmente única”, salienta. O responsável recorda que nas vésperas do Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa mencionou numa reunião que, como artista chinês local, tinha curiosidade em conhecer a criatividade dos portugueses, e acreditava que os artistas lusófonos também estavam interessados nas produções chinesas locais. Contudo havia poucas oportunidades para trocar ideias.

“Foi por isso que sugeri que o festival não fosse apenas sobre espetáculos, mas também uma boa plataforma para ambas as partes se conhecerem. Talvez pudéssemos criar um momento para que todos apresentassem brevemente os seus conceitos criativos (…) para que a comunidade local pudesse ter mais uma dimensão para alargar o seu desenvolvimento”, comenta. Chun esclarece que o facto de ter proposto as alterações na véspera do Festival tornou impossível a sua implementação em 2023. No entanto, acredita que “no próximo ano é muito provável que continuemos a avançar nesta direção”.

Na opinião de Tam, o que os residentes mais querem saber é o que significa ser uma “cidade de espetáculo”. “Serão mais concertos, mais espetáculos em salas com 10.000 pessoas, ou outro tipo de artes performativas? Haverá mais exposições e teatros em diferentes partes de Macau? Estas duas direções são muito diferentes e o discurso político não nos deu uma imagem clara do que vamos fazer a seguir.”

Competitividade regional

Além de marcas únicas, o desenvolvimento de uma “cidade de espetáculo” requer também o apoio de talentos em várias áreas, em qualidade e quantidade. De acordo com José Chan Rodrigues, membro do Conselho para o Desenvolvimento Económico, a orientação da “cidade de espetáculo” é favorável à diversificação económica de Macau e será útil para os profissionais do setor. No entanto, o também vice-presidente da Associação de Desenvolvimento da Cultura e das Artes Chinesas de Macau admitiu que a mão de obra vai tornar-se escassa com o aumento do número de eventos, à semelhança do que aconteceu no ano corrente. “Nos últimos dois meses, toda a gente tem estado muito ocupada. Preocupa-me que a falta de mão de obra para lidar com o volume de trabalho leve a uma queda na qualidade. Existem talentos, mas se o volume de atividades for elevado, a mão de obra tem de aumentar”.

Preocupa-me que a falta de mão de obra para lidar com o volume de trabalho leve a uma queda na qualidade
José Chan Rodrigues, membro do Conselho para o Desenvolvimento Económico

Relativamente à opinião de que a maioria dos atuais eventos artísticos convida estrangeiros em vez de locais, Rodrigues considera que como os artistas estrangeiros são mais conhecidos, é natural que os organizadores optem por estes. Defende que, por um lado, os praticantes locais devem promover-se a si próprios e aumentar a sua popularidade e, por outro, os organizadores devem considerar dar aos artistas locais uma oportunidade de participar quando convidam artistas estrangeiros para atuar em Macau. “O poder combinado de tudo isto é mais importante para a futura reserva de talentos e para o desenvolvimento a longo prazo.” Salienta também que se deve considerar a formação de gestores. “Para além do talento de algumas estrelas, um bom gestor é muito importante”.

Para Tam, a direção da “cidade de espetáculo” é uma peça do puzzle para o desenvolvimento da Grande Baía. Como praticante de teatro, considera que o desenvolvimento de Macau e do Interior da China se tem vindo a estreitar nos últimos anos, com “muitas mais oportunidades de interligação entre Shenzhen, Hong Kong e Guangzhou”. Para os profissionais locais beneficiarem disso, diz que depende da sua capacidade de lutar pelas oportunidades. “Uma vez que não é apenas Macau que quer ser uma ‘cidade de espetáculo’, mas também toda a Área da Grande Baía (…), pergunto: Quantas pessoas em Macau estão prontas para se envolverem nas artes performativas de uma forma competitiva entre regiões?”

Tam salienta que esta competitividade não se refere apenas à capacidade e fama dos artistas, mas também à estética da produção em palco. Em Macau, devido a limites de recursos, o desenvolvimento da estética de palco nesta área é muitas vezes limitado. “A estética teatral de Macau sempre foi ‘refinada e pobre’, porque não há muito dinheiro, mas tem de ser muito refinada, de modo que sabemos como usar alguns métodos baratos para fazer um espetáculo. A longo prazo, parece que esta é a única forma de expressão adequada à cidade, mas quando é levada para outros lugares, mesmo na Área da Grande Baía, para não mencionar a Ásia ou outras regiões, este ‘refinado e pobre’ pode ser muito pequeno, ficando presos num nicho”.

Tam acredita que para Macau se tornar numa “cidade de espetáculo”, precisa não só de espetáculos comerciais, mas também de espetáculos culturais, mesmo que estes não sejam tão lucrativos. “Acho que a ‘cidade de espetáculo’ deve contar a história de Macau. O setor comercial por si só não a conta. A componente cultural tem de estar presente para contar uma boa história”, afirma.

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