“O que realmente me surpreendeu foram os espaços verdes”

A ‘Nuvem de Pontos do Jardim Macau’, criada pelo artista franco-americano, Clement Valla, é uma das seis obras de arte pública apresentadas na Bienal Internacional de Arte de Macau deste ano. Desenvolvido em colaboração com a curadora local, Lam Sio Man, consiste na representação da flora e jardins locais numa coleção de dados de pontos digitalizados em 3D. Para criar esta instalação na Antiga Fábrica de Panchões Iec Long, Valla mergulhou na história botânica de Macau e identificou as plantas mais intrigantes e culturalmente significativas. A instalação de arte ao ar livre fica em Iec Long até 10 de dezembro

por Gonçalo Lopes
Sara Lo

– Qual é sua primeira impressão sobre Macau? O que pensa das áreas verdes locais?

Clement Valla – Foi muito interessante visitar Macau pela primeira vez em julho. Já tinha ouvido falar e lido sobre a cidade, e sabia que era a capital do jogo na Ásia. O que não esperava e o que realmente me surpreendeu foram os espaços verdes da cidade. Achei Coloane muito interessante e a cidade velha da Taipa maravilhosa. Foi realmente interessante ver as formas como Macau se desenvolveu e evoluiu. Passei muito tempo apenas a caminhar, explorando os vários parques, lugares, a história das árvores e das plantas da cidade, que têm muita história também.

– Macau é uma cidade pequena e lotada, com áreas naturais bastante limitadas. Os residentes locais sentem a falta da natureza. Qual é a intenção da ‘Nuvem de Pontos do Jardim Macau’?

C.V. – Um dos objetivos da ‘Nuvem de Pontos do Jardim Macau’ é observar a diferença entre tecnologia e natureza. Muitas pessoas acham que são experiências diferentes, mas acho que, considerando o problema das alterações climáticas, se quisermos avançar, temos de parar de pensar nessas distinções claras entre cidade e natureza, entre cultura e natureza, entre tecnologia e natureza.

Acho que a Antiga Fábrica de Panchões Iec Long fez um trabalho realmente interessante em manter todas as diferentes camadas de um ambiente construído e natural. A interação entre os dois é que é realmente interessante. Esse tipo de pressão urbana, que uma pequena ilha como Macau sofre, pode ser excessiva, mas acho que se torna um terreno interessante para algumas dessas ideias sobre a natureza e como talvez precisamos de mudar a nossas perceções e pensar nela como algo que integra o nosso dia a dia.

“Um dos objetivos da ‘Nuvem de Pontos do Jardim Macau’ é observar a diferença entre tecnologia e
natureza”

– Poderia explicar o conceito por detrás da ‘Nuvem de Pontos do Jardim Macau’ e como surgiu pela primeira vez?

C.V. – Estou realmente interessado nas diferentes maneiras como máquinas, computadores e seres humanos vêem o mundo. É essa diferença que acho realmente interessante, com um potencial real para poesia ou para novas experiências estéticas. Quanto à instalação em si, é uma obra em que uso predominantemente tecnologia de digitalização 3D.

Esta tecnologia é a base atual de muitas das maneiras como as máquinas vêem o mundo. Seja em carros autónomos ou sistemas que detetam objetos no espaço, é preciso rastrear o mundo em 3D. O primeiro passo para esse processo é transformar o campo visual em dados espaciais, algo designado por cientistas da computação como uma ‘nuvem de pontos’.

Acho que uma nuvem de pontos nunca foi algo realmente feita para os humanos observarem, é mais uma camada subjacente de tecnologia. Achei realmente interessante pegar nessa visão geralmente reservada para as máquinas e basicamente mostrá-la também aos humanos. Eu não acho que essas tecnologias foram feitas para olhar para a natureza necessariamente, mas adoro a ideia de uma máquina num jardim e o tipo de ressonância poética que isso pode ter, ao permitir que os humanos olhem um pouco através dos olhos da máquina.

– A ‘Nuvem de Pontos do Jardim Macau’ é uma obra feita à medida da cidade. Porque escolheu Iec Long como o local para apresentar o seu trabalho?

C.V. – A ‘Nuvem de Pontos do Jardim Macau’ acabou por consistir em dois jardins. O primeiro, que chamamos Jardim Transparente, foca-se no espaço da Iec Long. Acho muito interessante a maneira como renovaram a fábrica, como decidiram deixar os edifícios como estavam e a integração do espaço na cidade. Adoro que seja possível ver os casinos a partir de um pequeno refúgio.

“Esse tipo de pressão urbana, que uma pequena ilha como Macau sofre, pode ser excessiva, mas acho que se
torna um terreno interessante para algumas dessas ideias sobre a natureza”

Concentro-me na arquitetura de Iec Long, algo diferente para mim, pois durante os cinco ou seis anos em que trabalhei no projeto nunca incluí arquitetura, foram praticamente só jardins. Quando cheguei aqui, percebi que tinha de incorporar a arquitetura de alguma forma. Chama-se Jardim Transparente porque estamos a colocar uma tela transparente num pátio onde uma baniana está a crescer na arquitetura. Quero que a imagem flutue e se integre no local. O conceito por detrás é realmente como este local integra o novo, o antigo, o construído pelo homem e o natural.

Por outro lado, o Jardim do Vento é muito mais sobre Macau e menos sobre este local em particular. Foi inspirado mais nas minhas explorações da cidade e é uma espécie de jornada pelos diferentes jardins de Macau. Quando vim em julho, visitei todos os jardins e praticamente todos os espaços verdes da cidade, realizando algumas digitalizações e absorvendo os seus diferentes estilos. Há algo realmente agradável aqui em Macau, pois vemos jardins chineses muito tradicionais, mas depois também têm a influência dos jardins portugueses e esse tipo de paisagismo. O Jardim do Vento foi uma tentativa de combinar todos esses elementos num jardim maior, quase como uma colagem. Como se um jardineiro virtual e eu tivéssemos pegado em pequenos pedaços de cada jardim e construído este jardim maior.

– Qual é a sua opinião sobre a arte pública?

C.V. – A arte pública é sempre muito interessante de trabalhar, porque quando trabalhamos numa instituição ou galeria, todos os visitantes são um pouco voluntários. Entram num tipo de entendimento ou vêm para uma galeria já com um quadro de pensamento específico. Na arte pública, estamos envolvidos num local e há uma interação com visitantes e espetadores que talvez não se importem muito com a arte em geral, ou têm um relacionamento muito diferente com a arte. É uma maneira de impulsionar e acho isso sempre muito interessante.

“Acho que a Antiga Fábrica de Panchões Iec Long fez um trabalho realmente interessante em manter todas as diferentes camadas de um ambiente construído e natural”

Quando estou a trabalhar numa instituição, é muito fácil direcionar a arte para um público específico. É um público de arte ao qual estou acostumado, e conversas que estou acostumado a ter. Aí posso mais ou menos inserir ideias artísticas elevadas mediante uma linguagem particular. Quando produzo arte pública não quero perder nada disso. Acho que a arte ainda tem que falar a níveis mais elevados, e a esperança é que qualquer pessoa que passe, possa perceber um pouco do que estamos a tentar dizer. Talvez não os detalhes precisos, mas espero que tenham tempo para considerar e refletir sobre a natureza e a tecnologia, ou até noções de tempo, excitação, ou reflexão. Talvez não seja tão explícito quanto numa instituição, mas espero que as mesmas ideias estejam lá. Acho que a arte talvez tenha que ser mais aberta e ampla para convidar o mundo inteiro.

Uma coisa muito específica de Macau que me interessa, é ter ecrãs por todo o lado, por exemplo, ecrãs gigantes por todo o Cotai. Todos têm um ritmo e uma velocidade específica, muito veloz, na verdade. Todos esses ecrãs são feitos para chamar a atenção e mantê-la tanto quanto possível. Espero que esta obra de arte pública possa mostrar um tipo de ecrã completamente diferente. Espero que sejam muito mais silenciosos, que brilhem no canto do olho e chamem a nossa atenção, mas não a exijam da mesma maneira. Isto para mim é realmente interessante, trabalhar em público com uma arte que já é tão prevalente aqui e talvez brincar com essas diferenças.

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