Associações tiveram um terço do apoio financeiro face a 2019

Houve mais associações a pedir apoio financeiro à Fundação Macau (FM) no ano de 2022 do que na pré-pandemia. No entanto, houve menos aplicações aprovadas e o apoio financeiro às atividades foi apenas 35 por cento do alocado em 2019. Associações confirmam essa realidade: falam de um processo de candidatura mais “difícil” e revelam que muitas já desistiram de recorrer à instituição

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego

Não tem sido fácil para as associações locais obterem apoio financeiro da Fundação Macau (ver gráfico n.º1). No último ano, das 1.182 aplicações recebidas, apenas 920 foram aprovadas (86%) e o montante total disponibilizado foi de 496 milhões de patacas. Em comparação com 2019, as diferenças são notáveis: das 1.148 aplicações recebidas, 1.030 foram aprovadas (89%), e o montante total disponibilizado foi de 1.435.800.000 patacas, ou seja, quase três vezes mais.

As receitas e despesas da FM cabimentadas no orçamento final em 2019 totalizaram MOP3.796.350.500 e MOP2.990.641.400, respetivamente. Já em 2022, as receitas e despesas da FM cabimentadas no orçamento final totalizaram 1.592.899.800 e 2.522.945.600 patacas. Significa isto que os custos da FM no apoio às associações passou de 48% em 2019, para 19,6% em 2022.

A FM já divulgara no final de 2021 que era necessária uma reforma “face ao aumento contínuo do número de associações e à diversificação das atividades objeto de apoio socilitado”. Desde então, embora com o impacto da pandemia a fazer-se sentir nos montantes disponíveis, as associações de Macau têm-se queixado de um processo “mais difícil”, com constante alteração dos requisitos para a concessão de apoio financeiro. Embora algumas associações contactadas pelo nosso jornal continuem a ter os seus pedidos aceites, muitas dizem que os montantes disponibilizados foram reduzidos.

Processos diferentes

O presidente da Associação dos Jovens Macaenses (AJM), António Monteiro, diz que apesar da associação não ter sofrido muito com as reformas da FM, “tem sido mais difícil” adaptar os pedidos de subsídio devido às “constantes mudanças das normas” de ano para ano. Fala de “alguma redução” no financiamento, mas nada que incapacite as atividades da AJM.

“O que dificulta é os prazos estipulados e a apresentação dos relatórios, com a obrigação da apresentação do número garantido dos participantes numa determinada viagem. Não deixa assim margem para alguma alteração a meio do procedimento, e se ultrapassar ou vierem mais pessoas interessadas, a associação será responsável pelos gastos adicionais. São detalhes que quem está fora, não vê muitas das vezes.”

Por outro lado, Monteiro defende a adjudicação de verbas para publicidade, algo que segundo o responsável, não acontece. “Deixo a questão: Para que serve executar eventos e atividades em prol da sociedade civil se depois a publicidade não é incluída para atingir mais público-alvo (anúncios nos jornais de qualquer língua é um exemplo, pois sabemos que os anúncios nem sempre são baratos)”.

Para concluir, o presidente da AJM refere que as associações podem ajudar na diversificação económica. Contudo, ressalva que “o Governo tem de entender a relevância das associações que podem fazer a diferença”.

A Associação Desportiva e Cultural de Capoeira de Macau (ADCCM) tem uma experiência diferente. Candidatou-se aos fundos da FM pela primeira vezs em 2022, e não podia estar mais contente com a “ajuda fundamental”. Edilson Almeida, mestre de capoeira – mais conhecido como Eddy Murphy -, diz que ficou surpreendido. “Não cobriram todo o nosso orçamento mas nos deram uma ajuda que foi fundamental para o projeto da Capoeira Wellness Therapy e da Capofam (Capoeira para família) que foram desenvolvidas no período de maio até outubro com muito sucesso.” Para a capoterapia a FM comparticipou com 15 por cento e para a Capofam cobriu 25 por cento dos custos. “Ficámos muito felizes por ser a primeira vez que aplicámos e nos ajudaram”, diz Almeida, que refere ter sido negado para 2024, por não ter apresentado a candidatura a tempo.

Muitas já desistiram

O Governo tem de entender a relevância das associações que podem fazer a diferença

António Monteiro, presidente da Associação dos Jovens Macaenses

As mudanças são sentidas também por outras associações que, ao contrário da AJM, já não recorrem à FM para financiar as suas atividades. A Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa é uma delas. Marta Pereira, presidente da associação, diz que em 2020 candidatou-se à FM no âmbito do “Programa de Apoio Financeiro para Projetos Culturais para o ano de 2021” e recebeu apoio em dois projetos. “É verdade que os valores ficaram ligeiramente aquém do solicitado, mas conseguimos realizar as atividades apresentadas.” Contudo, no ano seguinte, “todas as propostas foram recusadas com o argumento de que não se inseriam no objetivo dos apoios”. A FM disse que “atendendo à ordem de prioridades para a atribuição de apoio financeiro os projetos não foram selecionados”. Marta questiona: “Então no ano anterior enquadravam-se, no ano seguinte deixaram de se enquadrar?”.

“Ficámos sem perceber a razão dada pela FM, uma vez que alguns projetos eram de continuidade. Nesse ano, em 2022, não conseguimos implementar o plano de atividades desenhado. Aliás, a própria FM referiu que em 2022 iria implementar programas específicos para a concessão de apoio financeiro (…). Mais tarde soubemos que a FM tinha instituído seis programas de apoio financeiro específico, designadamente ‘projetos culturais’ e ‘despesas de funcionamento de associações’. Nessa medida, a nossa candidatura enquadrava-se no objeto de apoio”.

Este ano nem sequer fizemos candidaturas à Fundação Macau e há muitas associações que não fizeram também
Marta Pereira, presidente da Somos! – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa

Por essa razão, e também pela “confusão medonha” no processo de candidatura, a associação optou por vias alternativas. “No ano passado candidatámo-nos ao Fundo de Desenvolvimento da Cultura; foi aprovado e este ano voltámos a fazer a candidatura e espero que também seja aprovado. A responsável associativa termina, dizendo que “este ano nem sequer fizemos candidaturas à Fundação Macau e há muitas associações que não fizeram também.”

Pequena Arte

A associação do Teatro de Lavradores, uma companhia de teatro profissional em Macau, candidatou-se a um subsídio da FM para cobrir os salários do seu pessoal administrativo e parte da renda do teatro. O montante do subsídio foi reduzido em quase 60% em comparação com o ano anterior.

Mas não é só a FM que cortou no apoio à associação. O presidente da assembleia geral, Jacky Li, diz que desde que o Governo de Macau reorganizou a estrutura de financiamento, só podem candidatar-se a um departamento público por peça, o que inevitavelmente reduz os montantes disponíveis para cada projeto. Li diz que o novo modelo de financiamento traduz-se “num terço do apoio prévio” e que as associações artísticas e culturais tiveram de cortar nas despesas e ajustar o modelo para manter as operações.

Nos últimos anos, tem havido menos espetáculos de grande escala em Macau, e toda a gente se concentra em espetáculos de menor dimensão
Jacky Li, presidente da assembleia geral da associação do Teatro de Lavradores

Li revela que a maioria das peças do Teatro de Lavradores são subsidiadas pelo Fundo de Desenvolvimento da Cultura. Apesar de o financiamento ser semelhante àquele que o Instituto Cultural praticava, diz que anteriormente podia pedir financiamento adicional à Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ), porque as peças se adequavam aos jovens.

O representante associativo, que trabalha com organizações artísticas há largos anos, diz que a mudança de política alterou radicalmente algumas das formas de atuação das organizações artísticas de Macau. “Nos últimos anos, tem havido menos espetáculos de grande escala em Macau, e toda a gente se concentra em espetáculos de menor dimensão. São poucas as produções que podem ser apresentadas no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Macau”.

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