Infraestrutura de prevenção de desastres naturais de Macau não corresponde às expectativas

Deputados e urbanistas em Macau apontam que o “Plano decenal de prevenção e redução de desastres em Macau (2019-2028)” introduzido há quatro anos pode já estar obsoleto, e pedem ao Governo que revele e explique à comunidade quais são os projetos que precisam de ser ajustados. A barragem das marés do Porto Interior - atualmente suspenso - já custou mais de 200 milhões de patacas. Outros três projetos de prevenção de desastres que foram suspensos ou cancelados tiveram um custo superior a 33 milhões de patacas

por Gonçalo Lopes
Meimei Wong

Após o Tufão Hato atingir Macau, em 2017, o ex-Chefe do Executivo, Chui Sai On, apresentou um plano de prevenção e redução de desastres de dez anos, em 2019. Nessa altura, a construção da barragem das marés no Porto Interior foi definida como projeto-chave do plano. No entanto, o atual Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, afirmou que o custo do projeto já ultrapassou centenas de milhões de patacas e que o custo anual de manutenção não seria inferior ao custo do projeto. Ho considera que as despesas de construção seriam excessivamente altas, e avisou que a barragem das marés poderia tornar-se mais um “elefante branco” da cidade.

Em comentários ao PLATAFORMA, o engenheiro Wu Chou Kit diz concordar com as declarações do Chefe do Executivo, referindo que a única maneira de resolver completamente o problema das inundações no Porto Interior seria elevar o nível do solo, como se fez em Wanchai (Zhuhai), do outro lado da Barra, onde os diques ribeirinhos foram elevados nos anos 90. O também deputado considera que, embora o Governo não vá construir nenhuma barragem das marés, outras infraestruturas de prevenção de desastres serão ainda desenvolvidas.

Nenhum investidor está agora disposto a investir em grandes projetos nas áreas antigas ou de baixa elevação em Macau
Ron Lam, deputado

Wu aponta como exemplo a construção do ‘Box-Culvert’ da Estação Elevatória de Águas Pluviais do Norte do Porto Interior, que já foi concluída, e as obras de construção da Estação Elevatória de Águas Pluviais e de Drenagem no Sul do Porto Interior – em curso e possivelmente concluídas em 2025 e 2026. Segundo Wu, com a conclusão desses projetos, o problema de refluxo de água do mar poderá ser resolvido.

Por outro lado, o deputado Rom Lam afirma estar desiludido com a rejeição do Governo à sua própria ideia.
Lam realça que a barragem das marés não era o único meio de resolver o problema de inundação nas áreas baixas de Macau causado por tempestades, e avisa que a inação prolongada na prevenção deste problema aumentou o medo dos residentes das áreas baixas. Afirma também que “nenhum investidor está agora disposto a investir em grandes projetos nas áreas antigas ou de baixa elevação em Macau”. Quando o Tufão Saola atingiu Macau, no início de setembro, o Centro de Operações de Proteção Civil indicou que 3.111 residentes em zonas baixas da cidade tiveram que ser evacuados.

O Governo deve anunciar e explicar à comunidade quais os que precisam de ser ajustados, em vez de fazer vários anúncios ‘a retalho’ quando questionado
Lei Leong Wong, deputado

Planeamento desatualizado

Em junho deste ano, em resposta a uma pergunta escrita feita pelo deputado Lei Leong Wong sobre a implementação do plano de dez anos e do seu mecanismo de avaliação, o Gabinete do Secretário para a Segurança informou que, até ao ano passado, 113 dos 201 planos de ação previstos tinham sido concluídos ou estavam em andamento, 83 estavam em planeamento, e outros cinco precisavam de ser ajustados.

Lei Leong Wong concorda que devido a mudanças sociais ou avanços tecnológicos, alguns planos de prevenção de desastres podem já não ser apropriados. O deputado considera que “o Governo deve anunciar e explicar à comunidade quais os que precisam de ser ajustados, em vez de fazer vários anúncios ‘a retalho’ quando questionado”.

O urbanista local Rhino Lam aponta que, além da proteção contra enchentes e marés, a ocorrência de um grande desastre de saúde pública também requer planeamento de infraestrutura de emergência. “Inicialmente, havia falta de espaço e infraestrutura para montar postos de ácido nucleico e isolar pacientes. Após três anos de pandemia e tantos sacrifícios dolorosos, como podemos usar essa experiência no planeamento de preparação para desastres?”, questiona.

Uma infraestrutura sistemática significa que haverá um efeito complementar entre cada uma para que, no caso de uma infraestrutura não cumprir a sua função, outra possa complementá-la
Rhino Lam, urbanista

O urbanista acredita que esse planeamento pode já estar desatualizado, e que agora é o momento apropriado para revisões e ajustes. “A situação ideal seria mudar os objetivos do plano e depois mudá-los novamente no programa de implementação. O que estamos a ver agora é o oposto. A implementação é ajustada, mas os objetivos do plano permanecem os mesmos”, nota. “Querer construir um sistema de infraestrutura de prevenção de desastres sem uma das partes (a barragem das marés) não é um sistema. Uma infraestrutura sistemática significa que haverá um efeito complementar entre cada uma para que, no caso de uma infraestrutura não cumprir a sua função, outra possa complementá-la”, explica.

O arquiteto local, Nuno Soares, partilha das mesmas preocupações. “Não há uma solução mágica ou resposta única para este problema. É necessário ter uma abordagem holística, que integre um conjunto de intervenções complementares, e é essencial que exista redundância”, diz ao nosso jornal.

Cidade resiliente

Segundo os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) as alterações climáticas têm aumentado a frequência das condições meteorológicas extremamente severas. Após a passagem do tufão “Hato” em 2017, do tufão “Mangkhut” em 2018 e do tufão “Higos” em 2020, o sinal n.º 10 de tempestade tropical do tufão “Saola” foi emitido pela quarta vez em sete anos. Entre 1968 e 2016 (49 anos no total), houve o mesmo número de tufões de sinal n.º10, o que prova o aumento da frequência. Por isso a necessidade de criar cidades resilientes e adaptáveis a desastres é cada vez mais premente. Mas como pode Macau tornar-se uma cidade resiliente?

Lei Leong Wong acredita que a infraestrutura é a proteção mais básica da sociedade, e aponta ser importante continuar a prestar atenção à conscientização pública sobre a prevenção de desastres. “Sinto que já passou algum tempo desde o último grande desastre, e a consciência das pessoas está um pouco relaxada”, diz. O deputado aponta que o Governo deve fazer melhor trabalho na educação pública sobre prevenção antes que um grande desastre ocorra.

Rhino Lam sugere, entretanto, que as autoridades planeiem programas de prevenção de desastres e recuperação direcionados a diferentes comunidades, tais como: prevenção dos deslizamentos de terra para quem mora em encostas, educar moradores perto da água a prestar atenção a cheias repentinas durante tempestades, ou educar o público sobre como lidar com lixo após um desastre. “Não é apenas o Governo que deve saber o que fazer depois de um desastre, mas o público pode participar e cooperar”, destaca.

Ron Lam salienta que o conhecimento dos residentes sobre crises aumentou significativamente depois do Tufão “Hato”, mas avisa que se o Governo não implementar infraestruturas que possam prevenir cheias e inundações, os residentes terão o “dobro do esforço em medidas contra cheias, com apenas metade dos resultados”. “Ninguém, incluindo o Governo de Macau, deve deixar as coisas ao acaso face ao aumento da incidência de eventos climáticos extremos”, avisa.

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