Aumento do salário mínimo assusta patronato

Associações do lado patronal acreditam que a revisão do salário mínimo pode levar a uma subida paralela da inflação e consequente perda do poder de compra da população. Representante do patronato nas negociações diz que a própria indústria do turismo vai perder competitividade. Deputados defendem o aumento e dizem que o impacto na economia será mínimo, desde que o Governo controle a inflação

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego

Foi apenas em 2020 que se aprovou o alargamento do salário mínimo para todas as profissões, exceto trabalhadores  domésticos e portadores de deficiência. A proposta de lei entrou em vigor a 1 de novembro do mesmo ano, estimando-se que mais de 20 mil trabalhadores iriam ser beneficiados. Os valores fixados são os seguintes: 6.656 patacas por mês; 1.536 patacas por semana; 256 por dia ou 32 patacas por hora.

Na Lei nº5/2020, que rege precisamente o salário mínimo, ficou também estabelecido que “a primeira revisão (…) ocorre dois anos após a entrada em vigor da presente lei e, posteriormente, uma vez em cada dois anos, podendo o respetivo valor ser atualizado de acordo com a situação do desenvolvimento económico”. Porém, em 2022 não houve qualquer revisão,  devido à pandemia de Covid-19. Só em fevereiro de 2023 é que o diretor dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), Wong Chi Hong, referiu que estavam a preparar um relatório para submeter à Concertação Social sobre o salário mínimo, com base em dados recolhidos entre novembro de 2020 e outubro de 2022.

Vítimas do salário mínimo

Na semana passada, foi então avançado que o salário mínimo poderia subir de 32 patacas por hora para 34, ou até 36 patacas. A proposta implicaria um aumento de 6,5 por cento a 12,5 por cento, respetivamente. A taxa de inflação
atingia 0,87 por cento em 2022 – quando o salário mínimo atual foi estabelecido – diminuindo 0,07 pontos percentuais
até junho de 2023. A DSAL estima que atualmente existem 21.800 a 32.400 trabalhadores que terão os seus salários revistos após a alteração. Durante a semana, não houve grande oposição ao comunicado do Governo, mas há a preocupação de que o aumento salarial, além de não ser significativo, provoque uma nova onda de despedimentos, à semelhança do que aconteceu em novembro de 2020. Entre vários dos setores afetados aquando da introdução da lei (ver caixa), há três anos, “houve empresas de administração de prédios que fecharam”, disse ao jornal Ou Mun o vice-presidente da Associação de Administração de Propriedades de Macau, Lui Tit Leung. O representante associativo indicou estar preocupado com o impacto prolongado do aumento do salário mínimo, caso este se venha a confirmar.

Inflação paralela

Outra questão que nasce com a subida salarial é a inflação dos preços. Um proprietário de uma empresa de recursos humanos diz ao PLATAFORMA que, apesar de não ter qualquer problema com o aumento do salário mínimo, estima que “se a razão para aumentar as remunerações for o acompanhamento da inflação, então a subida só vai piorar a inflação”. O  empresário explica que se os empregadores precisam de mão de obra, não vão cortar recursos humanos devido ao aumento da folha salarial. Vão, porém, “aumentar os custos do seu negócio, que será depois transferido para os consumidores, criando um ciclo vicioso de inflação”. No geral, acredita que quem será afetado de forma negativa pelo aumento do salário mínimo serão aqueles que deveriam beneficiar da revisão. “Os únicos afetados serão os consumidores”.

É necessário explicar à sociedade com maior clareza os mecanismos e fatores contemplados na decisão do Governo. Como é que se calcula o aumento e se este de facto ajuda os trabalhadores em salário mínimo

O deputado Leong Sun Iok diz ao nosso jornal que “segundo a DSAL, esse fenómeno [de despedimentos] não é comum”. Confessa que tem de se estar atento a isso, mas que “não recebeu nenhuma queixa e que a DSAL registou poucos casos”. Além disso, repara que o aumento salarial em 2020 permitiu aos  empregadores exigirem mais dos seus trabalhadores, pelo que os serviços, nomeadamente na gestão de propriedades, “começaram a ser melhores e um inquérito revelou que os inquilinos também estão mais satisfeitos”.

Esta preocupação foi também salientada pelo presidente da Associação Geral dos Indústria de Limpeza de Serviço de Macau, Chan Kin Ieng. Ao jornal Ou Mun, antevê que a transferência dos custos para o consumidor não só agrava a inflação como vai enfraquecer o poder de compra da população. Chan sublinhou ainda os inúmeros setores que dependem dos serviços de limpeza.

“A economia de Macau só entrou numa trajetória de recuperação em março. As empresas locais sofrem mais ainda pela queda do consumo local. Nesse sentido, o aumento do salário mínimo pode afetar mais empresas locais”. Por isso, apelou ao Governo para avaliar cautelosamente o “espaço de sobrevivência” dos negócios antes de avançar para algo em concreto. Ella Lei, deputada, acredita que o facto da subida salarial ser baixa revela que “o Governo foi relativamente prudente no ajuste
salarial”. Ao PLATAFORMA, diz que as autoridades “mencionaram que tiveram em conta o impacto da proposta no ambiente económico” de Macau.

Turismo menos competitivo

Depois da reunião com a DSAL, onde foi proposto o aumento salarial entre 2 a 4 patacas, os representantes do lado laboral e patronal falaram à imprensa.

Fong Ka Fai, vice-presidente da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) não teceu qualquer crítica ao aumento proposto, dizendo que, seja 2 ou 4 patacas, os trabalhadores aceitarão. Contudo, o lado patronal, representado pelo vice-presidente da Associação Comercial de Macau, Vong Kok Seng, mostrou-se mais preocupado. O responsável revelou as
três questões que colocou em cima da mesa. Primeiramente, relembrou que a reabertura é recente e que os negócios ainda estão a recuperar. Em segundo, que a revitalização vista nos casinos não tem chegado aos negócios dos distritos residenciais, e que os residentes têm gasto o seu dinheiro fora de Macau, por ser mais barato. Terceiro, teme que haja uma reação em cadeia com a subida do salário mínimo, ou seja, que os restantes trabalhadores também vão pedir aumentos.

Se os preços se tornarem muito caros, será que os consumidores vêm a Macau?

O proprietário da companhia de recursos humanos concorda, dado que a maioria dos trabalhadores em salário mínimo são estrangeiros e os locais não devem querer ser excluídos. “O aumento proposto é superior a 10 por cento, mas não vai afetar os residentes de Macau, porque é raro aceitarem o salário mínimo. No entanto, assim que for revisto, os locais também vão
pedir um aumento, porque é injusto que os imigrantes sejam aumentados e eles não. Portanto, prevejo que o salário médio em Macau aumente mais de 10 por cento”. Leong Sun Iok também espera uma reação em cadeia. “Com o aumento do salário mínimo, espera-se que outros postos possam ter aumentos e que isso dê confiança e aumente o moral depois da pandemia”.

Vong Kok Seng acredita que este fenómeno, além de resultar numa maior inflação e enfraquecer o poder de consumo, vai retirar a competitividade turística de Macau face a outras regiões, por aumentar os preços da indústria. Apesar de  compreender e apoiar a posição do Governo, pede que a subida salarial seja pequena e que tenha o menor impacto possível no setor industrial e comercial da cidade.

Sobre a inflação dos preços, Iok defende que “o Governo tem de exercer um controlo (…) para evitar uma subida dos preços”, mas que, no geral, o impacto dos aumentos nas indústrias de Macau “será relativamente pequeno”.

Mesmo que a subida salarial aumente o preço dos produtos e serviços, Iok inverte o problema, questionando os benefícios da manutenção da margem de lucro para estas empresas. “Se os preços se tornarem muito caros, será que os consumidores vêm a Macau?”.

Fundamentos para a subida

O proprietário da companhia de recursos humano defende que “o Governo deve dar uma boa explicação para fundamentar o aumento salarial”, recorrendo a indicadores económicos.

“Porque é que a variação é de duas a quatro patacas por hora?”, questiona.

Ella Lei confessa que é necessário “aumentar a transparência”. “É necessário explicar à sociedade com maior clareza os mecanismos e fatores contemplados na decisão do Governo.

Como é que se calcula o aumento e se este de facto ajuda os trabalhadores em salário mínimo”.

Contudo, defende que se não houvesse um ajuste salarial, estes trabalhadores nem sequer seriam aumentados.

“Noutras indústrias talvez as empresas estejam numa posição que lhes permita ajustar os salários, mas para os trabalhadores em salário mínimo isso não acontece se o Governo não intervir, pois as empresas não têm condições. Portanto, da perspetiva dos trabalhadores, todos esperam que o seu salário possa ser ajustado para cima.”

 

 

 

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