Cidade de luxo compromete mercados

por Gonçalo Lopes
Guilherme Rego

Turistas ficam por mais tempo e gastam mais, mas não é em alojamento. Hotéis de baixo custo subiram as taxas de ocupação e os de luxo viram-nas descer. Números do 1.º trimestre pós-pandémico vão ao encontro das palavras do Chefe do Executivo: é preciso mais opções de baixo custo. Membros da indústria admitem um fosso no mercado e uma economia paralela

Só 20 por cento das despesas dos visitantes foi feita em alojamento no 1.º trimestre de 2023. No trimestre homólogo de 2019, esta fatia dos gastos representava 25 por cento, numa altura em que o preço dos hotéis era mais baixo e a estadia dos visitantes também.

Nos primeiros três meses do ano a despesa per capita dos viajantes foi de 3.027 de patacas (MOP), muito acima das 1.634 MOP registadas em 2019. O índice de preços turísticos também era mais baixo, tendo crescido de 133,85 para 138,2. O preço dos hotéis não fugiu à regra e tem de se regressar a 2015 para ver alojamento turístico mais caro. Um relatório divulgado pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST) revelou que o preço médio dos hotéis em abril estava em 1.370 MOP, mais 4,4 por cento do que no mesmo mês de 2019.

Mesmo assim, o preço dos quartos não tem impedido os turistas de ficar mais tempo. Antes a duração média das visitas era de 1.1 dias e agora é 1.3. Acontece que a taxa de ocupação dos hotéis de 5,4 e 3 estrelas desceu 17 por cento em comparação com 2019, ao passo que os hotéis de 2 estrelas e alojamentos de baixo custo subiram 9,3 e 4,7 por cento, respetivamente.

Em suma, ficam mais tempo e gastam mais, mas não é em alojamento. Em declarações ao jornal, o presidente da Associação dos Hotéis de Macau, Luís Heredia, prefere não se focar muito nos números divulgados pelas autoridades locais. “Tenho algum receio em comentar esses números, teria que perceber melhor as variáveis tidas em conta. Normalmente, quando quero fazer essas análises, vou eu fazê-las. Confesso que essa área é importante e seria bom perder algum tempo a ‘partir pedra’ para entender melhor o comportamento dos turistas. Mas sim, é possível que os números possam não fazer muito sentido.”

Fosso no mercado

Mesmo que os dados não sejam, nesta altura, conclusivos, não fosse por retratar apenas os primeiros três meses de pós-pandemia, a subida da taxa de ocupação hoteleira dos hotéis de baixo custo coloca uma questão: o “novo turista” pode estar mais propenso a gastar menos em alojamento. E, neste segmento, Macau ainda não tem os argumentos necessários para capitalizar essa procura. Segundo a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC), há 38.995 quartos distribuídos entre os estabelecimentos hoteleiros da cidade. No entanto, os quartos disponibilizados por hotéis de 3 estrelas para baixo nem chegam a 8 mil, ou seja, apenas 20,5 por cento. Oferta considerada baixa pelo próprio Chefe do Executivo, Ho Iat Seng. “Temos de olhar para o problema que existe. Macau é um mercado onde se encontram mais os hotéis de luxo, de cinco estrelas; e temos carência de hotéis de três e quatro estrelas”, disse o governante, em abril.

Estou a especular, mas será que os visitantes ficariam mais uma noite se houvesse opções mais baratas?

Luís Heredia, presidente da Associação
dos Hotéis de Macau

“Há vários anos que repito o mesmo”, começa por dizer o professor associado da faculdade de Gestão de Resorts Integrados, Glenn McCartney. “As pessoas dizem que precisamos de mais hotéis de luxo e eu digo que não. O que realmente precisamos é de acomodações mais baratas (hotéis de 3 estrelas). Em toda a Europa, estes hotéis costumam ser a opção mais em conta, mesmo para o setor MICE”.

“Acho que o Chefe do Executivo tem razão”, atira Luís Heredia. “Estou a especular consigo, mas será que os visitantes ficariam mais uma noite se houvesse opções mais baratas? Talvez comprassem mais umas coisas, ficavam mais tempo, tiravam mais umas fotografias, mais refeições… há sempre quem ganhe com isso”, reflete.
Além de possivelmente aumentar a duração das visitas a Macau, o responsável atenta que este tipo de hotéis, de baixo custo, não requerem um investimento avultado. “Não requerem tantos serviços, nem um investimento muito forte no design e infraestrutura. Acho que o retorno no investimento até é muito apetecível, tendo em conta que andam tantas pessoas a procurar Macau. Acontece que hoje olham para os preços praticados e, se calhar, não têm incentivo para pernoitar.”

Heredia conclui, dizendo que o segmento de “Macau já tem o segmento de luxo e até mesmo extra-luxo”. Contudo, “os outros segmentos também existem”, e reconhece que “muitas empresas ‘corporate’ optam por um hotel de 2 ou 3 estrelas, desde que tenham segurança, uma boa cama e higiene”.

Turistas confirmam

O PLATAFORMA entrevistou 18 turistas de visita a Macau para melhor perceber as suas opiniões. Sobre os preços, 11 disseram que a cidade é um destino caro; 14 disseram que gastariam mais em compras e restauração caso tivessem de gastar menos no alojamento e seis admitiram ficar mais tempo se os quartos dos hotéis fossem mais baratos.

Sem exceção, todos pediram para a indústria hoteleira rever os preços para baixo, sendo que oito dos inquiridos admitiram que não ficariam mais tempo em Macau mesmo que os preços baixassem. Tang, uma jovem de Hong Kong, explica que “dois dias é mais do que suficiente para ver Macau”. Veio com duas amigas e ficaram no Lotus House, um alojamento de baixo custo onde pagaram cerca de 500 MOP por noite. As três disseram que “os hotéis de Macau são demasiado caros e os hotéis de luxo têm preços inaceitáveis”.

Carência chama pela economia paralela

No Booking.com, o hotel de 2 estrelas mais barato em Macau começa por 782 MOP (já incluindo a taxa de serviço). Em Hong Kong, por exemplo, começa nos 350 MOP (com a taxa de serviço incluída). Este fosso de mercado chama pelas “economias disruptivas”, na opinião de McCartney. “Falo muito da economia disruptiva. É aqui que as plataformas como o Airbnb singraram (…). Queremos alojamento de luxo e Macau é forte nesse segmento, mas também tem de haver uma zona intermédia. E as pessoas podem estar a ver uma lacuna no mercado”, afirma.

As pessoas dizem que precisamos de mais hotéis de luxo e eu digo que não. O que realmente precisamos é de acomodações mais baratas

Glenn McCartney, professor associado da faculdade de Gestão e Resorts Integrados
da Universidade de Macau

Ao contrário de outros países ou regiões, Macau não permite o alojamento de não residentes da RAEM em propriedades que não tenham licença hoteleira – exceto a quem tenha sido concedida autorização especial de permanência. Mesmo aqueles que estão autorizados a permanecer na Região por 90 dias, a regra aplica-se.

Há algumas exceções, é certo. Não é considerada prestação ilegal de alojamento quando se tratam de “associações e outras pessoas coletivas ou instituições sem fins lucrativos”, e quando “a pessoa que preste alojamento e o ocupante já se conheciam bem”. Regra geral, portanto, turistas que queiram pernoitar em Macau estão limitados à oferta da indústria hoteleira.

Com a revisão da lei, que entrou em vigor em abril de 2022, foi adicionado o dever especial de colaboração dos operadores de plataformas de reservas online de hotéis, entre outros, para por exemplo fornecer documentos relacionados, bem como remover informações relativas ao alojamento nos prédios ou frações autónomas implicadas disponíveis na Internet.

O PLATAFORMA visitou algumas das plataformas mais utilizadas para arrendamento de quartos. Há pouca oferta, mas não é inexistente. No Airbnb, por exemplo, há pelo menos 31 apartamentos ou quartos disponíveis para visitantes. Os preços variam, mas alguns são significativamente mais baixos que os praticados pelos hotéis locais. Já no Ctrip e Tujia, plataformas mais utilizadas na China, ou no Trip.com e Agoda, não se encontram alojamentos ilegais para turistas.

“Com a mudança do ambiente social, a forma de exploração das pensões ilegais tem-se tornado mais dissimulada, constituindo uma ameaça à segurança das zonas comunitárias, facto que tem alarmado vários setores da sociedade”, justificaram as autoridades quando a lei foi revista.

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