Salários de mil euros perderam 42% de poder de compra

por Gonçalo Lopes

Foi há quase vinte anos que surgiu o termo mileuristas para designar os jovens altamente qualificados que entravam no mercado de trabalho com um salário de 1000 euros. O conceito surgiu em Espanha, mas atravessou fronteiras. O problema estava longe de se circunscrever ao país vizinho. Em Portugal, as remunerações de entrada dos recém-licenciados eram até mais baixas. Passaram duas décadas e o problema mantém-se no essencial. E ao longo deste período houve uma real perda de poder de compra. Como aponta o economista João Cerejeira, “para comprar o mesmo que se comprava em 2002 com um salário de mil euros, seria necessário hoje um salário de 1422 euros”, ou seja, mais 42%. Nestes vinte anos, os salários pouco subiram e muitos congelaram, principalmente no período da troika. A grande exceção foi o salário mínimo nacional, que duplicou. No ano passado, 56% dos trabalhadores recebiam um salário inferior a 1000 euros. Nos mais jovens, a percentagem era de 65%.

Para João Cerejeira, há três dimensões que explicam a existência destes mileuristas. O professor da Universidade do Minho lembra que o número de alunos do ensino superior registou um crescimento exponencial (desde a entrada na União Europeia, o número de universitários multiplicou por quatro) e o efeito foi o aumento da oferta no mercado de trabalho dos mais qualificados. Em simultâneo, as universidades diversificaram as propostas educativas e surgiram mais graus académicos. Estes movimentos criaram “uma maior heterogeneidade nos retornos económicos dessas formações. O que notamos nos estudos mais recentes é que a dispersão dos salários de quem acaba o curso é maior do que era há uns anos”. No cerne, temos “o fraco crescimento da economia portuguesa que vai desde 2000 até à pandemia”, diz. São 20 anos “de crescimento muito lento”, em que “o emprego aumenta, mas o valor gerado por trabalhador sobe muito pouco. E isso está associado a um crescimento muito lento dos salários”.

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O crescimento quase anémico da economia portuguesa deve-se ao seu padrão de especialização, que se caracteriza pela “presença muito forte no conjunto da atividade económica de ramos com baixa produtividade”, aponta o economista José Reis. A realidade é que “75% do emprego em Portugal está em ramos com produtividade igual ou inferior a 90% da produtividade média, alguns até bastante inferior”. E desse volume de emprego, 22% concentra-se no comércio, alojamento e restauração; 17% em atividades administrativas e de apoio (serviços); 8,4% nos ramos industriais menos produtivos; e 5% na agricultura. José Reis lembra que a economia do país bateu no fundo em 2013, mas conseguiu recuperar o emprego. Embora de níveis salariais baixos. Até 2019, foram “criados 520 mil postos de trabalho, mas 314 mil foram nestes ramos de baixa produtividade”, sublinha. Na sua opinião, o país “desindustrializou-se mal e terciarizou-se através de ramos de baixa produtividade”. Exemplo disso é o setor do alojamento, restauração e similares, onde o salário médio corresponde a 69% do salário médio nacional.

A consequência mais evidente destes níveis salariais é a emigração. José Reis lembra que, desde 2011 para cá, a média anual de emigrantes aproxima-se das 100 mil pessoas. “Este valor é da emigração permanente e temporária [menos de um ano]. Há gente que vai lá para fora mesmo que vá voltar no próprio ano”. Para o professor da Universidade de Coimbra o sistema de emprego português “não é inclusivo” e os jovens portugueses, hoje mais qualificados, cosmopolitas, têm apetência pelo estrangeiro. A estrutura da economia não mudou o suficiente nestes vinte anos para que um jovem tenha uma oferta salarial muito melhor, diz. “Podem estar a beneficiar do salário médio valorizado, mas temos o algodão da emigração que não engana”. Para José Reis, as empresas “acantonam-se no lado fácil da economia. Os grandes protetores da classe empresarial portuguesa são os trabalhadores que são incorporados nessas empresas através de níveis salariais muito baixos”, critica. E defende a necessidade “de olhar para as baixas qualificações das lideranças empresariais e do tipo de organização que criam”.

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