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Ver para crer

Paulo Rego*

A Lei de Segurança de Segurança Nacional não é um drama em si mesma. É necessária, no contexto do nacionalismo chinês, mas existe em todas as geografas e sistemas políticos. Em Macau, analisado o processo legislativo, percebe-se o cuidado específico com o tema. Ou seja, há consciência oficial dos receios sobre o perigo de abusos de Estado. Não serão de todo deslocados… mas também é prematuro – até contraproducente – condenar previamente uma Lei sem culpa formada. A questão de fundo, em matéria tão sensível, está na intenção do legislador e na sua cultura de aplicação. Ou seja, na forma como o poder político e os tribunais vierem a aplicá-la. Deve ser esse o foco do debate.

O relatório da Comissão responde a muitas das dúvidas e receios. Urge perceber o que lá está, sob pena de banalizar a crítica e perder a sua legitimidade. O Direito Romano, que inspira o Direito Português, inclui normas muito abertas, precisamente para que perdurem no tempo e enquadrem tendências evolutivas. Por isso há dois conceitos essenciais: a intenção do legislador e a sua cultura de aplicação da Lei. Perceber o proponente é por isso também amanhã comprometer o regime agora com as explicações que hoje dá.

O que que diz então o Governo de Macau, no quadro da obediência estratégica ao Poder Central? Que eventuais abusos na manipulação da Lei de Segurança serão contidos pelos valores dos grandes códigos, nomeadamente o Penal. E remete também para a Lei de Imprensa, no que toca à liberdade de expressão. É nessas remissões, diz o proponente, que também se resolve a questão do dolo – omisso na Lei. Ou seja, não havendo dolo não há crime. Esta interpretação é crucial. Esclarece angústias e compromete o poder político.

A questão de fundo é sempre a mesma: na China é uma coisa, em Macau tem de ser outra. Essa é a essência da autonomia; é a letra da Lei Básica – e o traço civilizacional que a formata. É um facto que o partido único hoje na China privilegia o coletivismo, face aos direitos, liberdades e garantias individuais, vendo o Estado como instrumento do Partido Comunista e a Lei de Segurança como garante do status quo.

Mas é o próprio regime a garantir que, em Macau, a filosofa jurídica vigente na China destruiria a própria essência da diferença que Pequim – e mais ninguém – desenhou para a RAEM. Se fosse para ser tudo igual já o era há muito tempo.

Mas também é verdade que, em Hong Kong e em Macau… casos como os da perseguição a livreiros, ou a barragem a deputados incómodos, são exemplos claros de integração ilegítima na prática de conceitos próprios da ditadura comunista – e não das regiões autónomas. Decisões de Pequim, executadas pelos governos locais, que mostram pouca ou nenhuma margem para temperar os impulsos do Poder Central.

Os receios têm por isso razão de ser. Mas as explicações do regime também. Importa aceitá-las como boas, até porque é nesse quadro que de facto se pode pugnar para que sejam respeitados os valores que o próprio regime promete garantir. O Código Penal é de origem ocidental, bem como a Lei de Imprensa. Logo, quando o proponente garante que a Lei de Segurança não pode contradizê-los dá a resposta que tem de ser ouvida. Assim comprometendo-se com ela.

Nada em Macau hoje é feito contra o Poder Central. Realidade que tem observação prática, e serve o momento político em Pequim e em Macau. Mas não era no antigo regime colonial, então sob a batuta de Lisboa, que de democrático nunca teve nada. Os direitos, liberdades e garantias em Macau estão cada vez mais nas mãos da interpretação que deles faça o regime chinês… e dos tribunais locais, aos quais se deve exigir muito maior independência do que aquela que hoje mostram. É por isso ao próprio regime político a quem se deve cobrar que cumpra o que promete. A todos nós, nesta fase, cabe acreditar no que nos é explicado, e zelar para que assim seja. Com a liberdade que nos é prometida.

Porque se não houver, terá de ser dito – e de forma clara.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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