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Se o bilinguismo morre, Macau também

Guilherme Rego*

Foi um tema abordado pelo PLATAFORMA, mas que o jornal Tribuna de Macau dissecou com excelência. Advogados portugueses consideram que a lei não está a ser respeitada, e que a consagração do português como língua oficial, “bem como o princípio da sua igual dignidade”, não está a ser cumprida nem nos Tribunais, nem na Administração Pública.

Não são só os advogados que vivem a degradação do uso do português, mas sim toda a comunidade. E quanto mais pequena fica, menos força tem para alterar a tendência atual.

Comecemos pelos fatores que justificam esta queda: a pandemia levou muitos portugueses a regressarem a Portugal. As alterações legislativas durante esse período também, por temerem as consequências da aproximação com a China. A imigração apertou para resolver o desemprego local.

E esse discurso levou a comunidade a sentir que Macau é cada vez mais hostil aos portugueses (e estrangeiros).

O facto de a maioria da população não dominar a língua, e essa proporção ser cada vez maior, traz consigo consequências naturais. O português cai em desuso nos setores profissionais e começa a tecer-se um muro de entendimento. A Administração Pública tem pouco contacto com a cultura portuguesa e, quanto menos forem, maior será a barreira cultural.

Ao contrário de muitos, não acho que este enquadramento seja propositado. Há vários interesses em jogo que culminam na perda de força do português. Quer dar-se prioridade aos residentes (na sua maioria chineses). As fichas estão viradas para dentro, dando primazia à integração regional com o Continente (politicamente é o que se tem de fazer). E há uma aposta clara em atrair os milhões de turistas (chineses), ainda que apostando mais nos mercados internacionais.

Inevitavelmente, estas prioridades diminuem o foco na construção da ponte sino-lusófona. Ponte que, por sinal, não se resolve com talentos bilingues apenas. Tem de haver compreensão das culturas, e isso aprende-se interagindo com as comunidades. Sem isso, os índices de confiança comercial serão baixos, porque se fala a mesma língua, mas não se fala da mesma coisa.

Não se pode ignorar os factos. Os Tribunais e Administração Pública não dão a mesma resposta às duas línguas oficiais. Os portugueses vêm cada vez mais limitações no seu trabalho, havendo até pressões para serem substituídos pelos seus colegas chineses para facilitar os processos – enfraquecendo mais ainda a língua.

Funcionários públicos portugueses queixam-se das dificuldades acrescidas para subir na carreira – os cursos de formação profissional em português ou inglês são cancelados porque as vagas não são preenchidas (há poucos portugueses na Função Pública). Há enormes dificuldades em entrar nos concursos da Administração, porque lhes é pedido o domínio da língua chinesa. Os próprios jornais também sentem dificuldades, quando as questões ao Governo são submetidas em português e as respostas entregues em chinês.

A falta de recursos é clara, os obstáculos impostos por quem deveria facilitar também. Há um desfasamento com a realidade vaticinada por Pequim e que parece não repercutir em Macau. Há a promoção de uma cidade onde se respira o bilinguismo e a cultura portuguesa, quando na realidade testemunha-se uma degradação.

Perante o contexto, a questão é pertinente: “Porquê apostar no bilinguismo e nas relações com a Lusofonia?” A resposta é: “O que mais pode Macau fazer?” As indústrias emergentes não são características únicas de Macau. A cidade não tem essas vantagens competitivas, muito pelo contrário. Faz muito bem em desenvolvê-las para criar a diversificação económica.

Mas há uma característica que sempre nos distinguiu; não emergiu ontem, mas parece desvanecer com o tempo. O bilinguismo e a tela intercultural são as únicas reais valências de Macau na reafirmação do seu estatuto especial aos olhos da China. É o que nos distingue na Grande Baía e nos confere vantagens comparativas nas relações com o mundo lusófono. Sem isso, pergunto, que vantagens competitivas tem Macau?

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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