Air Macau sem monopólio nem concorrentes

por Gonçalo Lopes
Nelson Moura

O fim do monopólio da Air Macau está para breve. Membros do setor da aviação dizem que é uma oportunidade para aumentar o número de rotas, expandir mercados turísticos, e tornar os preços mais atrativos. Mas há dúvidas sobre a atratividade do Aeroporto Internacional de Macau nesta altura. Companhias aéreas ainda recuperam dos prejuízos acumulados e não há estudos suficientes sobre a capacidade do aeroporto competir pela região

A conversa não vem de agora. Foi em 2019 que a Autoridade de Aviação Civil informou a Air Macau que o seu monopólio iria terminar. Mas a pandemia forçou as autoridades a darem passos atrás: a 9 de novembro, prorrogava-se a concessão por mais três anos, ou até que fosse implementado um novo regime de exploração concorrencial.

Entretanto, o Governo da RAEM já conclui o projeto de lei que vai acabar com o monopólio da companhia aérea e este deve ser submetido à Assembleia Legislativa nas próximas semanas, conforme avançou a Rádio TDM Macau.

O contrato de serviço público de transporte aéreo de passageiros, bagagens, carga, correio e encomendas postais de e para Macau, foi celebrado a 8 de março de 1995. A validade era de 25 anos a partir da entrada em funcionamento do Aeroporto Internacional de Macau.

Este acordo de mais de duas décadas garantiu que a Air Macau tivesse direitos de franquia exclusivos como a única empresa local autorizada a operar no aeroporto.

Em comentários ao PLATAFORMA, Samuel Tong, diretor-geral do Instituto de Pesquisa das Políticas de Aviação Civil de Macau, considera que ao quebrar os direitos de exclusividade da Air Macau, as autoridades locais estão a expandir as possibilidades de exploração do aeroporto local.

Segundo o especialista, o desenvolvimento de rotas modernas das companhias aéreas de voos civis é baseado no modelo “hub-and-spoke”, ou seja, na combinação de preços entre operadores de mercado, de forma indireta, através de fornecedores comuns. Como na RAEM as companhias aéreas não podiam operar como transportadoras domésticas, esse modelo nunca foi aplicado e o Aeroporto Internacional de Macau nunca foi atrativo.

“No futuro, quando terminar o direito exclusivo da Air Macau, será mais atrativo para um novo concorrente estabelecer-se no Aeroporto Internacional de Macau para desenvolver novas rotas, o que irá beneficiar a diversificação das fontes turísticas”, aponta.

“Cria mais oportunidades para os cidadãos de Macau poderem sair diretamente do Aeroporto Internacional de Macau. Ao mesmo tempo, mais turistas podem vir a Macau através de voos diretos”, começa por dizer Stanley Kan, presidente da Associação de Intercâmbio de Aeronáutica da Grande Baía.

A concorrência não só criaria novas rotas, como também motivaria a redução dos preços praticados pela Air Macau. Quem o diz é um antigo funcionário da companhia, que pediu anonimato ao nosso jornal. “Também é provável que aumente as frequências e reduza as tarifas aéreas em qualquer rota com nova competição. Veja-se como a Air Macau retomou Singapura depois de a Scoot ter operado uma rota durante a pandemia”.

“É também uma boa abordagem para o emprego local e internacional, como tripulantes, engenheiros e mecânicos, bem como para a expansão do negócio aéreo, que inclui assistência em terra, engenharia, catering, IT, assistência aeroportuária, etc. Podemos esperar que a qualidade geral dos serviços e assistência aos passageiros seja melhorada, o preço dos bilhetes se torne mais competitivo e a seleção de produtos seja mais variada, a fim de se adaptar às necessidades individuais dos passageiros.

Será também uma boa oportunidade para analisar a parte da formação, que é a exploração adicional para promover o talento da aviação local”, acrescenta Stanley Kan.

No entanto, Tong avisa ser ainda necessário avaliar a competitividade global do Aeroporto Internacional de Macau na região, incluindo a sua capacidade de mercado de passageiros, mercadorias e se o nível de taxas de serviço é atrativo.

Subconcessões falhadas

O contrato de concessão prevê que a Air Macau possa ceder, total ou parcialmente, os direitos de tráfego, desde que obtenha autorização para tal. Até agora a Air Macau realizou três subconcessões, todas com um fim inglório.

Estas incluíram contratos com a Macau Asia Express – uma companhia aérea ‘low-cost’ fruto de uma ‘joint-venture’ que resultou de uma parceria com a China National Aviation Corporation e o grupo Shun Tak – e com a Golden Dragon Airlines, detida maioritariamente por Stanley Ho.

Enquanto estes dois projetos nunca chegaram a bom (aero)porto, a Viva Macau aproveitou a sua subconcessão entre 2006 a 2010, até finalmente declarar falência. Com um novo regime de licenças para companhias locais, abrem-se novas portas de exploração do mercado da aviação de Macau.

Muitas companhias áreas retomaram operações no aeroporto local desde a reabertura das fronteiras em fevereiro deste ano, incluindo operadoras como a AirAsia, Scoot, Spring, Shenzhen, EVA, Starlux, China Eastern, Air China, Xiamen, Bamboo, VietJet, Juneyao, Hainan, Jin Air e a Air Busan.

A operadora low-cost malaia, Air Asia, foi até agora quem mais claramente revelou intenções de tentar a sua sorte e estabelecer uma filial em Macau. Embora a empresa escolha não divulgar ao PLATAFORMA os seus planos para a RAEM, o diretor-geral da Air Asia China, Frank Tang, mostra interesse: “Estamos sempre abertos a qualquer possibilidade de fornecer maior conectividade entre e Área da Grande Baía e Macau nas condições comerciais e regulatórias adequadas.”

Defesa do território

O antigo funcionário da Air Macau enfatiza ao PLATAFORMA que apesar da companhia aérea ter acumulado perdas consideráveis nos últimos três anos, já conseguiu recuperar quase toda a sua rede de ligações pré-Covid.

No conjunto dos três anos de pandemia, a Air Macau sofreu prejuízos totais de 2.46 mil milhões de renminbis (cerca de 2.89 mil milhões de patacas), de acordo com relatórios da Air China.

Só em 2022, a companhia aérea local fechou o ano com prejuízos líquidos superiores a mil milhões de patacas, uma subida de 29 por cento face ao ano anterior.

De acordo com este antigo funcionário, a administração da companhia área está sob pressão para repôr a rede pré-Covid o mais rápido possível.

A operadora tem apostado num aumento gradual da frequência de rotas e da rede dos voos internacionais de Macau para o Nordeste e Sudeste Asiático, contribuindo para os planos do Governo da RAEM em expandir o mercado internacional.

Isto inclui um aumento de rotas e frequência para destinos como o Japão, Coreia do Sul, Tailândia, Singapura e Taiwan.

O antigo trabalhador, que conhece bem a operação da companhia, explica que a Air Macau enfrenta agora várias dificuldades para recuperar a operação por completo. Há aeronaves que não estão em Macau e faltam trabalhadores qualificados em determinadas áreas – algo que atualmente acontece um pouco por todo o mundo. “A frequência de algumas rotas foi reduzida, fazendo com que algumas aeronaves estejam atualmente baseadas em Chengdu e reservadas para a Air China. Por outro lado, muitos funcionários saíram por motivos relacionados com a Covid-19. As aeronaves vão regressar eventualmente, bem como a base de funcionários. Também é importante notar que há uma escassez global de manipuladores de aeroportos e controladores de tráfego aéreo, o que também está a dificultar a recuperação das companhias aéreas em todo o mundo.”

Ao nosso jornal também explica que os potenciais concorrentes podem ser atraídos pelas tarifas aéreas, que tendem a ser altas, mas a subcapitalização da grande maioria das companhias aéreas pode desincentivar novas perdas no curto prazo. “O maior argumento contra a nova concorrência é que a maioria das companhias aéreas está subcapitalizada após três anos de perdas da Covid-19. Poucas companhias aéreas terão o desejo de absorver anos de perdas iniciais.”

Sobre os prováveis candidatos a uma licença, atira China Eastern, Juneyao e outras companhias aéreas de baixo custo, como a Spring.

“Em 2019, a Air Asia não escondeu o desejo de ter uma base em Macau. Mas o facto de a Air Macau ter obtido rapidamente uma extensão de três anos do seu monopólio sugere que a AirAsia não é a escolha preferida das autoridades locais. Além disso, a Air Asia está ainda a finalizar a sua própria reestruturação”, salienta.

“A Air China, principal acionista da Air Macau, também não deve aceitar qualquer nova concorrência. Tem várias maneiras de aplicar pressão competitiva e política.” De acordo com esta fonte, a Air Macau poderia tentar impedir qualquer novo concorrente de operar nas principais rotas lucrativas, como Pequim e Xangai, “tal como fez com a Macau Asia Express”.

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