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Susana Baca: “O Peru ser um país multicultural está presente na música como na gastronomia”

Diário de Notícias

Trivencedora dos Grammy Latinos, Susana Baca tem 3 concertos em Portugal, o primeiro já 5.ª feira em Lisboa, no Tivoli. O DN conversou via Zoom com esta antiga professora, de 78 anos, que canta o amor, mas também o protesto contra os políticos que, diz, prometem e nada fazem.

Explica-se muitas vezes o sucesso global da gastronomia peruana por ser uma mistura de culturas que se aperfeiçoou no Peru. Pode-se dizer o mesmo da música peruana, que é uma mistura de culturas?

Sim, claro. Essa característica que tem o Peru de ser um país multidiversificado, multicultural, está presente em todas as expressões – na música, no teatro, na dança e, sobretudo, como se tem apreciado muito, na gastronomia. Há, por exemplo, jovens que estão a tentar fazer molhos com frutos da selva, eles não são da selva, mas estão a inventar, a aprender, a conhecer o país.

Como é que podemos notar essa mistura na sua música? É muito afro-peruana? Tem também presente o elemento indígena?

Tem o elemento indígena, sim, devido, por exemplo, à convivência dos indígenas com os colonos e os africanos escravos. Os andinos dirigiam-se para a costa em busca de trabalho e ficavam nas entradas das povoações até que os contratassem para a colheita do algodão, da cana-de-açúcar. Então, aí, no campo partilham a dor da vida semi-escrava para uns e para outros totalmente escrava. Assim, partilham as crenças, a música, já que numa certa altura do dia, no tempo de descanso antes de reiniciarem os trabalhos, cantavam as suas músicas e partilhavam-nas com as outras pessoas.

Agora vai voltar a Portugal, tem três concertos. O que vai cantar? Sempre os temas mais tradicionais mas também as novas composições?

Eu vou levar para Portugal o último disco que gravei e a que chamei Palabras Urgentes. Eu cantei sempre poemas, canções de amor, canções tradicionais que renovo, sempre usei esse material, mas também tive muitos sucessos, na América Latina sobretudo, com temas sobre a corrupção, a revelação da corrupção que havia nos nossos países. Nessa altura não se podia continuar a cantar o amor, tive de dizer coisas muito fortes como nessa grande composição que surgiu na Argentina e que é um tango muito famoso – Cambalache – e muito antigo, mas cujas palavras estão muito atuais, pois fala de corrupção e dos corruptos. No nosso país, quase todos os ex-presidentes dos últimos anos estão presos por corrupção.

Então a sua música é também de intervenção política?

Sim, claro. Falo das dores de descobrir como fomos enganados pelos políticos, canto em homenagem à independência do Peru, à independência da América. Começo o disco com a canção La herida oscura, e canto também a música de um argentino que é uma homenagem a quem lutou pela independência da América Latina. O disco tem homenagens, tem canções duras, de crítica, e também canções de amor.

Falou das influências da música latino-americana, do tango argentino, por exemplo. Pode-se dizer que existe uma música da América Latina? Que há muito em comum na música peruana, de Cuba, do Brasil, da Argentina? Existe uma comunidade cultural latino-americana?

Sim, existe. Os artistas, nos momentos difíceis, e houve momentos muito difíceis como foi na pandemia em que não podíamos dar concertos, o que foi terrível, sempre se uniram. Começámos a partilhar música, tocávamos num programa gravado e depois difundíamo-lo, Nós, artistas, não queríamos ficar em silêncio. Durante esse período trabalhei com Omar Sosa, por exemplo, um músico cubano com quem gravei um disco que sairá em breve e que é uma homenagem a Bola de Nieve. Foram esses os caminhos que encontrámos e, quando os países abriram depois da pandemia fomos à Argentina, ao Chile e ao Uruguai onde partilhámos a música com os artistas desses lugares e cantámos juntos. A pandemia foi muito triste para todos nós artistas.

Tem formação como professora. Pensa que um dos problemas da América Latina é o facto de muitos países não terem vencido a batalha da educação, que as desigualdades têm que ver com a necessidade de educar os povos?

Eu penso que a educação é fundamental, e isto é dito por grandes pensadores e por pessoas simples, sensatas, como pais de família que dizem que a única salvação para que os filhos possam sair da pobreza é estudar. Essa foi a herança da minha mãe, que não conseguiu que os meus irmãos mais velhos chegassem à universidade, a única que chegou ao ensino superior fui eu, a filha mais nova. Para que eu me pudesse inscrever na Universidade Nacional de Educação ela vendeu a sua máquina de costurar, vendeu o o que pôde para arranjar o dinheiro. Portanto, eu penso que os governantes que temos tido têm estado muito ocupados com outras coisas e não se empenharam no trabalho para que a educação seja um direito democrático e que todos possamos aceder à educação. Ainda há regiões no meu país em que os jovens têm de migrar para outras cidades porque não têm nas suas povoações escolas onde possam estudar.

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