Conceito chinês ‘um país dois sistemas’ “é passado”

por Gonçalo Lopes

A investigadora Raquel Vaz Pinto considera que o princípio constitucional chinês instituído pelo antigo líder chinês Deng Xiaoping, ‘um país, dois sistemas’, “é passado. Já não se verifica” na prática.

“No seguimento do que tem sido a própria realidade de Hong Kong, a ideia de ‘um país, dois sistemas’ é passado. Já não se verifica”, considera Raquel Vaz Pinto.

O conceito, inscrito no artigo 31.º da Constituição chinesa e originalmente proposto por Deng Xiaoping para a unificação total do país, foi aplicado pela primeira vez em 1997 e 1999, com a transferência de soberania de Hong Kong e de Macau, respetivamente.

A aplicação na prática do princípio constitucional foi balizada pelas Declarações Conjuntas que o Reino Unido e Portugal subscreveram com a República Popular da China, que contemplam durante 50 anos um determinado grau de autonomia para as duas Regiões Administrativas Especiais (RAE), com foco no respeito pelas liberdades e garantias dos cidadãos de Hong Kong e de Macau.

No que diz respeito ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias nas duas RAE, a investigadora Raquel Vaz Pinto considera que “há sinais muito preocupantes”, mais visíveis em Hong Kong, enquanto no caso de Macau, “seria bom que passasse a ter justamente essa mesma visibilidade”.

Uma oportunidade para tornar mais visível a situação em Macau está na visita oficial que o presidente do executivo de Macau, Ho Iat Seng efetua a Portugal entre os dias 18 e 22 deste mês.

“É uma visita diplomaticamente importante. Há também aqui a defesa de interesses históricos culturais, mas também dos direitos e das liberdades em Macau” porque, sublinha, “esta China de XI Jinping [atual líder chinês] tem tido uma tónica cada vez mais assertiva, nalguns casos mesmo agressiva, naquilo que é uma maior repressão em termos de direitos humanos, seja na perspetiva mais dos direitos cívicos, seja na perspetiva mais das liberdades”.

Raquel Vaz Pinto reconhece que a República Popular da China “não está de todo, e não tem estado, disposta a ouvir comentários, críticas ou qualquer expressão que possa ser incómoda”, o que a leva a concluir que “esse não querer ouvir não é um bom princípio de conversa”.

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Sobre o que Portugal pode fazer para colocar na agenda a situação dos direitos. Liberdades e garantias em Macau, conforme estabelece a Declaração Conjunta Sino-Portuguesa, assinada em 13 de abril de 1987, que formalizou a transferência da soberania de Macau em 20 de dezembro de 1999, a investigadora defende que “há várias formas de o fazer”.

“Portugal pode perfeitamente expressar a sua preocupação face ao que está a acontecer e, portanto, penso que nesse sentido, essa seria uma contribuição importante para a discussão sobre o que é hoje a Lei Básica de Macau, o que é hoje a realidade deste sistema [um país, dois sistemas] em versão Macau, que cada vez mais parece algo do passado”, afirma.

“Para além das violações de direitos humanos no terreno e estamos aqui a falar de vidas de pessoas concretas, há também aqui uma questão do ponto de vista até do precedente, que é esta questão do Estado de Direito ou do ‘rule of law’ ou esta ideia de cumprir os tratados e os acordos que são assinados”, acrescenta.

Trata-se de um aspeto “muito importante apesar da retórica chinesa face a um conjunto de outros tratados”.

“Aquilo que Hong Kong demonstra de forma clara é que, nos casos que não vão ao encontro do que é o interesse nacional da China, há uma forma seletiva de entender os acordos e os tratados internacionais”, adianta.

Sobre o que pretende a China com a visita de Ho Iat Seng, a primeira que o presidente do executivo de Macau faz fora da República Popular da China, e se o real interesse recai nas antigas colónias portuguesas em África, Raquel Vaz Pinto é de opinião que Pequim, “de forma muito inteligente, como aliás em muitas outras áreas da sua política externa nas últimas décadas, o que tem feito é um trabalho muito consistente de aprendizagem da língua, aprendizagem das culturas e tem feito um trabalho sistemático que teve, evidentemente, alguns problemas de relacionamento”.

“No início desta vaga, desta aposta em termos de investimento em alguns países africanos houve alguns conflitos em termos laborais, conflitos de relacionamento também, tendo em conta as matérias-primas críticas, a própria relação com algumas elites que não são, que não podemos considerar democráticas ou pelo menos transparentes no que toca a algumas das suas contas públicas. Portanto, houve aqui críticas, houve dificuldades de relacionamento”, recorda.

“Mas, dito isto, a China tem feito um investimento extraordinário em termos de perceber a língua, de entrar, estar, participar, seja na própria União Africana como um todo”, conclui.

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