Requalificação industrial preza simplicidade

por Gonçalo Lopes
Inês Lei

Urbanistas qualificam a recuperação da Antiga Fábrica de Panchões do IecLong como um exemplo a seguir. A revitalização deste património industrial demonstra que a simplicidade é bem recebida entre os residentes, ainda que haja margem para desenvolver o espaço

A Antiga Fábrica de Panchões Iec Long abriu ao público em dezembro de 2022, depois de estar abandonada quase 40 anos. Outrora a maior fábrica de panchões de Macau, inaugurada em 1950, ficou sem destino devido a questões de propriedade e ao declínio da indústria.

A ideia original passava por reconverter a fábrica num parque temático, uma reconfiguração que não chegou a andar para a frente e difere daquela que se vê hoje: tanto as estruturas antigas como a biodiversidade do local foram preservadas, e a única alteração à estrutura original foi a construção de um passadiço de madeira, para facilitar a passagem dos visitantes.

O lote foi inspecionado pelo Instituto Cultural (IC), em dezembro de 2020. Nessa altura, comunicou que o espaço estava em ruínas. Só depois de concluídos os trabalhos de limpeza preliminares, retirando o lixo e a vegetação selvagem, é que foi possível verificar as condições gerais da fábrica e dar início ao projeto de requalificação.

REQUALIFICAÇÃO SIMPLES

No dia em que o PLATAFORMA se deslocou à antiga fábrica, passeava por lá um casal que há muito vive nesta zona antiga da Taipa. Segundo o que disseram ao jornal, desde a requalificação da área que aqui passam quase todos os dias. A Sra. Wang, que estudou arquitetura, refere que não entrava na fábrica há décadas. O facto de se ter mantido o seu estado original e optado por um ambiente mais tranquilo é um ponto a favor na opinião do casal, que não queria ver o espaço transformado numa típica atração turística.

“É uma visão rara em Macau. Nesta zona antiga da cidade há sempre muitos turistas por perto. Ao menos agora há um bom sítio para passearmos descansados.”

O urbanista Rhino Lam explica que a atual utilização da fábrica de panchões é uma solução simples e segura, sem transformar desnecessariamente o local. Na sua opinião, o facto de o plano de revitalização não ter delineado demasiados objetivos tornou a gestão das expetativas mais fácil, tendo ainda margem para futuras alterações.

NOVO FOCO

Analisando as muitas propostas de conservação do IC no passado, o urbanista defende que os projetos anteriores eram demasiado ambiciosos, numerosos ou inadequados, acabando por não produzir os efeitos esperados.

“A revitalização da fábrica de panchões está mais focada em preservar os seus traços históricos e restaurar a sua ecologia natural”, explica Chan Chiu Yee, membro do Conselho de Planeamento Urbanístico. “Em todo o parque, a paisagem original manteve-se inalterada. Ao contrário da vontade anterior, que era tratar o local como um museu, a manutenção da sua originalidade foi o foco principal da revitalização. Desta forma, não houve necessidade de grandes construções, permitindo ao público aproximar-se do espaço e história originais.”

Contudo, Chan Chiu Yee considera que poderia haver maior aproveitamento do espaço, com mais atividades que dessem a conhecer o valor cultural e significado histórico deste património.

REPRODUZIR EM LAI CHI VUN

Em 2017, o IC recebeu um pedido de um grupo local para iniciar o procedimento de classificação dos estaleiros navais de Lai Chi Vun, de acordo com a Lei de Salvaguarda do Património Cultural. Em 2018, após ter sido oficialmente avaliado, foi considerada como área de interesse cultural relevante.

Nessa altura, a presidente do IC, Deland Leong Wai Man, disse à comunicação social que o projeto de revitalização dos estaleiros X-11 a X-15 foi “satisfatório”, e que a requalificação incluiria espaços dedicados a exposições de construção naval, apresentações ao ar livre, casas de banho públicas, exposições, oficinas, entre outros.

O Governo optou por uma direção diferente na requalificação deste espaço, olhando para a Antiga Fábrica de Panchões IecLong. Rhino Lam acredita que ambos os projetos almejavam um objetivo “simples e seguro”, mas que em termos práticos, a Povoação de Lai Chi Vun está numa zona residencial com uma rede de transportes deficitária, limitando o seu acesso.

Por outro lado, apela ao equilíbrio, apontando para o sucesso obtido na fábrica de panchões.

“Depois de vários anos fora de serviço, a ecologia natural na fábrica proliferou, com inúmeras árvores e canais de água. No processo de requalificação conseguiram um equilíbrio entre a sobrevivência da fauna e fora, preservação do espaço e aproveitamento turístico.”

TERRENO MOVEDIÇO

Desde 1999 que se debate esporadicamente a preservação e possível reutilização da Antiga Fábrica de Panchões Iec Long. Em 2002, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes apresentou o ordenamento do território nas imediações da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo na Taipa. Nesse plano o terreno seria transformado num grande parque temático, preservando a aparência da zona antiga da Taipa.

No entanto, tal acabou por não ir avante, com a fragmentação dos direitos de exploração do terreno e falta de transparência na sua transferência a dar azo a suspeitas de conluio entre o Governo e as empresas envolvidas.

O caso remonta a 2001, quando foi assinado um “termo de compromisso” entre o Executivo e a Sociedade de Desenvolvimento Predial Baía da Nossa Senhora da Esperança SA, e que visava “a troca de todas as parcelas de terreno” onde está situada a antiga fábrica por um terreno na Baía da Nossa Senhora da Esperança.

Esse acordo visava ainda “a cedência de parte dos direitos a uma outra sociedade”, pela qual a Sociedade acima referida terá recebido 500 milhões de dólares de Hong Kong. O objetivo desta troca de terrenos seria “a construção de um complexo turístico e habitacional, a definir no plano de aproveitamento a elaborar pela recorrente”.

Em termos práticos, esta permuta permitiu a esta companhia trocar um terreno originalmente com uma área de 1.655 metros quadrados por uma área 90 vezes maior.

No entanto, em 2017, um despacho assinado pelo então Chefe do Executivo, Chui Sai On, anulou este procedimento por “existir uma impossibilidade legal”, o que levou a um recurso apresentado pela Sociedade junto do Tribunal de Segunda Instância (TSI), que o considerou improcedente. No rescaldo do processo, grande parte do terreno acabou por reverter para o Estado.

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