“Se Macau quer diversificar a sua economia e manter o seu estilo de vida vai ter de encontrar uma capacidade de inovar”

por Gonçalo Lopes
Nelson Moura

A aposta no investimento e projetos e parcerias de investigação científica entre os Países de Língua Portuguesa e a China, com Macau como eixo, suspenso durante a pandemia, deve ser continuado disse, em entrevista, ao PLATAFORMA, o Presidente da Associação Científica China-PLP, David Gonçalves. O investigador aponta que a pesquisa científica é ângulo de ataque importante para com a tal desejada diversificação económica da cidade

Desde que foi criada em 2021, quantos projetos e parceiras a Associação Científica China-PLP ajudou a criar?

David Gonçalves – A associação não foi criada para apoiar projetos propriamente ditos, mas para suportar, desenvolver e promover uma rede de investigadores localizados. Isto nos PLP, na China continental ou em Macau, para permitir facilitar o desenvolvimento de projetos de investigação, e outras atividades, sendo que a associação, em si, não é a entidade financiadora desses projetos, mas meramente uma entidade que visa facilitar a comunicação entre os dois lados, via Macau.

Aquilo que fizemos foi organizar um simpósio há dois anos em que se discutiu e houve várias apresentações sobre qual é a situação atual referente a investigação conjunta na China e nos PLP. Foi coorganizado em Dezembro de 2021 com o Centro Cultural e Científico de Macau e a Associação dos Amigos da Nova Rota da Seda. Nessa conferência deu-se o primeiro passo desta associação recente, precisamente para fazer um ponto da situação.

Este ano estamos a planear uma nova conferência planeada para a primeira semana de junho, sobre investigação científica Portugal-Macau. Esta iniciativa deve-se ao facto de que em 2019 ter sido aberta uma linha de ifnanciamento para projetos conjuntos de investigação entre Portugal e Macau pelo Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da
Tecnologia (FDCT) e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que depois não teve continuidade, não sabemos se tem apenas a ver com questões relacionadas com a pandemia ou outras questões de financiamento.

A ideia desta conferência é por um lado fazer um ponto da situação dos três projetos conjuntos que na altura foram aprovados e pensar um pouco quais foram as vantagens e os obstáculos que estes projetos evidenciaram e o que se pode fazer daqui para a frente.

Portanto, a associação pretende tentar reavivar este mecanismo de financiamento?

D.G. – Parece-nos que era um mecanismo de financiamento e cooperação interessante que existia e que julgamos ter interesse em ter continuidade. Queremos que haja vontade dos dois lados e queremos tentar perceber porque é que estes projetos não têm tido continuidade e o que a associação pode fazer para agilizar este tipo de projetos.

Isto é o que está “na calha” agora, mas a associação serve acima de tudo para pôr em comunicação investigadores na China continental ou nos PLP e que queiram fazer algo que passe por Macau.

Há muita coisa a ser feita diretamente nos PLP e na China, mas esse não é o foco da nossa ação. Tudo o que sejam ações conjuntas que passem via Macau e que possamos agilizar estamos cá para ajudar.

Macau tem um papel essencial para usar esse ‘know-how’ que já cá existe, mas poder organizá-lo de uma forma mais estruturada e levar estas ações de cooperação para um nível superior

Quantos membros estão registados na associação de momento?

D.G. – Temos cerca de 70 membros. A adesão à sociedade é gratuita e não há quotas, por isso qualquer pessoa de PLPs, Macau ou China continental que queria aderir é só ir ao nosso website e preencher o nosso formulário. Com essa adesão recebe informações mais regulares sobre as atividades da associação.

Tenho que dizer que a associação foi criada recentemente e não está de todo ainda em velocidade de cruzeiro, está ainda na fase de desenvolvimento para cimentar a sua própria estrutura em termos da organização para assim poder fazer mais do que temos feito até à data.

O que temos feito até agora tem sido através do empenho dos nossos associados em determinadas ações, que tiram do seu tempo para poder promover estas atividades no âmbito da associação.

Para elevarmos o que é o alcance da associação temos que elevar ainda a sua estrutura, mas acho que isso vai acontecer dentro dos próximos dois anos.

Como podem estas parcerias científicas PLP-China beneficiar da ligação com Macau?

D.G. – Os fundadores e os atuais sócios, o que identificaram na altura, e creio que isto era óbvio para qualquer pessoa que vive em Macau há algo tempo, é haver vontade de cooperar entre os dois lados. Mas muitas vezes há uma certa dificuldade de comunicação, em identificar vias possíveis de cooperação, seja através dos instrumentos financeiros disponíveis ou de outros obstáculos que possam ser vistos à partida como intransponíveis e que dificultem que a cooperação chegue a bom porto. Nós achamos que Macau sabe falar bem com os dois lados, as pessoas que estão em Macau já colaboram há muito tempo, quer sejam de nacionalidade chinesa, portuguesa ou de outros PLP.

Há muito tempo que fazem investigação científica no território e estão habituadas a este diálogo com colegas nos PLP e na China continental.

Muitos projetos individuais já fazem essa ponte entre os dois lados. Acho que Macau tem um papel essencial para usar esse ‘know-how’ que já cá existe, mas poder organizá-lo de uma forma mais estruturada e levar estas ações de cooperação para um nível superior.

Este desenvolvimento científico em Macau é muito recente comparado com o que se passa na região. O desenvolvimento cientifico a sério em Macau começou ontem

Eu se calhar chamava atenção para o seguinte, vários PLP, Macau e até certo ponto a China estão numa fase de desenvolvimento económico e social em que encontram diferentes desafios com várias razões. Portugal e a Europa têm algumas dificuldades económicas atuais devido a um determinado contexto. Em Macau os obstáculos são diferentes e têm mais a ver com a necessidade de diversificar a economia e afastar-se um pouco da monocultura do jogo, e a própria China enfrenta desafios económicos
de médio prazo.

Pensamos que a possível solução para isto é aumentar a capacidade de investigação e inovação nestas regiões que permitam depois levar ao aparecimento de produtos que tragam mais-valias e que levem ao desenvolvimento da economia.

Macau se quer diversifcar a sua economia e manter o seu estilo de vida vai ter que encontrar uma capacidade de inovar e desenvolver uma indústria de valor acrescentado obviamente assente em investigação científca.

Tem-se falado pouco de cooperação ao nível de investigação científca em Macau, fala-se muito de cooperação noutras áreas, entre a China e os PLP, mas fala-se pouco desta área.

Por exemplo, nós não temos nenhum centro de investigação propriamente dito de dimensão signifcativa através de uma parceria Macau-PLP ou Macau-China-PLP. Também não temos nenhuma instituição de ensino superior que resulte de alguma pareceria semelhante. Temos projetos pontuais, mas nada de maior escala. Eu acho que há essa oportunidade e essa vontade, mas muitas vezes há difculdade em executar.

Macau se quer diversificar a sua economia e manter o seu estilo de vida vai ter que encontrar uma capacidade de inovar e desenvolver uma indústria de valor acrescentado, obviamente assente em investigação científica

Esse, portanto também é um dos objetivos da associação, com tempo, tentar ver uma cooperação científca de maior escala e que de facto sirva não só Macau mas também a China continental e os PLP. Acreditamos em promover a investigação científca porque acreditamos que é isso que está na base de um desenvolvimento económico e social sustentável.

Como descreveria o nível da investigação científca que se faz em Macau?

D.G. – Os índices de desenvolvimento em Macau têm progredido de uma forma muito expressiva, quando olhamos para indicadores como o número de publicações científicas ou de patentes, nos últimos 10 e 15 anos têm crescido de uma forma significativa, e muito em parte pelo investimento em ciência que o governo de Macau tem realizado através do FDCT, mas não só.

Mesmo assim, são indicadores que ainda estão longe dos da China, Hong Kong ou outras regiões com quem a cidade se quer comparar. Portanto, está no bom caminho, mas este desenvolvimento científco em Macau é muito recente comparado com o que se passa na região.

O desenvolvimento cientifco a sério em Macau começou ontem.

É preciso continuar, fazer o caminho que outras regiões têm feito em consolidar a ciência e desenvolver e diversifcar os centros de grande qualidade na cidade. Estamos no bom caminho, houve um abanão na altura da pandemia que obviamente retirou capacidade fnanceira de investir nestas áreas, mas seria bom retomar aquilo que era feito. Uma
linha de forte investimento em forma ção de recursos humanos, alocação de verbas para projetos de investigação científca, centros de investigação e equipamentos.

De facto, através de usar a capacidade dos recursos humanos que cá existem vai se começar a usar e desenvolver centros de investigação em áreas que tragam frutos interessantes para Macau e atingir a diversifcação económica pretendida.

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