Mercado afasta risco de bolha apesar de quebra na venda de casas

por Viviana Chan
Dinheiro Vivo

Juros e inflação travam procura, mas impacto no preço das casas deverá ser diminuto. Agentes do setor falam em “estabilização” e “desaceleração do crescimento”.

Ainda não são conhecidos os dados oficiais do mercado residencial português em 2022, mas as previsões dos agentes do setor apontam para mais um ano recorde. Terão sido vendidas perto de 170 mil casas, gerando um volume de transações da ordem dos 31 mil milhões de euros. São mais uma vez valores históricos, que traduzem um aumento de 2,6% no número de habitações transacionadas e um crescimento de quase 11% no capital investido. Mas a subida das taxas de juro do crédito à habitação e o aumento do custo de vida vieram travar a linha ascendente da procura.

A conjuntura já pesa há muitos meses na carteira das famílias portuguesas e não se antevê melhoras. No entanto, os agentes imobiliários recusam liminarmente a possibilidade de uma bolha imobiliária.

As previsões de travagem na venda de casas são unânimes entre os operadores contactados pelo Dinheiro Vivo. Este ano, o mercado deverá “arrefecer ligeiramente no número de transações”, diz Marco Tairum, diretor regional da KW Portugal, opinião que é secundada por Beatriz Rubio, CEO da Remax, que antecipa “uma quebra na procura, motivada pela subida da inflação e das taxas de juro”.

O presidente da APEMIP (associação do setor), Paulo Caiado, também admite “algum abrandamento da procura, devido à deterioração do poder de compra das famílias”. Os sinais de inversão do ciclo de crescimento do mercado surgiram já no verão e agravaram-se na reta final do ano passado. No terceiro trimestre, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelava uma quebra em cadeia de 3,2% no número de transações. Os dados oficias dos últimos três meses de 2022 ainda não estão disponíveis, mas a Century 21 já revelou o registo de um decréscimo de 4,8% na sua operação neste período face ao trimestre anterior.

Este quadro de retração só agora começa a repercutir-se nos preços das casas. No último verão, o valor dos imóveis conheceu um aumento de 13,1% (as últimas estatísticas do INE). No entanto, a Century dá nota de uma descida de 5,1% no valor médio das transações que mediou nos últimos três meses de 2022. Ainda assim, a generalidade dos agentes está cética quanto à queda acentuada dos preços.

Para Beatriz Rubio, com a diminuição esperada da procura em 2023, é expectável que haja “uma estabilização dos preços e, eventualmente, um recuo em algumas zonas”. Marco Tairum acredita mais “numa estagnação”, embora possa “haver regiões onde se assistirá a uma ligeira correção”. Já Rui Torgal, CEO da Era Portugal, lembra que “os fatores que contribuem para o valor atual das casas vão continuar a ser uma realidade: escassez de oferta, custos de construção, falta de mão-de-obra, dificuldade nos processos de licenciamento e forte procura externa e do investimento”. Nessa medida, perspetiva uma “desaceleração do crescimento dos preços”. Patrícia Santos, CEO da Zome, descreve um cenário heterogéneo: “Aquilo que estamos a observar é a uma subida a taxas decrescentes do preço das casas. Em algumas zonas como Lisboa, Porto, Leiria, Braga, Loures, Vila Nova de Famalicão, há uma tendência de estabilização e, noutras, uma subida de preços como Cascais, Almada, Gondomar”.

Neste contexto, os consultores imobiliários não perspetivam nenhum risco de bolha imobiliária. “A procura de imóveis é superior à oferta, tanto por parte dos portugueses como dos estrangeiros”, sublinha Patrícia Santos. Resultado, “a pressão sobre os preços nas áreas com maior procura deve continuar a existir no curto e médio prazo”. Marco Tairum também afasta um cenário de sobrevalorização dos imóveis no país. Na sua opinião, há três fatores que limitam essa possibilidade: o nível de endividamento é muito inferior ao da crise financeira; a base da procura é diversificada, ao nível de nacionalidades, objetivos e situação financeira; e estamos em mínimos históricos ao nível da oferta. Como diz a CEO da Zome, na última década, o número de novas casas construídas diminuiu 78% relativamente aos dez anos anteriores.

Incerteza é real

Apesar de afastarem os receios de uma nova crise imobiliária, como a que sucedeu em 2008, há incertezas no horizonte. Tudo indica que o BCE irá continuar a subir as taxas de juro diretoras, possivelmente até ao verão, influenciando o aumento da Euribor e, dessa forma, agravando a prestação mensal do crédito à habitação. O rendimento disponível dos portugueses irá continuar a cair, sendo que o impacto dessas subidas ainda não está refletido na totalidade nas contas das famílias.

Como sublinha Marco Tairum, no final de 2022, “cerca de 40% de todos os empréstimos ativos com taxa variável (80% do total do mercado) estavam indexados à Euribor a 12 meses, o que significa que muitas famílias só serão impactadas no segundo semestre de 2023”. Com o aumento do custo do dinheiro, é expectável que os portugueses reforcem a procura casa em zonas mais periféricas. E essa pressão já se está a refletir nos preços nos territórios que rodeiam as grandes cidades.

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