Empresários pedem passo atrás nos vistos gold

por Viviana Chan
Dinheiro Vivo

Profissionais estão contra “ataque sem precedentes” ao investimento estrangeiro e deixam sugestões para se manter a medida.

“Portugal fechou-se ao investimento internacional, os estrangeiros já não são bem-vindos ao país. Esta é a mensagem que o governo emitiu para o mundo mundo inteiro”, analisa o presidente Associação Portuguesa da dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), Hugo Santos Ferreira.

Avolumam-se as críticas ao fim do regime de Autorização de Residência para Investimento (ARI), conhecido por vistos gold. Associações e empresários apontam o dedo à medida anunciada pelo primeiro-ministro no âmbito do programa Mais Habitação, aprovado em Conselho de Ministros, na última semana e agora em consulta pública, e pedem a António Costa que dê um passo atrás.

“Ou o governo terá o bom senso de repensar e perceber que este não é o caminho, ou que nos apresente um estudo que prove que o problema da habitação está relacionado com o impacto dos golden visa“, desafia o representante da APPII, que apelida o conjunto de medidas como um “ataque sem precedentes e uma punição ao investimento turístico e estrangeiro”.

António Costa ditou o fim ao mecanismo com dez anos apoiado no argumento do combate à especulação imobiliária, justificando que existe “uma baixíssima taxa, para não dizer quase nula, para criação de emprego, e baixíssima contribuição para outras atividades”. Leitura diferente faz o general manager da Mercan Properties, Miguel Gomes.

A empresa que integra o grupo canadiano Mercan entou em Portugal em 2015 e tem desenvolvido o seu negócio exclusivamente através da ARI. Até ao final do ano, o investimento global no país, que contempla 23 hotéis, irá ascender aos 1,4 mil milhões de euros através de 2500 vistos gold.

“Foi precisamente este programa que permitiu que o grupo Mercan criasse nos últimos anos, em Portugal, um grupo hoteleiro de referência, que emprega centenas de trabalhadores e que virá a empregar milhares de trabalhadores aquando da conclusão e entrada em operação de todas as unidades hoteleiras, que gerará importante atividade económica num setor fundamental”, defende.

O responsável considera a medida “mais ideológica do que lógica” e que, a avançar, irá levar à “perda de uma fonte muito significativa de investimento estrangeiro, que tanta falta faz ao país, e em particular ao setor do turismo”. Miguel Gomes espera, por isso, que o governo “reconsidere a decisão”.

Já o presidente da Associação Portuguesa de Resorts (APR) é perentório ao afirmar que “não são os estrangeiros os culpados de nada porque eles representam uma fatia ínfima do mercado imobiliário e essa fatia não tem capacidade para influenciar nem preços nem procura”, e alerta para os impactos económicos que poderão advir do fim do programa e da “turbulência nefasta” que o anúncio veio trazer.

“Os vistos gold deram a Portugal, desde 2012, perto de sete mil milhões de euros de investimento [6,54 mil milhões de euros e 11 180 autorizações concedidas]. É dinheiro que entrou no país que não nos custou a obter, que redinamizou a construção e deu emprego a muita gente. Isto pode acabar de um dia para o outro e não há uma substituição para este programa”, lamenta Pedro Fontainhas.

O porta-voz da APR sustenta que são necessários esclarecimentos porque o que chefe de governo ditou foi “um mar de dúvidas”. Em causa não fica apenas o investimento imobiliário, mas todas as outras vias que o ARI contempla, nomeadamente o investimento através da transferência de capitais, da criação de emprego ou do apoio à produção artística e ao património cultural, por exemplo.

António Costa esclareceu apenas que, além do fim da concessão de novos vistos, as autorizações já concedidas serão renovadas apenas se a sua utilização for para habitação própria e permanente do proprietário ou de um descendente, ou caso o imóvel seja colocado no arrendamento, a longo prazo.

Reestruturar é o caminho

A proibição não é vista com bons olhos nem pelos empresários do setor nem pelas associações. A estratégia deverá passar por uma reorganização do programa, defendem. “O fim dos vistos gold retira vantagem competitiva ao país. Deveria existir, em vez do término, uma aposta no escrutínio, de forma a perceber que tipo de vistos nos interessam. Há regiões que ganhavam com isto, empresários que alocavam investimento em zonas industriais e agrícolas e que queriam criar novos negócios e riqueza naquelas regiões”, explica o CEO da Avenue Real Estate, Aniceto Viegas, que destaca que as medidas hoje aplicadas já estavam a canalizar o investimento para o interior.

A alteração ao regime do ARI, que entrou em vigor em 2022, proibiu o investimento em habitação em Lisboa, no Porto e no litoral, sendo apenas possível realizá-lo no interior e nas ilhas. A aposta turística ou comercial era, desta forma, a única hipótese dos estrangeiros conseguirem investir nas grandes cidades através deste programa.

Também o diretor de real estate da United Investments Portugal (UIP), que detém unidades como o Hyatt Regency Lisboa, o Sheraton Cascais ou o Pine Cliffs Resort, no Algarve, aponta soluções a uma nova versão do programa e sugere a retirada por completo da componente habitacional. “Manter os serviços, os depósitos de capital, o investimento em fundos e as contribuições para programas de investigação. Este poderia continuar a ser o propósito para atrair novo capital para Portugal, sem impactar a habitação”, sugere.

Daniel Correia sublinha, ainda assim, que a culpa atribuída pelo governo aos vistos gold pela especulação imobiliária “não é real” por esta ter “uma expressão muito reduzida”. “O que está a fazer aumentar o preço da habitação é a falta de construção. Durante os últimos 10 anos tivemos níveis de construção muito abaixo da crise de 2008 e isso nota-se no mercado. Se não há construção, a lei da oferta e da procura dita que os preços têm de subir”, evidencia.

Hugo Santos Ferreira, da APPI, concorda e relembra que das 168 mil casas vendidas no país, em 2022, só mil imóveis é que foram transacionados através dos vistos dourados e devolve as culpas a Costa. “Não estamos conseguir fazer casas que os portugueses possam pagar, porque não trabalhamos do lado da oferta, não temos um governo corajoso que faça medidas para poder baixar o custo da habitação. Temos de baixar a carga fiscal, não podemos ter o Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) nos terrenos da habitação, nem IVA na construção a 23%”, indica.

O dirigente acredita que o ARI “tem maturidade para evoluir, nunca para acabar” e defende que o governo deveria fazer dos estrangeiros parte da solução e não do problema. “Incluir os vistos gold no programa de habitação era uma das saídas. Os investidores dos vistos gold estão dispostos a ajudar o país, gostam de nós e querem ter os seus filhos nas nossas universidades”, atesta.

Aproveitar os vistos gold para a captação de inovação através, por exemplo, da construção modular, mais rápida e barata, é outra das vias indicadas por Hugo Santos Ferreira.

O presidente da APPI sugere ainda mais dois caminhos para a reformulação do programa, quer através da criação de um social visa, que defina a obrigatoriedade dos estrangeiros contribuírem para a Segurança Social, quer através de um green visa, “de forma a combater a pobreza energética dos edifícios do país, obrigando os investidores a comprar edifícios com certificações energéticas altas”.

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