A muito aguardada Casa da Literatura de Macau foi inaugurada a 17 de setembro de 2022. Alguns académicos e visitantes consideram que a curadoria atual não reflete a riqueza e a diversidade da literatura de Macau
Quando se fala de literatura de Macau, o foco principal nunca é somente a literatura chinesa e portuguesa, mas o intercâmbio cultural entre o Oriente e o Ocidente. Até porque, historicamente, a literatura ocidental foi também influenciada pelas línguas orientais, como se vê no ritmo e retórica de alguns poetas ocidentais, tornando o campo literário mais rico, identifica Vera Borges, professora do Departamento de Línguas e Cultura na Universidade da Cidade de Macau.
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Particularmente em Macau, foram muitos os escritores ocidentais que escreveram sobre a cidade e a cultura chinesa. Camilo Pessanha, escritor português com obra produzida no século XIX e início do século XX, estudou a cultura e a poesia chinesa e tentou traduzir pequenos textos e poemas para o português.
A obra de Fernanda Dias, publicada muitos anos depois, reflete também o seu amor pela cultura chinesa, com elementos de ‘amor à cultura local’ presentes também em alguns escritores portugueses que viveram no estrangeiro – em Timor-Leste, por exemplo.
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“Em termos antropológicos, sociológicos e mesmo sociopolíticos, é muito, muito interessante. E agora estamos em tempos pós-coloniais e discutimos se devemos erradicar a abordagem eurocentrista. É muito interessante como esses poetas, sem negar a sua origem, conseguem fazer essa viagem por esta cultura. Simplesmente apaixonaram-se, e há exemplos disso em Macau”, descreve a académica.
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Ao mesmo tempo, esta questão identitária pode ser encontrada tanto na literatura macaense como na literatura de outras ex-colónias, o que permite a estes escritores discutir e falar sobre a experiência com uma base comum.
SUPERFICIALMENTE INTERESSANTE
Sobre a forma como a Casa da Literatura de Macau apresenta a literatura da cidade, Vera Borges, que já a visitou, indica que o edifício onde se encontra o museu é muito apelativo e que a ideia de desenhar um poema da fortuna é divertido e atrativo para os mais jovens.
“É uma ótima ideia fazer as pessoas sentirem que podem brincar com poesia, em vez de apenas ficarem entediadas numa sala de aula a aprender poesia. Há um bom equilíbrio de escritores chineses do passado até ao presente, bem como de escritores portugueses nativos modernos”, diz.
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Borges salienta ainda que se houvesse mais espaço seria possível introduzir mais material referente a escritores portugueses residentes em Macau. “’A Quinta Essência’ de Agustina Bessa-Luís, por exemplo, capturou muito bem a essência de Macau. No livro, ela fala de Camilo Pessanha e Matteo Ricci, junto com a essência da vida em Macau, a comunidade macaense e a sua relação com os chineses”.
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Borges considera também que a exposição no andar superior trouxe ao de cima o facto de que apesar de muitos escritores chineses terem passado por Macau ao longo dos anos, tem sido difícil para a comunidade de língua estrangeira conhecê-los, porque as suas obras não foram traduzidas.
“Parece que eram pessoas interessantes, muito ativas. Pessoalmente, estou muito, muito curiosa para saber mais sobre esses escritores,” revela.
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A Sra. Lam, residente local de 40 anos, conta ao PLATAFORMA que também achou interessante poder desenhar o seu próprio poema da fortuna. “Mas quando vamos ao Museu de Literatura de Taiwan, há algo semelhante. Será mesmo necessário ter este tipo de atividades?”, questiona.
A residente sentiu que, embora o musobre os principais autores portugueses, macaenses e chineses, ainda existe uma sensação de distanciamento. Espera, por isso, que o museu dê a conhecer a literatura macaense que é lida atualmente pelos residentes, o mundo da literatura que interessa a várias comunidades ou que está a ser criada e publicada.
Pan Lei, professor de estudos sociais na Universidade de Macau, indica ao PLATAFORMA que sentiu que embora a Casa da Literatura apresente várias figuras literárias da História, falta uma perspetiva contemporânea. Diz ter ficado “chocado” ao visitar um museu daquela dimensão e ver que “o conteúdo em geral é muito reduzido”.
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“Não é só uma questão de falta disto ou daquilo, mas de como o Instituto Cultural planeou o museu desde o primeiro dia quando viu que tinha apenas 74 metros quadrados de espaço. O que colocar na exposição permanente e o que colocar na exposição temática. Acho que a raiz do problema parece ser a falta de um bom planeamento e curadoria”.
EXPOSIÇÃO “CONTINUARÁ A SER ALARGADA NO FUTURO”
Ao PLATAFORMA, o Instituto Cultural indica que a coleção da Casa da Literatura de Macau é atualmente composta por mais de três mil itens/conjuntos, dos quais mais de 80 peças fazem parte da exposição permanente.
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“Além disso, existem cerca de 500 livros na sala de leitura, principalmente poemas, ensaios, romances, coletâneas, revistas culturais, livros ilustrados infantis, livros infantis, biografias, etc. Alguns livros e publicações editados pelo Instituto Cultural e relacionados com a literatura e cultura também estão em exibição. A coleção do Instituto Literário de Macau é maioritariamente em chinês, português e inglês, e continuará a ser alargada no futuro”.
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O Instituto Cultural diz ainda que a Casa da Literatura de Macau vai continuar a organizar uma vasta gama de atividades literárias, incluindo exposições com curadoria, palestras, workshops, concertos e atividades escrita, e que irá convidar escritores de diferentes regiões do mundo a visitar o museu para promover cooperação e intercâmbio.