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Otimismo e caldos de pandemia

Paulo RegoPaulo Rego*

Este início de ano é marcado pelo otimismo.

Talvez até de forma contraditória, numa altura em que a Covid-19 varre a cidade, de alto a baixo, espalhando febre e dores de corpo.

A verdade é que é precisamente essa condição, pandémica, que suporta o sorriso que rasga o horizonte. Porque apesar dos perigos para a saúde dos mais debilitados – que existem e são sérios – da rutura dos sistemas de saúde, e dos constrangimentos económicos causados pela momentânea incapacidade laboral… celebra-se a cidade aberta, que ganha alto grau de imunidade, e olha finalmente para a frente sem medo que o céu lhe caia em cima da cabeça.

O impacto da abertura, repentina e mal gerida – se é que houve alguma gestão – merece uma séria reflexão para memória futura. Era demasiado óbvio que, após três anos de bolha e isolamento, o vírus entraria feroz e velozmente pela vida de toda a gente.

Aliás, o senso comum em Macau sabe hoje que os números oficiais não refletem a real velocidade do contágio. Já é difícil encontrar alguém que não tenha tido ou não esteja a tratar de alguém que acabou por adoecer.

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E por muito que se compreenda – e aplauda – a pressa em abrir, dado o drama social, económico e político provocado pela política de casos zero, já não se compreende o caos em que se deixou mergulhar os Serviços de Saúde.

Não se encontrava uma aspirina na cidade, o que diz bem da falta de planeamento e preparação para uma decisão política que, sendo inevitável, tinha de incluir um plano de gestão de crise que foi simplesmente negligenciado.

Aliás, quer em Macau quer na China.

Essa coerência Ho Iat Seng manteve-a; seguindo sempre a batuta de Pequim. Para o bem e para o mal… quer quando fechou a cidade, quer quando a abriu.

Mas é precisamente neste caldo pandémico, ainda pesado, que ouvimos falar em 40 mil turistas por dia, recuperação económica e liberdade social…

Porque as fronteiras estão abertas, e a vida parece voltar ao normal, mesmo com a pandemia pela frente. Ou melhor: voltará tudo a ser como dantes, passado este tempo necessário para a imunidade de grupo. Os tempos mais difíceis estão a passar, diz o Chefe do Executivo. E é aqui que reencontra a coragem com a realidade.

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Porque é essa a expectativa do momento; é isso que as pessoas querem ouvir. E é isso que precisam mesmo que aconteça. O que é que vai, de facto, acontecer, essa é outra discussão, que tem de ser recuperada. Em novos moldes, à luz do novo contexto e das novas realidades. Sabe-se que a economia não recupera o seu fôlego de um dia para o outro; como se sabe que a economia dos casinos nunca mais recuperará a pujança de outrora.

E também é óbvio que a diversificação económica, anunciada há décadas, ainda não chegou. Os problemas são exatamente os mesmos que havia antes da pandemia; mas as soluções são ainda piores. Porque sendo as mesmas, arrastadas sem magia, são agora mais tardias. Sendo também ainda mais viciado o irrealismo com que são ditas.

Há, contudo, a boa nova: a vida como ela é – e não como foi em três anos de suspensão. Esse é o principal motor que gera hoje energia em Macau. E é nele que temos de voar. Janeiro merece esse otimismo – e as pessoas precisam dele.

A RAEM, essa, precisa de muito mais do que isso. Mas espera, sobretudo, que o turismo volte e o jogo recupere.

Em boa verdade, até o otimismo soa a mais do mesmo.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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