Ter ou não ter arte para tudo ser diferente

por Mei Mei Wong
Paulo RegoPaulo Rego*

É muito difícil contabilizar tudo aquilo que a China perdeu nos últimos três anos. Mas foi muito, do ponto de vista económico, social e político; para além do recuo na sua afirmação internacional.

Mais fácil é hoje perceber que, no curto prazo, a única coisa que serve o país, a sua liderança, e o seu povo, é uma inversão drástica da política de Covid-zero – e todos os dias há sinais evidentes dessa consciência.

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Por arrasto, também Macau terá de priorizar a liberdade de movimentos e a recuperação económica, sem as quais está em risco o contrato social que legitima o regime, quer a nível nacional, quer nas províncias, regiões especiais… e autónomas.

Ho Iat Seng tem em mãos um desafio titânico, com contornos económicos, sociais e políticos. É verdade que foi vítima de muitas circunstâncias que o ultrapassaram; a começar pela paralisia nacional e pelo ataque à economia paralela que multiplicava a receita dos casinos.

Mas também é certo que enveredou por um isolacionismo não dialogante, que delapidou a aura de ambição e capacidade de liderança que projetou quando chegou ao poder. É demasiado óbvio o desencanto generalizado; quer em setores tradicionais, quer liberais; seja entre empresários, trabalhadores, comerciantes ou funcionários públicos…

Por um lado, o Executivo pouco ou nada podia ter feito em relação à política nacional de combate ao vírus; compreendendo-se que seria inexequível ter aberto a ocidente, fechando a fronteira nacional. Contudo, Ho Iat Seng cometeu um erro de perceção política, ao pensar que a crise seria o escudo indestrutível que protegeria a sua imagem de liderança.

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Quanto mais difícil era a circunstância, mais a RAEM precisava de condução e de esperança; de uma liderança de proximidade; de uma capacidade pessoal e institucional de incluir – em vez de excluir.

A verdade é que hoje é difícil encontrar quem não se queixe de um Palácio fechado sobre si próprio, deixando passar a imagem de que nada podia fazer – nem dizer – enquanto os ventos do Norte não soprassem de feição.

Estratégia, essa, que fere as margens da autonomia, mas sobretudo a sua própria autoridade pessoal. Nesse contexto, muita gente passou a entender que mais vale passar recados ao Palácio do Povo do que chegar à fala com a Praia Grande.

Depois, o Chefe – e seu núcleo duro – foi incapaz de projetar a esperança de que seria capaz de compensar a mão pesada que caiu sobre o modelo junket, porque não adotou nem um discurso nem uma prática credível de diversificação económica.

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A estratégia de impor aos casinos a condução de um caminho que conduza ao fim do seu modelo de negócio é uma ilusão de curto prazo, que terá uma fatura incontornável, quer na produção de receita quer na criação de emprego.

Quanto à reforma da Função Pública, investimentos públicos estruturantes, visão estratégica para Hengqin e para a plataforma lusófona, atração de investimento e de know-how estrangeiro… pouco ou nada foi feito.

Aliás, muitos passos foram dados atrás, sobretudo no desenho de cidade multicultural, votada a fazer pontes.

Percebe-se que o patriotismo e o amor à pátria sejam os eixos políticos da moda. Mas mesmo nessa narrativa é preciso cumprir o desenho que a Pátria fez para a Região Autónoma. E que está a milhas de ser o que se vê por cá fazer – e não fazer.

Finalmente, os ventos do Norte fustigam agora os “abusos” e a “incompetência” dos poderes locais, acusados de não terem interpretado bem a questão central. Com o mundo virado ao contrário, Ho Iat Seng terá agora dois anos para provar que tem arte e engenho para ser ele o mesmo que pode fazer tudo diferente.

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Por um lado, convencendo a sua base de apoio local, nesta altura muito fragilizada.

Por outro, servindo ao futuro mandato do céu, que em todo o país enfrenta o dilema de decidir como mudar tudo, mantendo a legitimidade da liderança.

E há muita gente que corre sérios riscos de pagar cara essa fatura.

*Diretor-Executivo do PLATAFORMA

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