Início Atualidade Hong Kong e Macau respondem com silêncio à “Revolução do papel branco” na China Continental

Hong Kong e Macau respondem com silêncio à “Revolução do papel branco” na China Continental

Yenyen LeiYenyen Lei

O incêndio em Urumqi, Xinjiang, que vitimou dez pessoas confinadas, deu início a uma onda de protestos contra as políticas anti-Covid na China. Ao PLATAFORMA, jovens e politólogos explicam as razões do silêncio em Macau e Hong Kong: os receios perante a Lei de Segurança Nacional e o sentimento de não pertença ao Continente

A China tem aplicado uma política rigorosa de prevenção epidémica nos últimos três anos. Devido à restrição do discurso na Internet, é quase impossível para as autoridades do Continente captar o sentimento público relativamente a política de prevenção de epidemias. No entanto, na noite de 26 de novembro, um incêndio residencial em Urumqi veio alterar esse ambiente.

Pessoas nas principais cidades do Continente saíram à rua em protesto, segurando folhas A4 brancas e gritando slogans políticos num espetáculo raro.

“EFEITOS SECUNDÁRIOS” DO MOVIMENTO DE ALTERAÇÃO À LEI DA EXTRADIÇÃO

Em Hong Kong, algumas pessoas também seguraram folhas em branco de apoio ao protesto. No entanto, Jacky, que nasceu na década de 70, defende que a resposta da cidade foi bastante calma, comparativamente com anos anteriores, em que a comunidade de Hong Kong tomava partido nas questões do Continente.

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“Não é que eu não sinta nada [relativamente aos protestos no Interior], mas hoje em dia penso que vai tudo dar ao mesmo, quer façamos alguma coisa ou não“.

Jacky diz que sentia que Hong Kong era o único lugar na China onde os meios de comunicação social tinham liberdade. Como cidadão da região autónoma, sempre sentiu o dever de lutar pelo povo contra a injustiça. “Contudo, ao abrigo da Lei de Segurança Nacional, há linhas vermelhas por todo o lado, por isso quem ousa fazê-lo?”, atira.

Costumava levar velas todos os anos ao Victoria Park, em Hong Kong, para participar na cerimónia anual em memória das vítimas do 4 de Junho. No passado, preocupava-se com as questões do Interior da China.

Mas admite que, nos últimos dois anos, o povo de Hong Kong está cansado de correr atrás do movimento anti-China e anti-pandémico, pelo que se tornaram cada vez mais “insensíveis” ao que se passa no Continente. Este ano, já começou a planear a sua saída de Hong Kong.

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Em contraste com a participação ativa no passado, a resposta tépida da comunidade de Hong Kong não só mostra a alienação da relação entre o Continente e Hong Kong, como também a diferença entre gerações.

Nascido nos anos 90, John diz não se importar com os assuntos atuais na China. Defende que Hong Kong é Hong Kong e que o Continente é o Continente. “Há alguns anos, quando as pessoas saíram às ruas de Hong Kong, o que é que estes “little pinkies” disseram?” Pergunta sarcasticamente.

“Little Pink” é um termo popular na Internet utilizado em Hong Kong e Macau nos últimos anos, referindo-se a jovens nacionalistas chineses jingoístas.

O antigo professor assistente de estudos culturais da Universidade de Lingnan, Yip Yam-chung, salienta ao PLATAFORMA que a característica distintiva do localismo é a rejeição da China como traço identitário, pelo que existe naturalmente menos interesse na chamada “Revolução do Papel Branco”. Acrescenta também que a atitude cínica do povo de Hong Kong já era de esperar.

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“O mais significativo é que muitas pessoas de Hong Kong pensam que os jovens do Continente não estão interessados na política ou aceitaram a linha oficial. Este incidente prova que essa visão pode não ser tão exata”.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO SEM VOZ

Contrastando com os anteriores movimentos de protestos políticos em Hong Kong, Macau sempre adotou uma posição menos contundente. Mas será que a “Revolução do Papel Branco” não provocou qualquer faísca na sociedade de Macau? Sam, um estudante universitário em Macau, ficou profundamente comovido com a imagem de estudantes do Continente a saírem à rua.

“Num ambiente de informação tão fechado, não é fácil para os estudantes saírem. É irónico porque em Macau vivemos fora da firewall cibernética e estamos expostos ao mundo, contudo, ficamos satisfeitos com a informação divulgada pelo Governo”.

Um colega de Sam, Orange, descreve-se como “politicamente apático”, mas salienta que o incidente lhe fez lembrar o movimento de alteração à lei de extradição em Hong Kong, especialmente a imagem dos estudantes da Universidade de Comunicação de Nanjing a segurar placas de cartão e a entoar slogans.

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“Não pensei que isto pudesse acontecer no Continente”, confessa, acrescentando que a maioria dos seus amigos em Macau não estão muito preocupados com o incidente.

“Em Hong Kong e Macau, houve pouca cobertura mediática [dos protestos], resultando em pouca discussão entre as duas cidades”, diz Eilo Yu, professor associado do Departamento de Administração Pública e Governamental da Universidade de Macau.

O académico afirma que não houve muitas ações concretas em Hong Kong de resposta aos protestos no Continente, embora tenha havido pequenos movimentos organizados por estudantes do Continente em Hong Kong.

Quanto a Macau, salientou que os meios de comunicação locais não relataram os protestos, e que a população local raramente tem acesso a informações do estrangeiro, ou seja, a maioria não compreende bem o que se passou.

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O académico, especializado no desenvolvimento político de Macau, salientou numa entrevista que, mais importante ainda, nenhum democrata local organizou atividades para acompanhar o incidente.

E sob a pressão da alteração da Lei de Segurança Nacional, “não há sociedade civil em Macau que possa organizar atividades para acompanhar e apoiar o movimento no Continente”.

O antigo deputado de Macau, António Ng Kuok Cheong, declara que os residentes de Hong Kong e Macau que ainda oferecem alguma resistência podem certamente compreender que existe uma necessidade real e uma razão para os nacionais chineses se aventurarem a combater as restrições.

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“A política de segurança nacional do Governo dificultou a prestação de apoio concreto, e a maioria dos residentes de Macau têm o cuidado de proteger a sua própria segurança política. Neste contexto, os governantes do Partido Comunista estão confiantes de que têm os recursos necessários para controlar a situação no geral e aliviar o descontentamento público com pequenas medidas”, explica.

“No quadro político geral, o povo só se pode misturar com as massas para lutar por pequenas mudanças quando necessário, em vez de participar numa ação cívica racional para promover o progresso social”, conclui.

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