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“O Oriente é um tema que Pessoa muitas vezes trata”

Catarina Brites SoaresCatarina Brites Soares

Acaba de ser lançada uma nova edição da antologia sobre Fernando Pessoa, de Adolfo Casais Monteiro. Ao PLATAFORMA, a Editora Presença – responsável pela reedição – e o investigador Fernando Cabral Martins falam sobre a ligação entre os dois autores, a relevância da obra e de Pessoa, que também escreveu sobre o Oriente e Macau.

Fernando Pessoa é o expoente máximo da literatura moderna de Portugal e um dos quatro grandes nomes da poesia portuguesa. Foi nesse leque que o incluiu Adolfo Casais Monteiro, a par de Luís Vaz de Camões, Teixeira de Pascoaes e Antero de Quental.

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A dedicação e trabalho daquele que foi um dos maiores estudiosos da obra pessoana traduziram-se também na antologia Poesia de Fernando Pessoa – Introdução e Selecção de Adolfo Casais Monteiro, que organizou na década de 50.

A 2ª edição, 1945, Editorial Confluência, Lisboa, foi re-publicada pela Editora Presença. A compilação saiu a 24 de Agosto e compreende todas as facetas da obra de Fernando Pessoa.

A sinopse refere que “nela se encontram reunidos os momentos mais significativos da sua poesia ortónima bem como da dos seus principais heterónimos – Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos”. ‘O Menino de Sua Mãe’, ‘Chuva Oblíqua’, ‘Tabacaria’ e ‘O Andaime’ são alguns dos 30 poemas incluídos na Antologia dedicada a Pessoa.

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O que escreveu e como escreveu tornou-o um dos maiores poetas da literatura portuguesa, mas também um nome incontornável da Literatura universal. O “segredo” do poeta Pessoa, dizia Casais Monteiro, “é que ele transforma, diga-se assim, em emoções os seus pensamentos”, “sensibilizou o cerebral, deu raízes de existência ao absoluto”.

Quase tudo – ou tudo! – encontra-se na poesia pessoana. Expressou e verbalizou mundos interiores e exteriores, dos quais não excluiu os que lhe estavam mais distantes.

“O Oriente é um tema que Pessoa muitas vezes trata no âmbito das suas considerações sobre a história de Portugal, ou também na poesia do primeiro Álvaro de Campos ou da Mensagem, sendo um símbolo recorrente da paixão pelo misterioso, o ignoto ou o sublime”, realça ao PLATAFORMA Fernando Cabral Martins, coordenador do projeto Modern!smo, Arquivo Virtual da Geração de Orpheu, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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Macau também está presente no imaginário de Pessoa, acrescenta o professor e ensaísta. “Sobretudo pelo facto de Camilo Pessanha, que é um dos poetas de referência do grupo de Orpheu, ter sido um macaense por adopção”.

Camilo Pessanha (1827-1926), considerado “o representante mais genuíno do simbolismo” em Portugal, viveu em Macau quase 30 anos. Reza a história que foi um desgosto amoroso que o trouxe e manteve no território. ‘Clepsidra’ foi o livro de poesia por que ficou conhecido e que o imortalizou.

“Na verdade, apesar de nascido mais de vinte anos antes de Pessoa, Camilo Pessanha é o único dos mestres de Orpheu que está vivo quando essa revista é publicada, tendo contatado pessoalmente com os poetas do grupo na sua última vinda a Lisboa”, salienta.

Da Orpheu, a revista que marca o início do modernismo em Portugal e co-dirigida por Fernando Pessoa, também fazia parte Adolfo Casais Monteiro [Ver Caixa]. Poeta, tradutor, professor, crítico e ensaísta – que viveu entre 1908 e 1972 – foi um dos primeiros a refletir sobre a obra pessoana.

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Fernando Cabral Martins sublinha que Casais Monteiro foi, com João Gaspar Simões e Jorge de Sena, um divulgador fundamental e pioneiro de Pessoa. “Quer fazendo a primeira antologia da sua poesia — em 1942 — quer escrevendo depois vários ensaios entusiásticos e compreensivos, que muito ajudaram à sua leitura”, fundamenta.

OS INCONTORNÁVEIS

A obra, publicada agora pela Editorial Presença, junta dois dos nomes mais relevantes do movimento literário modernista em Portugal. Tânia Raposo, editora-adjunta da Presença, reitera que Adolfo Casais Monteiro foi um profundo conhecedor do universo pessoano e um dos pioneiros no estudo da obra do autor.

“Aliás, esta seleção por ele feita, juntando ortónimo e heterónimos, além da carta sobre a origem destes, escrita por Pessoa e dirigida, justamente, a Adolfo Casais Monteiro, revela a proximidade entre estes dois grandes nomes do século XX português”.

A par dos poemas, a Antologia tem a transcrição da carta de Pessoa sobre como surgem os heterónimos – o único testemunho sobre a criação e que dirigiu a Casais Monteiro. O mesmo livro inclui também as “Notas para a Recordação do Meu Mestre Caeiro”, assinadas por Álvaro de Campos, heterónimo com o qual Pessoa colaborou nos primeiros dois meses de 1931 na Presença.

A revista, na qual o autor publicou também o poema ‘O Guardador de Rebanhos’, de Alberto Caeiro, foi co-dirigida por Adolfo Casais Monteiro, e os escritores João Gaspar Simões e José Régio de 31 a 40.

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Questionado sobre se lhes tem sido feita justiça em Portugal e na Lusofonia, destacando-se Macau, Fernando Cabral Martins responde: “Pessoa é um poeta com difusão e importância de dimensão planetária. Casais Monteiro é um crítico de referência de Pessoa, que, além do mais, muito fez pela sua divulgação no Brasil”.

Raposo recorda que à primeira edição da antologia – publicada pouco depois da morte de Pessoa -, seguir-se-ia uma segunda, na edição de 1945, agora reproduzida integralmente. “Publicámos a primeira edição desta antologia em 2006 e ela teve, ao longo de quase duas décadas, muita procura no mercado. Agora, decidimos que era tempo de lhe dar um novo grafismo, oferecendo aos leitores uma edição em capa dura”, explica.

A imagem de capa, Fernando Pessoa – Heterónimo, de 1978, é de António Costa Pinheiro (1932-2015), artista que evocou o poeta numa multiplicidade de obras como pinturas, desenhos e estudos, guaches e gravuras, com especial incidência na década de 1970, sublinha a editora.

À PROCURA DE NOVOS HORIZONTES

Sobre se há a intenção de a traduzir para outros idiomas – incluindo o chinês, Tânia Raposo ressalva que a obra de Adolfo Casais Monteiro, ao contrário da de Fernando Pessoa, não está em domínio público.

“Só podemos, na Editorial Presença, desejar que esta antologia possa encontrar novas edições em línguas e territórios um pouco por todo o mundo”, afirma.

A responsável não deixa contudo de assinalar o crescimento do mercado chinês na última década. “De facto, isso reflete-se em várias frentes – seja nos catálogos de editoras europeias e norte-americanas, por exemplo, seja naquilo que os leitores procuram nas livrarias nacionais – e aplica-se também a outras geografias fora do mundo ocidental. A verdade é que, felizmente, o nosso horizonte se está a alargar cada vez mais e a diversidade aumenta. Todos ganhamos: editores e leitores”, vinca.

Tânia Raposo, editora-adjunta da Presença, refere que “só podemos, na Editorial Presença, desejar que esta antologia possa encontrar novas edições em línguas e territórios um pouco por todo
o mundo”.

Quando ganhou o Prémio Nobel, em 1998, Saramago afirmou: “Caso Pessoa não tivesse chamado de novo a atenção do mundo para a literatura portuguesa, seria impossível eu receber este prémio”.

À pergunta se a literatura portuguesa (ainda) é negligenciada, Fernando Cabral Martins devolve que “a simples existência de autores como Pessoa e de Saramago torna a literatura portuguesa visível no mundo contemporâneo”.

Adolfo Casais Monteiro

Poeta, tradutor, professor, crítico, investigador e ensaísta, Adolfo Casais Monteiro é pouco conhecido. Apesar de esquecido, é considerado uma dos nomes mais importantes do Modernismo em Portugal.

O desvalor deve-se também ao facto de ter sido proibido pela censura aquando do regime Salazarista. Durante décadas, foi impedido de publicar livros ou assinar críticas literárias.

Acabou num exílio forçado no Brasil, em 1954, onde continuou a escrever. Aos 21 anos publicou “Confusão”, livro de poemas escritos durante a licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas que terminou na Faculdade do Porto, onde nasceu.

Seguiu-se uma forte produção literária entre o ensaio, a crítica, a tradução de clássicos e a crónica – sobretudo política. “Adolescentes”, que escreveu com 37 anos, foi o único romance que publicou quando ainda vivia em Portugal. Foi fortemente perseguido pela polícia de Salazar, que o mandou para a prisão sete vezes.

Fernando Pessoa

A curta bibliografia da Casa com o mesmo nome – sítio onde viveu em Campo de Ourique tornado museu – diz que Fernando Pessoa “é hoje o nome da literatura portuguesa mais reconhecido no mundo”. Nasceu em 1888, em Lisboa.

O poeta, ficcionista, dramaturgo, filósofo, e prosador começou a escrever em criança. Harold Bloom, crítico literário, diz que Pessoa foi um “Whitman renascido” e considerou-o entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental. Já Robert Hass, poeta americano, numa alusão a Pessoa referiu que “outros modernistas como Yeats, Pound, Elliot, inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente.

Pessoa inventava poetas inteiros.” Por outros, é considerado a personalidade literária portuguesa e europeia mais complexa do século XX. Uma das grandes invenções por que se tornou célebre foram os heterónimos. Das dezenas, destacam-se Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, donos de uma identidade própria; de uma arte poética; de uma evolução literária pessoal, e capazes de falar sobre as relações literárias e pessoais que estabelecem entre si.

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