Os 200 anos da independência e a CPLP. Uma relação que a política tem estragado

por Mei Mei Wong
Maria Isaura

O Governo do Brasil convidou os chefes de Estado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para as comemorações dos 200 anos da independência do país, a 7 de setembro. Um gesto que é visto naquele país de Vera Cruz como apenas simbólico. Mas um gesto que se deveria repetir mais vezes, de um lado e do outro. “A política tem estragado” as relações entre estes países irmãos, diz quem tem visto esta “degradação” de vínculos

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de Portugal, foi o único desta comunidade da CPLP que respondeu de forma positiva ao convite endereçado pelo Governo de Jair Bolsonaro, apesar do mau ambiente vivido entre o líder português e o Presidente brasileiro, que recusou receber Marcelo na sua última visita ao Brasil, devido ao encontro deste com Lula da Silva, seu principal rival nas eleições de outubro. Mas esta é apenas uma gota no oceano.

“É tudo política. Não podemos falar nas relações entre países irmãos olhando apenas ao que os presidentes e governantes dizem e falam. Se nos basearmos apenas nisso, então há muito que essa Comunidade tinha desaparecido. Felizmente que as relações não são apenas políticas entre o Brasil e os países membros da CPLP, a política tem estragado o relacionamento entre todos. É histórico, já. O que sai para fora são sempre as polémicas entre presidentes, veja o exemplo agora de Bolsonaro e Marcelo”, salienta ao PLATAFORMA o historiador brasileiro José Murilo de Carvalho, que ao falar sobre os 200 anos da independência do Brasil vê esta data como uma ponte de união entre países irmãos…mas longe das câmaras.

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“Mais uma vezes serão os políticos a mostrar a cara. Se algum líder dos países da Comunidade não estiver presente, a polémica irá crescer. Mas não nos podemos esquecer que os líderes passam e aqueles que têm fortalecido as relações são outros. São os homens do desporto, são os homens da fauna, são as mulheres da sociedade, são as mulheres da cultura. São este povo de verdade que têm fortalecido a união da CPLP, os que não se vêem, os que estão na sombra. Felizmente a CPLP não são os políticos. A comemoração dos 200 anos, a que vai aparecer nos noticiários, é a comemoração dos políticos, a que não se irá ver, será a verdadeira comemoração entre países irmãos”, referiu José Murilo de Carvalho. Apesar de ver a relação atrás das câmaras, a verdade é que o historiador também acredita que é a imagem política que define o futuro, a imagem que passa nas TV e media.

Independência do Brasil, Pedro Américo

“Não podemos ser hipócritas. A imagem dos nossos líderes é a imagem que a maioria vê. Se um povo escolhe um líder, a maioria desses depois fica também com o líder. Fica com aquilo que ele diz e fala. Vejo sim que a política tem estragado o relacionamento de tantas centenas de anos entre países que antes davam a mão. Há esperança, sim, mas neste momento há maiores interesses que os de sangue, como os económicos”, disse.

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Mas para Murilo de Carvalho, se nem tudo são rosas, também não são apenas espinhos. “A ligação entre esta Comunidade vai existir sempre, ninguém a negará. Prova disso são estes 200 anos de independência do Brasil da Corte de Portugal. Foi uma separação entre um povo e um país colonizador. No entanto, a verdade é que passados 200 anos, as ligações entre o Brasil, Portugal e outras antigas colónias portuguesas ,essas mantêm-se. Estão degradadas, sim, mas existem. E o futuro é voltar a remendá-las, há muitas bases para isso”, conclui.

OS PEDIDOS DE DESCULPAS QUE NUNCA FORAM DADOS

A Independência do Brasil foi o processo histórico de separação entre Brasil e Portugal, que se estendeu de 1821 a 1825, embora a data oficial para a comemoração seja a 7 de setembro de 1822, ocasião em que ocorreu o evento conhecido como o Grito do Ipiranga, às margens do rio Ipiranga, na atual cidade de São Paulo. Passam agora 200 anos. Brasil e Portugal, à boca de muitos, são unidos por esta ligação, pela língua, sangue, etc. Mas há quem diga que falta algo, um pedido de desculpas por parte dos portugueses. Seria o princípio de uma nova e mais forte ligação?

“Falta, sim, um pedido de desculpas. Foram anos de escravidão. Mas o Brasil fez o mesmo em outros locais do mundo, na ilha de Gore, no Senegal. Mas lembro que Lula da Silva, então presidente, foi lá e pediu desculpa. Infelizmente não acredito que Marcelo Rebelo de Sousa, pessoa que tanto estimo, o faça”, diz Laurentino Gomes, outro historiador brasileiro, que a exemplo do seu colega também não vê a comemoração dos 200 anos da independência e o convite “à elite” da CPLP como um “novo caminho de amizade futura”.

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“Não vejo não. Há tanta coisa por resolver, entre todos.Há tantos processos, malentendidos, coisas simples, que têm degradado relações de anos. Já não há escravatura como havia, mas os homens continuam a estragar uma relação de muitos países que falam a mesma língua. Irmãos? Muitos milhões são, mas outros vivem o estigma dos seus líderes, uns são invejosos e não querem o bem dos outros”, aponta Laurentino Gomes, dando exemplos:

“Se em Portugal, as relações com o Brasil desempenham um papel relevante, empolgam setores significativos da opinião pública e são levadas, no Brasil tais questões passam desapercebidas pela grande maioria da sociedade, porque ainda há coisas mal resolvidas entre países. E há porquê? Pelas tais razões políticas. Este sonho comunitário tem sido apenas isso, um sonho de uma mitologia lusófona, a CPLP é uma mitologia, acima de tudo, lusitana. Para avançar, todos têm de entrar no mesmo barco, com a mesma força. Todos têm de navegar no mesmo rumo, no rumo de uma verdadeira aliança. No entanto, só vejo isso possível fora da esfera política, uma CPLP sem política”.

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Factos ou perceções de alguém que há muito estuda relações. Mas será possível essa CPLP em política? “Se os políticos quiserem e deixarem, não tenho dúvidas que será. Uma Comunidade não pode ter interesses políticos, tem de ter interesses sociais, sobretudo. As relações fortalecem-se assim, não é com interesses políticos e económicos”, entende Laurentino Gomes.

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