Sem talento para mais, Macau

por Mei Mei Wong
Un Hong InUn Hong In

Agentes económicos pedem ao Governo mais talento para a recuperação económica. O Chefe do Executivo começa a dar sinais de que vai ser preciso baixar as expectativas. Há uma contradição insanável: a escassez de mão de obra qualificada é evidente e está cada vez mais difícil atraí-la

A Ana (nome fictício) regressou a Macau no verão passado, depois de terminar os estudos em Taiwan. Desde então, aceitou vários empregos em escritórios, mas não correram como esperava. Foi distribuindo currículos até receber uma oferta de part-time sem possibilidade de se tornar efetiva.

A situação que encontrou nessa empresa chocou-a, confessa ao PLATAFORMA.

Leia também: “O Governo evita cada vez mais assumir responsabilidade”

“Tirando os supervisores, os trabalhadores eram do Interior da China. Houve uma pessoa a ser despedida depois de dois dias”, conta, acrescentando que muitos têm visto o seu horário de trabalho reduzido ou acabam no desemprego.

A jovem especula que várias empresas estejam a aproveitar-se do “Plano de abonos provisórios para o incentivo à contratação de residentes desempregados por empregadores durante o período da epidemia”.

A medida possibilita às empresas receberem um subsídio único de 19.968 patacas por cada funcionário local que contratarem entre 1 de junho e 31 de agosto deste ano.

Por outro lado, os salários em Macau há muito que descem devido à oferta de mão de obra não residente. A jovem salienta que qualquer pequena e média empresa (PME) na cidade pode agora oferecer um salário mensal entre 7000 e 8000 patacas a portadores de bilhete de identidade de residente de Macau. Mas com este nível de rendimento, diz que a vida no território se torna ainda mais difícil.

Leia também: Macau perdeu 685 empresas em 2020

Ana acredita que este contexto não foi criado pela pandemia:

“Não é um problema atual, foi algo causado pela estrutura económica local.”

SEM ARTE NEM ENGENHO PARA DAR A VOLTA

Billy gere um negócio de roupa e calçado há oito anos. Atualmente conta com seis lojas entre a Rua do Campo e alguns centros comerciais – alguns dos melhores espaços para comércio na cidade.

Contudo, admite que o negócio desenrola-se como uma montanha-russa nos últimos três anos. “Tem sido horrível”, comenta.

O responsável diz que no final de 2020 o negócio tinha corrido ainda melhor do que em 2019, graças às medidas de auxílio lançadas pelo Governo. Na altura, mesmo com os casinos fechados, afirma que a maioria dos negócios não tinha dificuldades em pagar ordenados.

Leia também: Xi diz que pandemia obrigou a repensar economia de Macau

“Com a primeira distribuição dos cartões de consumo eletrónico, a população estava confiante de que iríamos recuperar. Acreditavam que o seu consumo iria compensar o facto de a cidade estar fechada. Com a reabertura da fronteira e o regresso dos consumidores do Continente, tudo parecia melhor”, lembra, salientando também que o facto da China estar de fronteiras fechadas com o resto do mundo ajudou Macau a se tornar o destino predileto de muitos cidadãos chineses.

Billy afirma que o lucro das suas lojas dependia em 60 por cento de turistas e 40 por cento de residentes locais. Porém, os surtos epidémicos recorrentes e as medidas de prevenção e combate implementadas colocaram o seu negócio em declínio a cada três ou quatro meses. Mesmo antes da época alta começar, tudo voltou a piorar.

“Em 2022, a China incentivou as pessoas a não viajarem no Ano Novo Chinês. Na Semana Dourada, as pessoas também decidiram gastar menos do que nos anos anteriores”, nota. O empresário acredita que o fraco consumo foi agravado pela preocupação dos residentes com as licenças sem vencimento, bem como pelas restrições de visto impostas por Pequim.

“Ao contrário de Hong Kong, Macau não consegue depender da circulação interna”.

Leia também: Macau levanta restrições de entrada a cônjuges e filhos de residentes

Sendo assim, Billy criou uma plataforma online para atrair outros mercados com poder de consumo, “mas acabamos por enfrentar a competição vinda do Interior da China, Hong Kong e Sudeste Asiático. As empresas de Macau não têm a experiência e recursos humanos necessários para singrar no mercado de vendas online”.

SERVIÇOS DE ENTREGA GANHAM COM A PANDEMIA

A maioria das PME enfrentam escassez de capital. O proprietário do The Heal Cafe & Kids, restaurante na Taipa, viu o seu negócio reduzir em 90 por cento com o último surto epidémico, ao depender de residentes locais e de entregas ao domicílio.

As duas principais plataformas de entrega foram as grandes beneficiárias, enfatiza. Hoje, todo o rendimento dos restaurantes é investido em publicidade nas plataformas e nas redes sociais, explica.

“Durante este surto, os restaurantes competiam entre si para oferecer os preços mais baixos aos clientes, piorando ainda mais a situação do mercado”, analisa. Ambos os empreendedores explicam que os jovens de Macau não possuem uma base financeira estável, pois ainda não têm poupanças. Billy afirma que a nova medida de auxílio às PME é igual à de 2020.

“O que as PME mais precisam é de fluxo de capital, mas depois das medidas de crédito implementadas em 2020, parece improvável que os bancos consigam voltar a oferecer estes empréstimos em 2022”.

Leia também: Diversificação económica de Macau: Um osso duro de roer

O The Heal Cafe & Kids afirma que “o apoio distribuído às PME não teve em consideração o custo das estruturas de diferentes indústrias, apenas os custos de negócio e a sua continuidade serão tidos em conta para a distribuição dos subsídios. Não são valores precisos, mas é melhor do que nada”.

“CONSEGUIRÃO OS RESIDENTES DE MACAU BAIXAR OS SEUS CRITÉRIOS?”

Billy acredita que a redução do número de trabalhadores não residentes (TNR) no comércio pode ajudar locais a arranjarem emprego. Contudo, questiona se estes conseguirão viver com os salários normalmente oferecidos a TNR. A gerência do The Heal Cafe & Kids afirma que, a seguir à renda, a mão de obra é a principal despesa. Por essa razão, explica que os TNR são essenciais para pequenos negócios que dependem maioritariamente de consumidores locais.

Caso sejam substituídos por residentes, os salários poderiam subir os custos em 40 por cento, refletindo-se depois nos preços oferecidos aos consumidores, acrescenta.

Leia também: Manifestação: Exclusão de TNR mostra erosão de liberdades, diz deputado de Macau

No final do mês de abril, Macau contava com menos 29.927 TNR do que no fim de 2019. A taxa de desemprego entre residentes locais chegou aos 4,8 por cento no segundo trimestre, ou seja quase 14 mil entre as 384.500 pessoas no ativo, sendo que 15.700 ficaram em situação de subemprego.

Sobre a situação de emprego local, o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, questionou numa sessão da Assembleia Legislativa este mês:

“Conseguirão os residentes de Macau baixar os seus critérios?”. Ana, em resposta, pergunta se as devidas estruturas de apoio foram implementadas, acrescentando que Macau não está “completamente equipada” para lidar com as necessidades da sua população.

Afirma por isso que as atuais medidas de auxílio não são muito úteis para empregar a população local, especialmente para os recém-graduados, a quem as medidas só vieram piorar a situação.

“Candidatei-me a um certificado de proficiência em língua inglesa, mas desde setembro do ano passado que não tenho resposta.” A jovem chegou a trabalhar numa estação de testes de ácido nucleico com uma amiga que recentemente se formou como profissional de saúde.

Leia também: Governo de Macau admite cancelar quotas de TNR’s

“Ela acabou de terminar os estudos. Apenas veio trabalhar comigo aqui porque as exigências do Governo ficaram mais restritas e, segundo as normas, os trabalhadores de Categoria 15 precisam de ter experiência de trabalho relevante antes de pedirem a sua licença. Mas será que Macau tem sequer vagas neste momento?”.

QUANDO O FUTURO É INCERTO, PENSA-SE NA SAÍDA

Ana tem pesquisado muito para entender a situação do mercado de emprego local. “Falo com trabalhadores de fora, procuro compreendê-los, e todos estão conscientes de que possuem vantagens em relação aos locais. Não compram, comem ou vivem em Macau. Só vêm cá para trabalhar, depois regressam a Zhuhai”.

Acrescenta que a mão de obra também não consegue criar um ciclo de consumo local, o que faz com que o custo de vida em Macau continue a subir, enquanto a qualidade de vida desce. Sobre os seus planos de carreira, a jovem partilha que pretende sair de Macau após um ano a trabalhar na cidade.

“Já não é um bom local para viver e trabalhar”, lamenta.

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!